Vida e Saúde

Por que uma língua estrangeira soa como um borrão para nossos ouvidos? Dois novos estudos explicam

Pesquisas inéditas, publicadas nas revistas Neuron e Nature, revelam como o cérebro aprende a identificar palavras em diferentes idiomas

Agência O Globo - 20/11/2025
Por que uma língua estrangeira soa como um borrão para nossos ouvidos? Dois novos estudos explicam
- Foto: © Wilson Dias/Agência Brasil

Você já se perguntou por que compreendemos tão facilmente nossa língua nativa, mas, ao ouvir um idioma estrangeiro, tudo parece um borrão sem sentido? Pesquisadores da Universidade da Califórnia, em São Francisco, começaram a desvendar esse mistério por meio de dois estudos complementares. As pesquisas mostram como o cérebro aprende, ao longo dos anos, os padrões sonoros de uma língua, até conseguir reconhecer onde uma palavra termina e a próxima começa.

De acordo com os cientistas, quando falamos naturalmente, não existem espaços ou pausas claras entre as palavras. Durante muito tempo, acreditava-se que as áreas cerebrais responsáveis pela compreensão do significado da fala também determinavam os limites entre as palavras. No entanto, os novos estudos revelaram que essa função está relacionada ao giro temporal superior (STG, na sigla em inglês).

Antes, pensava-se que o STG era responsável apenas pelo processamento simples de sons, como a identificação de consoantes e vogais. Agora, os pesquisadores demonstram que essa região também abriga neurônios capazes de aprender, com a experiência, a identificar o início e o fim das palavras em um idioma.

"Isso demonstra que o STG não apenas ouve sons, mas usa a experiência para identificar palavras enquanto elas estão sendo faladas", explica Edward Chang, chefe de neurocirurgia da universidade. "Este trabalho nos oferece um modelo neural de como o cérebro transforma o som contínuo em unidades significativas."

Chang liderou os dois estudos, publicados nas revistas Neuron e Nature.

No estudo publicado na Nature, os pesquisadores registraram a atividade cerebral de 34 voluntários que estavam sendo monitorados para epilepsia. A maioria tinha como língua materna o espanhol, o mandarim ou o inglês. Oito eram bilíngues, mas nenhum falava os três idiomas.

Os participantes ouviram frases em inglês, espanhol e mandarim — línguas familiares e desconhecidas para eles. Os pesquisadores observaram que, ao ouvir a língua nativa ou um idioma conhecido, os neurônios especializados do STG eram ativados. Quando ouviam um idioma desconhecido, esses neurônios não respondiam.

"Isso explica um pouco da magia que nos permite entender o que alguém está dizendo", destaca Ilina Bhaya-Grossman, doutoranda no Programa Conjunto de Doutorado em Bioengenharia da UCSF-UC Berkeley e uma das autoras do estudo publicado na Nature.

Como o cérebro detecta o início e o fim das palavras

O estudo publicado na revista Neuron detalhou como esses neurônios especializados conseguem detectar o início e o fim das palavras. Como os falantes fluentes pronunciam várias palavras por segundo, esses neurônios precisam se reconfigurar rapidamente para registrar a próxima palavra.

"É como uma espécie de reinicialização: o cérebro processa uma palavra que reconhece e, em seguida, se adapta para começar a processar a próxima", explica Matthew Leonard, professor associado de Neurocirurgia e coautor do estudo.