Vida e Saúde

Por que tocamos nossos rostos 800 vezes por dia (e o que isso revela sobre os níveis de estresse)

Estudo descobriu que gestos inconscientes servem como um indicador de estresse mental durante um trabalho cognitivo intenso

Agência O Globo - 26/10/2025
Por que tocamos nossos rostos 800 vezes por dia (e o que isso revela sobre os níveis de estresse)
- Foto: Depositphotos

Neste exato momento, enquanto você lê isto, provavelmente já tocou o rosto pelo menos uma vez sem perceber. Os humanos tocam o rosto até 800 vezes por dia, e a maioria delas acontece completamente fora do nosso estado de consciência. Cientistas descobriram que esses gestos inconscientes, principalmente quando a mão alcança a parte inferior do rosto, servem como um indicador confiável de estresse mental durante um trabalho cognitivo intenso.

Para chegar a essa conclusão, uma equipe de pesquisa da Universidade de Houston e da Virginia Tech, ambas nos EUA, analisou quase 170 horas de gravações em vídeo de 10 pesquisadores acadêmicos trabalhando em seus escritórios ao longo de quatro dias. Usando inteligência artificial para rastrear cada toque no rosto, combinada com imagens térmicas que detectaram a transpiração relacionada ao estresse, o estudo descobriu algo impressionante: pessoas que frequentemente tocavam o queixo, as bochechas e o nariz ao mesmo tempo apresentaram níveis significativamente mais altos de respostas fisiológicas ao estresse.

O comportamento parece ter raízes evolutivas. Cientistas observaram gestos autoconfortantes semelhantes em outros primatas. O queixo, o nariz e a testa formam o que os pesquisadores chamam de "zona T" de contato mais frequente, áreas repletas de pelos finos e terminações nervosas densas. Quando as demandas mentais aumentam, a mão instintivamente se move em direção a essas regiões, possivelmente porque tocar essas áreas altamente sensíveis proporciona conforto em momentos estressantes.

"O autotoque na parte inferior do rosto é um indicador sólido de hiperatividade simpática, que é um indicador de estresse mental", escrevem os pesquisadores em seu artigo apresentado na Conferência Internacional sobre Computação Afetiva e Interação Inteligente de 2025.

A medição tradicional do estresse se baseia em questionários, monitores de frequência cardíaca ou sensores fixados nas palmas das mãos. O toque facial requer apenas observação, o que o torna potencialmente útil para sistemas de monitoramento no local de trabalho. O comportamento oferece algo único: monitora os níveis de estresse e, ao mesmo tempo, quantifica uma maneira como as pessoas lidam com esse estresse, dado o conhecido efeito calmante do autotoque.

A equipe de pesquisa recrutou seis homens e quatro mulheres, todos pesquisadores acadêmicos, desde estudantes de doutorado até professores seniores. Cada participante concordou em ser monitorado em sua sala universitária por quatro dias consecutivos enquanto trabalhava em tarefas regulares, principalmente lendo e escrevendo para projetos de pesquisa.

Três tipos de câmeras capturaram informações diferentes. Uma câmera térmica mediu a transpiração perinasal, o suor sutil ao redor do nariz que ocorre durante o estresse. Essa atividade eletrodérmica facial serve como uma medição remota da resposta do corpo ao estresse, o que anteriormente exigia sensores acoplados às mãos. Uma câmera visual padrão registrou expressões faciais e o comportamento de tocar o rosto. Uma câmera de teto rastreou atividades como o uso de smartphones ou pausas da mesa.

Todas as manhãs, antes de começar o trabalho, os participantes passavam quatro minutos relaxando em suas cadeiras, imaginando paisagens naturais. Essas gravações de linha de base permitiram que os pesquisadores comparassem estados normais com respostas de estresse ao longo do dia de trabalho.

O estudo acumulou 602.737 linhas de dados, uma medição para cada segundo de observação, fornecendo um relato segundo a segundo dos níveis de estresse, atividades, expressões faciais e comportamentos de toque.

O processamento dessa enorme quantidade de vídeo exigiu automação. A equipe de pesquisa desenvolveu um sistema de aprendizado de máquina usando o MobileNet, um tipo de inteligência artificial projetada para analisar imagens. O sistema identificou pontos de referência anatômicos no rosto e nas mãos de cada pessoa em cada quadro do vídeo e, em seguida, calculou se a mão fez contato com regiões faciais específicas, incluindo bochechas, olhos, testa, nariz e queixo.

Quando a posição da mão se sobrepôs a uma região facial na imagem, o sistema registrou um evento de toque facial e o rotulou de acordo com as áreas tocadas. Os membros da equipe revisaram manualmente 2 mil quadros selecionados aleatoriamente (200 por participante) e descobriram que a IA classificou corretamente os toques 94% das vezes.

Um padrão validou a metodologia: os participantes tocaram predominantemente o lado esquerdo do rosto, em linha com pesquisas anteriores que mostram que as pessoas normalmente usam a mão não dominante para toques espontâneos no rosto. Esse padrão proporcionou maior confiança na confiabilidade do sistema de classificação.

Padrões de toque no rosto sinalizam estresse mental

Após categorizar milhares de toques no rosto, os pesquisadores examinaram como diferentes padrões de toque se relacionavam com as medições de estresse da câmera térmica. Eles construíram um modelo estatístico que levou em conta vários fatores, incluindo o tipo de trabalho realizado, o tempo gasto em smartphones, a frequência de pausas, as percepções sobre a carga de trabalho e os traços de personalidade.

Cinco fatores emergiram como preditores significativos de respostas ao estresse: a quantidade de tempo gasto lendo e escrevendo, o uso de smartphones, a frequência de pausas físicas longe da mesa, as demandas físicas percebidas do trabalho e a frequência de tocar o queixo, as bochechas e o nariz ao mesmo tempo.

Tocar várias áreas da parte inferior do rosto ao mesmo tempo apresentou a associação mais forte com o estresse. Nem todos os toques no rosto tiveram o mesmo peso. Toques no queixo, nas bochechas e no nariz correlacionaram-se especificamente com o estresse, enquanto outras combinações apresentaram associações mais fracas ou inexistentes. A remoção dos dados de toque facial do modelo de previsão de estresse reduziu seu poder explicativo em aproximadamente 20%.

A especificidade importa. Tocar diferentes regiões faciais parece ter propósitos diferentes. Enquanto alguém pode tocar a testa enquanto se concentra ou esfregar os olhos quando está cansado, o toque simultâneo no queixo, nas bochechas e no nariz parece particularmente ligado à tensão mental.

Além do toque no rosto, o modelo revelou outros marcadores comportamentais de estresse durante o trabalho intelectual. Os participantes gastaram em média 68% do tempo lendo e escrevendo, confirmando a natureza cognitiva de seu trabalho. Essa atividade central da pesquisa foi associada a respostas elevadas ao estresse.

O uso de smartphones também se correlacionou com respostas ao estresse. Os participantes checaram seus celulares cerca de 3% do tempo, e esses episódios coincidiram com níveis mais altos de estresse. Ainda não está claro se o estresse causa a checagem do celular ou vice-versa, mas a associação está alinhada com pesquisas recentes que relacionam o uso de smartphones aos níveis de estresse.

Fazer pausas físicas longe da mesa também se associou a maior estresse, ocorrendo aproximadamente uma vez a cada duas horas. Em vez de indicar que as pausas causam estresse, os pesquisadores interpretam isso como um mecanismo de enfrentamento. Quando as pessoas sentem um estresse crescente, elas se afastam de suas mesas para se recompor, tornando a frequência das pausas um marcador indireto do acúmulo precoce de estresse.

As expressões faciais, apesar de comumente associadas a emoções, apresentaram pouco valor preditivo para o estresse nesse contexto. Os participantes demonstraram predominantemente emoções negativas (50% das vezes), expressões neutras (20%) e o que parecia tristeza ou a expressão sóbria que as pessoas assumem ao se concentrar (20%). A felicidade raramente apareceu (4%). No entanto, nenhuma dessas expressões previu significativamente os níveis de estresse no modelo estatístico final.

Os pesquisadores entrevistaram os participantes usando instrumentos psicológicos padrão, incluindo o Inventário de Ansiedade Traço-Estado e o Índice de Carga de Tarefas da NASA, que mede a demanda mental, a demanda física, a pressão do tempo, o desempenho percebido, o esforço e a frustração. As avaliações de demanda mental e esforço foram altas, com médias de 12 e 11,6 em 20, respectivamente. A demanda física teve uma média de apenas 5,3, consistente com o trabalho sedentário de mesa. Os níveis de frustração permaneceram baixos em 6,2, sugerindo a ausência de fortes sentimentos negativos, apesar da natureza mentalmente desgastante do trabalho.

Diferenças individuais

Diferenças individuais emergiram ao longo do período de observação de quatro dias. Dois participantes tocaram o rosto com muito mais frequência do que outros, enquadrando-se na categoria de "alto contato" identificada em estudos psicológicos anteriores. Em contraste, uma participante raramente tocou o rosto, sugerindo diferenças individuais nas estratégias de autocontrole durante o trabalho cognitivo.

Um estudo de 2022 descobriu que impedir que pessoas que normalmente tocam o rosto com frequência o fizessem prejudicou seu desempenho de memória e alterou seus padrões de atividade cerebral. As mudanças neurais ocorreram antes do contato físico, sugerindo que o ato de mover a mão em direção ao rosto (não apenas o toque em si) desempenha um papel na regulação emocional.

Pesquisas sobre o desenvolvimento indicam que esses padrões de autotoque se formam completamente somente após certos estágios do desenvolvimento cerebral. Um estudo comparando meninas pré-adolescentes e pós-adolescentes encontrou padrões distintos de autotoque apenas no grupo mais velho, com dois tipos servindo para fins de autorregulação e um servindo para funções de conversação.

O comportamento de tocar o rosto, quando medido continuamente em ambientes naturais de trabalho, rastreia o estresse mental de forma mais confiável do que as expressões faciais. Isso é importante porque as expressões faciais podem ser controladas conscientemente, enquanto os autotoques espontâneos geralmente ocorrem sem que haja consciência.


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