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Há 114 anos, morria Euclides da Cunha; peça em cartaz no Rio revisita episódio que envolveu disputa por uma mulher

Mais de um século após a tragédia, montagem se mostra atual, já que STF derrubou há duas semanas o uso da tese de legítima defesa da honra em casos de feminicídio

Agência O Globo - EXTRA 15/08/2023
Há 114 anos, morria Euclides da Cunha; peça em cartaz no Rio revisita episódio que envolveu disputa por uma mulher
Euclides da Cunha - Foto: Reprodução

Há exatos 114 anos, no dia 15 de agosto de 1909, o escritor Euclides da Cunha foi morto a tiros num acerto de contas com o amante de sua mulher, o cadete Dilermando de Assis. O episódio, conhecido como "A Tragédia da Piedade", teve ampla repercussão na mídia e provocou consequências irreparáveis para as famílias dos dois envolvidos. Dirce de Assis Cavalcanti, filha de Dilermando, por exemplo, sofreu bullying na escola e durante a vida toda devido ao julgamento moral da sociedade, que condenou seu pai por matar o autor do clássico "Os Sertões" em legítima defesa — mesmo ele tendo sido absolvido em dois tribunais. O caso é o centro da trama de "Matar ou Morrer - Dilermando de Assis e Euclides da Cunha", peça que está em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal, no Centro do Rio de Janeiro.

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Pouco mais de um século após a tragédia, os inimigos que disputaram o amor de Anna Emília têm sua história contada em texto de Miriam Halfim, advogada e membro Academia Carioca de Letras, num contexto que torna a montagem atualíssima, já que há duas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu por unanimidade o uso da tese de legítima defesa da honra em casos de feminicídio frisando que nossa sociedade ainda é machista, sexista e misógina.

"O título da peça é extraído da fala de Euclides quando ele foi à casa de Dilermando, naquele fatídico dia, em 1909. O escritor disse: 'Vim para matar ou morrer' e já entrou atirando. Essa história sempre me chamou atenção. Dilermando, apontado como assassino tantas vezes, nunca teve a intenção de matar. Euclides, sim, saiu com esse objetivo. Mas, por ser membro da Academia Brasileira de Letras, a imprensa ficou do lado dele", destaca Miriam.

O espetáculo tem direção de Ary Coslov e mostra uma juíza obcecada pela história, que acaba tornando-se mediadora de um reencontro fictício e turbulento de Euclides e Dilermando mais de cem anos depois. Em cena, estão os atores Maria Adélia, Sávio Moll e Marcelo Aquino.

"É de uma violência tão grande essa história, beira mesmo o absurdo. Achei interessante trazer para a luz, até porque estamos tentando mostrar no espetáculo um paralelo entre o que aconteceu no século passado com a violência comportamental que vemos ainda hoje", afirma Coslov.

A peça segue em cartaz até o dia 27 de agosto, com apresentações às quintas e sextas-feiras, às 19 h, e aos sábados e domingos, às 18h. Os ingressos custam entre R$ 25 e R$ 50 e a classificação indicativa é de 12 anos.

Sobre a tese de legítima defesa

A tese da legítima defesa da honra retornou ao debate público há duas semanas, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o seu uso em casos de feminicídios. A decisão, tomada por unanimidade, determina que o argumento não poderá ser utilizado em julgamentos pela defesa, acusação, policiais ou juízes.

Únicas mulheres da corte, Cármen Lúcia e Rosa Weber deram os votos mais fortes contra a tese. Cármen afirmou que a sociedade brasileira é "machista", "sexista" e "misógina".

— Uma sociedade que ainda hoje é machista, sexista, misógina e mata mulheres apenas porque elas querem ser o que elas são, mulheres donas da sua vida. Como o homem desde 1605, por lei, era dono do corpo e da vida da mulher, essa tese prevalece ainda hoje.

Rosa Weber, por sua vez, afirmou que a tese reproduz valores de uma sociedade "patriarcal", "arcaica" e "autoritária".

— A teoria da legítima defesa da honra traduz expressão de valores de uma sociedade patriarcal, arcaica, autoritária, é preciso enfatizar, cuja cultura do preconceito e da intolerância contra as mulheres sucumbiu à superioridade ética e moral dos princípios humanitários da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana.