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Mercado ilegal: Rio de Janeiro lidera uso de pistolas 9mm entre estados do Sudeste

Apreensões voltaram ao patamar anterior ao da pandemia, segundo levantamento do Instituto Sou da Paz; estado é um dos principais pólos de circulação de armas ilegais da região, com destaque para pistolas e fuzis

Agência O Globo - 08/12/2025
Mercado ilegal: Rio de Janeiro lidera uso de pistolas 9mm entre estados do Sudeste
Mercado ilegal: Rio de Janeiro lidera uso de pistolas 9mm entre estados do Sudeste

O Rio de Janeiro é o estado do Sudeste onde o crime mais usa pistolas 9mm, uma arma mais moderna e mais potente. Antes restrito às forças de segurança, o calibre foi liberado para Colecionadores , Atiradores e Caçadores (CACs) durante o governo Bolsonaro, vetado novamente pelo atual governo, mas continua em ascensão no mercado ilegal de armas.

É o que revela a pesquisa “Arsenal do Crime: Análise do perfil das armas de fogo apreendidas no Sudeste (2018-2023)”, lançada hoje pelo Instituto Sou da Paz. O levantamento inédito analisou 255.267 armas apreendidas, entre 2018 e 2023, nos quatros estados do Sudeste: São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais.

Ao traçar o perfil da arma do crime na região, o instituto concluiu que o estoque tradicional, antes dominado por revólveres antigos calibre .38 e espingardas de alma lisa e garrucha, foi sendo substituído por armas novas, semiautomáticas, em calibres de maior potência e que permitem dar vários tiros em poucos segundos.

Os dados referentes às 45.897 armas de fogo apreendidas no Rio de Janeiro no período, obtidos com exclusividade pelo GLOBO, mostram tendências significativas sobre o mercado ilegal de armas no estado fluminense.

Nesse intervalo de cinco anos, entre 2018 e 2023, as apreensões apresentaram oscilações acentuadas, com uma queda relevante em 2020, seguida por uma retomada de crescimento a partir de 2021. O ano de 2023 teve 8 mil armas apreendidas, retornando ao patamar anterior ao da pandemia e consolidando o Rio de Janeiro como um dos principais pólos de circulação de armas ilegais do Sudeste, com grande presença de pistolas e fuzis.

Em todo o estado, na média dos cinco anos, quase metade das apreensões são de pistolas (49,8%), seguidas de revólveres (32,9%), espingardas (7,2%) e fuzis (6,8%).

Entre as pistolas, mais da metade (54,8%) utilizam a 9mm, chegando a 64,9% em 2023. A predominância desse calibre reforça o avanço das armas semiautomáticas no mercado ilícito.

A precisão do disparo, o recuo ínfimo e a maior capacidade de tiros num único carregador tornaram a 9 mm a favorita dos CACs durante o governo Bolsonaro. Do outro lado, especialistas criticavam a liberação do armamento por seu alto poder de “transfixação”, ou seja, sua capacidade de atravessar um alvo e atingir duas pessoas com um único disparo.

A 9 mm é mais perigosa e, exatamente por isso, sofreu uma grande pressão para ser realocada dos CACs para os profissionais das forças de segurança. Em 2023, depois dos decretos do governo Lula, passou a ser proibida novamente.

Malu Pinheiro, pesquisadora no Instituto Sou da Paz, ressalta que, mesmo depois da proibição, o mercado ilegal ainda sentirá, nos próximos anos, o efeito do “desmonte regulatório” ocorrido com a flexibilização do acesso às armas e munições promovida pelo governo Bolsonaro.

— Mais armas como essa em circulação representam um poder de fogo maior na mão do crime, ocorrências com maior risco à vida das pessoas. Essa potência vai indicar um ferimento mais grave e um risco de vida maior para quem está recebendo aquele tiro. Além disso, também há uma facilidade para o crime em confrontos policiais, para recarregar a arma com mais rapidez, por exemplo — explica Malu.

Apreensões em vias públicas

O levantamento mapeou os órgãos responsáveis pelas maiores apreensões no Rio de Janeiro. As forças estaduais lideram (93,9%), mas chama atenção o aumento expressivo da participação da Polícia Federal, cujas apreensões cresceram 595% entre 2022 e 2023, em razão de grandes operações de repressão ao comércio irregular. A atuação, segundo a pesquisa, reforça o papel estratégico das forças federais no combate ao desvio e comércio ilegal de armas.

A análise temporal indica, de acordo com instituto, concentração das apreensões nas quartas e segundas-feiras, e nos períodos entre início da tarde e noite (51,3%). A via pública é o principal local de apreensão, com 36,8% dos casos, seguida pelos ambientes residenciais, com 18,2%.

A cidade do Rio de Janeiro concentrou 70,4% das apreensões no período de cinco anos, acompanhado por cidades da região metropolitana como Duque de Caxias, São Gonçalo e Nova Iguaçu.

Em termos proporcionais, a capital liderou também a taxa de apreensões por 100 mil habitantes , seguido por municípios litorâneos, como Cabo Frio e Niterói. As rodovias BR-101 e BR-116 aparecem como eixos estratégicos de escoamento, ao conectarem o estado ao Espírito Santo e São Paulo.

A grande maioria das armas apreendidas, destaca a pesquisa, é do tipo industrial (98,4%), com apenas 1,6% de armamento artesanal. O número de fuzis apreendidos é particularmente alarmante (3.067 armas), o maior entre os estados da região Sudeste, reflexo das dinâmicas de conflito armado entre facções e entre estas e as forças de segurança.

O mercado de armas ilegais é um problema predominantemente de origem doméstica, ressalta o levantamento. O Grupo Taurus responde por 47% das apreensões, enquanto Glock (7,6%), Bersa (3,1%) e Canik (2,3%) lideram entre as marcas estrangeiras. Como consequência, armas fabricadas no Brasil lideram com 50,2%, seguidas por Áustria (7,6%), EUA (5,5%) e Turquia (5,3%).