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Teatros municipais do Rio recebem 65% a mais de público do que em 2024; entenda

A busca pelos teatros do município disparou: 1.073 produções apresentaram projeto à Secretaria municipal de Cultura este ano, contra 722 no ano passado, um aumento de 39%

Agência O Globo - 29/11/2025
Teatros municipais do Rio recebem  65% a mais de público do que em 2024; entenda
Teatros municipais do Rio recebem 65% a mais de público do que em 2024; entenda - Foto: Reprodução

Trata dos bailes da vida a canção de Milton Nascimento que diz que o artista tem de ir aonde o povo está. Se foi assim com os da música, assim é com os de teatro — com a roupa igualmente encharcada e a alma repleta de chão. Este ano, espetáculos bem-sucedidos arrastaram multidões às casas públicas, levando mais movimento às ruas da cidade. No segundo semestre, as plateias do Teatro Municipal Carlos Gomes, no centro do Rio, por exemplo, viveram uma catarse durante as apresentações de “(Um) Ensaio sobre a cegueira”, repercutida nas redes sociais do Grupo Galpão e dos espectadores. O sucesso foi equiparável ao de “O Céu da Língua”, estreia do início do ano de Gregorio Duvivier na recém-reformada casa da Praça Tiradentes, que já soma 153 anos.

'Reage, Rio':

Veja detalhes:

— Fizemos quase 200 mil espectadores neste primeiro ano de peça. Uns 50 mil só no Rio. Se não tivesse público, a gente estava frito, porque não temos patrocínio, botamos dinheiro do bolso. Foi o público que pagou a peça. E fico ainda mais feliz de ter estreado no Carlos Gomes, esse teatro histórico que ficou tanto tempo fechado — diz o artista, vencedor do Prêmio Bibi Ferreira 2025 na categoria Melhor Ator de teatro pelo monólogo.

Inspirado no livro de José Saramago publicado há 30 anos, “(Um ensaio) sobre a cegueira”, do Grupo Galpão, aborda questões sobre moral, ética e vida em comunidade. O espetáculo teve apresentação até na calçada do reformado Carlos Gomes, que ficou lotada, assim como o teatro.

— Após a pandemia houve, de fato, um aumento muito grande do público, cada vez mais interessado no teatro, nessa possibilidade do encontro presencial que o teatro permite. E evidentemente os teatros públicos são mais procurados porque os teatros particulares são muito caros — afirma Eduardo Moreira, ator e um dos fundadores do Grupo Galpão.

‘Não consigo acompanhar’

A busca pelos teatros do município disparou: 1.073 produções apresentaram projeto à Secretaria municipal de Cultura este ano, contra 722 no ano passado, um aumento de 39%. Além disso, de janeiro a outubro, os 13 teatros municipais receberam, em média, 178.702 espectadores, que prestigiaram 1.692 sessões de 415 espetáculos — um crescimento de 65,6% em relação ao público total registrado em 2024, de 107.915 espectadores.

Lucas Padilha, secretário municipal de Cultura, diz que o momento é de fortalecer o setor:

— O ano de 2024 foi marcado pela reabertura de diversos teatros da rede municipal, um momento simbólico. Iniciamos 2025 com uma missão ainda maior, reposicionar nossos teatros no imaginário social e no cotidiano da cena cultural carioca.

A professora de ioga Raissa Schuck Rochol, gaúcha de 34 anos que mora no Rio desde 2019, é uma dessas espectadoras que contribuem para o fortalecimento dos teatros públicos cariocas.

— Sou de Porto Alegre (RS). Lá, as opções são muito limitadas. No Rio, a gente não consegue acompanhar a agenda. Ligo para os amigos e pergunto: “O que tem hoje?” e escolho as minhas batalhas — brinca ela, que mora no Flamengo, na Zona Sul. — Recentemente, vi peças muito boas de R$ 10, R$ 20. Os preços são justos. A próxima será uma peça com uma atriz indígena (“Azira’i”, no Rubens Correa). A diversidade é grande.

Outro levantamento, desta vez do Sesc, ilustra a efervescência na cena cultural da cidade: o Edital de Cultura Sesc RJ Pulsar 2025/2026, por meio do qual são selecionadas atrações para compor a programação, recebeu no ano passado quase cinco mil inscrições de projetos nas mais diversas linguagens (teatro, música, dança, artes visuais etc), de todo o país. O número foi recorde.

Este mês, a entidade reabrirá o Sesc Ginástico, no Centro, onde esgotou em poucas horas os ingressos para a leitura de Simone de Beauvoir a ser feita por Fernanda Montenegro nos dias 13 e 14 de dezembro. O sucesso, claro, era de se esperar. O objetivo, para os próximos anos, é atrair mais crianças, mais integrantes de comunidades tradicionais e outros públicos ao teatro.

— Queremos fortalecer a ligação com as comunidades do entorno e promover, de forma cada vez mais ampla, a democratização do acesso ao teatro — diz Fernanda de Carvalho, coordenadora técnica do Sesc de Copacabana.

O João Caetano, reinaugurado em novembro do ano passado pelo governo do estado, atraiu 20 mil pessoas aos espetáculos até o fim de 2024. Em 2025, de janeiro a novembro, o público passou de 145 mil.

— O Projeto Fim de Tarde segue como nosso carro-chefe, desde 2021, todas as terças-feiras do ano, com média de 1.080 espectadores, considerando a capacidade de 1.139 lugares — diz Marcos Edom, diretor do teatro.

Ele conta que as demais programações mantiveram a média muito próxima de mil espectadores, incluindo o Balé Folclórico da Bahia, que não se apresentava no João Caetano havia 30 anos.

— Fizemos 212 anos! Este ano foi realmente uma celebração — completa.

A alta procura, claro, acirra a concorrência. Produtores e mais trabalhadores do teatro correm atrás de cursos para aprender a se candidatar aos processos seletivos e conseguir palcos para as apresentações.

Eduardo Barata, produtor cultural que ano que vem completa 40 anos de trabalho no teatro, acredita que a nova “sede” de teatro é efeito de correntes artísticas fortalecidas na pandemia e em reação a um boicote à arte que chegou a reverberar nacionalmente.

— Em 2019, a extrema ignorância estava no Poder Executivo e em muitas assembleias e câmaras. Quando isso passou, nosso setor se fortaleceu. Até 2023 houve períodos de reconstrução. Usou-se a rede social para reverberar a expressão teatral. Isso ampliou a vontade, o conhecimento da sociedade sobre o nosso fazer, que é ao vivo — frisa ele, que está em cartaz no Carlos Gomes com “Admirável Sertão de Zé Ramalho”.

Violência é obstáculo

A nova realidade, no entanto, ainda apresenta desafios. O produtor lembra que, por conta das ondas de violências nas metrópoles, o comportamento do público mudou. Os horários das peças foram adiantados, e as pessoas querem estar em casa antes de meia-noite.

— A segurança continua sendo um tema bastante presente como desafio. Os transportes encerram cada vez mais cedo. Pessoas vêm falar comigo quando estou no teatro, reclamam dos horários. Sábado e domingo eu tenho feito peça às 17h. Antigamente esse horário era de crianças — conta.

Outro desafio, lembrado tanto por Barata quanto por Gregorio Duvivier, envolve as ticketeiras, empresas contratadas para viabilizar, pela internet, a compra de ingressos. Entre espectadores e trabalhadores dos palcos, há queixas sobre altas taxas de conveniência e falha na comunicação.

— Infelizmente, tivemos que lidar com a pior ticketeira que eu vi na vida. Ainda assim o público foi — diz o ator.

Para Barata, melhorias nos canais de comunicação, nas bilheterias e no atendimento podem ajudar a contornar ruídos nas vendas.

— Ticketeiras oferecem menor preço, e não o melhor trabalho. Isso prejudica público, espetáculo e a comunicação com o frequentador dos teatros. Estamos tentando superar com a internet, mas nem todos os espaços têm suas redes — explica Barata. — Em muitos casos, a taxa de conveniência que as pessoas pagam é quase o preço da meia-entrada.

Em resposta ao GLOBO, a Secretaria municipal de Cultura diz que, atualmente, “parte dos equipamentos culturais opera com uma empresa contratada em caráter emergencial” e que a medida foi adotada “para garantir a continuidade do serviço”, prestes a ter novo processo licitatório.