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'Reage, Rio': há 30 anos, sociedade se reuniu para protestar contra a violência e pedir paz

Quem viveu aqueles dias e participou da mobilização histórica — que reuniu um milhão, segundo os organizadores — acredita na escalada da violência nas últimas três décadas

Agência O Globo - 28/11/2025
'Reage, Rio': há 30 anos, sociedade se reuniu para protestar contra a violência e pedir paz
- Foto: Reprodução / Agência Brasil

Quando centenas de pessoas desceram a pé a Avenida Presidente Vargas, vindas da Central do Brasil, rumo ao ponto de encontro na Candelária, no centro do Rio, há exatos 30 anos, caiu por terra a ideia de que a passeata contra a violência seria um movimento da elite. Havia representantes de diversos setores da sociedade — inclusive das favelas — que seguiram pela Avenida Rio Branco vestindo camisetas com a inscrição “paz”, na manifestação que ficaria conhecida como Reage, Rio.

Após megaoperação,

Operação na Maré

Na época, o Rio vivia o auge dos sequestros. No dia da caminhada, três casos estavam em andamento. No dia anterior, uma vítima tinha sido morta. Quem viveu aqueles dias e participou da mobilização histórica — que reuniu um milhão, segundo os organizadores — acredita na escalada da violência nas últimas três décadas, apesar da queda de mais de 60% do número de homicídios dolosos e de os sequestros — a maior ameaça na época — estarem quase zerados. Destacam a atual expansão do domínio territorial pelas facções e as guerras travadas com fuzis — arma pesada que se multiplicou nas mãos dos bandidos no fim dos anos 1990.

São imagens como as registradas ontem na Cidade Alta, na Zona Norte, que reforçam essa sensação de insegurança. No quarto dia da Operação Barricada Zero, a Polícia Militar foi à favela para liberar os acessos, e houve forte reação do tráfico. Enormes colunas de fumaça podiam ser vistas de longe, resultado de barricadas incendiadas. A Polícia Militar fechou a Avenida Brasil por 40 minutos no início da manhã, e o ramal de trens de Saracuruna, em Duque de Caxias, também foi interrompido por causa de tiroteios.

Após a megaoperação

A operação de retirada de barreiras foi anunciada pelo governador Cláudio Castro duas semanas depois da megaoperação nos complexos da Penha e do Alemão, que resultou em 122 mortes, sendo cinco de policiais. Só ontem foram recolhidas 318 toneladas de materiais utilizados por criminosos nesses bloqueios. O Rio é o único estado do país com uma tropa militar específica para demolir barricadas.

Hoje a passeata do Reage, Rio completa 30 anos e, por uma coincidência, a data remete a outro fato marcante contra a violência: a retomada do Complexo do Alemão pelas forças de segurança em 2010. Cerca de 2,6 mil agentes das polícias estaduais e da Polícia Federal entraram no território até então inexpugnável. As bandeiras do Brasil e do estado foram hasteadas no alto do morro, marcando o início de tempos de paz com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) — pelo menos por um tempo.

Quinze anos depois, os traficantes não só retornaram ao complexo como ampliaram seu arsenal com mais fuzis e até drones para lançar granadas e passaram a abrigar criminosos de outros estados, com a “nacionalização” do Comando Vermelho.

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O Reage, Rio foi liderado pelo sociólogo Betinho — idealizador da “Ação da Cidadania contra a Fome” — e pelo antropólogo Rubem César Fernandes, fundador do Viva Rio. A imagem das pessoas caminhando sob chuva forte, com camisetas brancas estampadas com a palavra “paz”, permanece vívida na memória de Fernandes.

— Vivíamos um clima de esperança, cheios de planos. Começamos o Movimento Viva Rio com o slogan: “O Rio vai mudar”. Mas, em seguida, veio a resposta da criminalidade: três sequestros. Um deles era o do filho do Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira (então presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro). Foi uma pancada. Resolvemos reunir representantes de toda a sociedade. Houve algumas provocações. Diziam que a mobilização deveria se chamar: “Reage, ricos”. A vinda de pessoas da periferia provou o contrário — relembra.

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Para ele, a resistência do então governador Marcello Alencar e do então prefeito Cesar Maia enfraqueceu o movimento, ao atribuírem um cunho político à mobilização. Hoje, com a polarização e o domínio ampliado das facções, Fernandes vê dificuldade em reeditar algo semelhante.

Atual presidente do Conselho Superior da Firjan, Eduardo Eugenio destaca que a expansão territorial do crime não é exclusividade do Brasil.

— Achávamos que estávamos no fundo do poço, mas ele ainda é mais profundo. Quando há discurso político sobre segurança, os bandidos adoram porque é quando estão agindo — afirma. — Agora não é só droga. Eles comercializam armas, controlam serviços e atuam em postos de gasolina. As armas chegam principalmente ao Sudeste. É preciso blindar a região. Não é um problema só dos estados, mas do governo federal.

Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas (Cufa), resume o desafio:

— Muita coisa mudou na paisagem da cidade, mas pouco mudou na profundidade das desigualdades. Movimentos como o Reage, Rio acendem o alerta, mas a virada depende de compromisso contínuo do poder público, da iniciativa privada e da sociedade. Precisamos transformar indignação em projeto de longo prazo, com metas e orçamento, e com a favela como protagonista das soluções.

Então chefe da Polícia Civil, o delegado Hélio Luz é cético:

— Essas mobilizações não enfrentam a raiz do problema: a desigualdade social. A violência piorou porque o jovem não tem opção.

O Reage, Rio deixou de atuar. Mas novos movimentos surgem, como a Rede Universitária de Segurança. A ideia é discutir os índices de violência no estado e tráfico de drogas e de medicamentos.

— Nós, pesquisadores de várias áreas, estamos preocupados com a segurança, que exige medidas mais sistemáticas, numa abordagem multidisciplinar — diz a médica Ligia Bahia, da UFRJ.