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Prefeito do Rio sanciona projeto que prevê fim de flanelinhas e do pagamento em dinheiro por vagas de carro nas ruas
Uma das hipóteses é criar um aplicativo, como acontece na Zona Sul de Niterói; outra é implantar um sistema com parquímetros
Na Rua Dias da Rocha, em Copacabana, um flanelinha tem cadeira para garantir o seu conforto enquanto cobra o que quer de quem para no estacionamento público rotativo ao longo das calçadas. Perto dali, na Rua Leopoldo Miguez, guardadores sem identificação disputam motoristas e até indicam o uso de vagas proibidas — como as destinadas a idosos e deficientes. Mais adiante, na Rua Gustavo Sampaio, no Leme, as quadras são divididas entre uniformizados e informais. O mesmo se repete nos dois lados da Avenida Borges de Medeiros em frente ao Jardim de Alah e à Cruzada São Sebastião e nas imediações do Shopping Leblon.
TCE:
Mercocidades:
Esses são alguns flagrantes do dia a dia de quem procura uma das cerca de 28 mil vagas em áreas públicas do Rio para deixar o carro. Agora, numa nova tentativa — foram muitas — de coibir uma prática irregular que se perpetuou na cidade, o prefeito Eduardo Paes sancionou o projeto que institui o , assinado pelo vereador Marcelo Diniz (PSD) e 24 coautores.
De concreto, Diniz afirma que acabará o uso do papel e o pagamento em dinheiro nas áreas públicas de estacionamento. Explica que caberá à prefeitura definir como será a operacionalização. Uma das hipóteses é criar um aplicativo, como acontece na Zona Sul de Niterói desde 2019. Outra seria implantar um sistema com parquímetros, como foi feito em São Paulo. Em ambos, os pagamentos devem ser feitos por meios eletrônicos: Pix ou cartões de crédito e de débito. A lei também permite a criação de pontos de venda, mas nada de dinheiro nas mãos de guardadores.
— Nosso objetivo é dar fim à atuação irregular de flanelinhas nas ruas da cidade, acabar com a extorsão praticada por falsos guardadores, que cobram valores abusivos e chegam a ameaçar motoristas em diversas regiões da cidade. Muitas vezes, estacionar em um local custa um valor durante o dia, mas em dias de eventos, shows ou grandes movimentações, esse preço é multiplicado, chegando a ser até 50 vezes maior.
Como houve vetos por parte de Paes, eles terão que ser analisados pelos vereadores em 15 dias. Só, então, é que a lei será regulamentada pela prefeitura em até 30 dias.
Muito a definir
A prefeitura informa que “agora serão iniciados os estudos para que seja desenvolvida a modelagem do projeto”. A lei aprovada permite que o município administre diretamente o novo sistema ou possa concedê-lo à iniciativa privada. A implantação também pode ser progressiva, por trechos da cidade. Caberá ainda à prefeitura fixar o valor das tarifas. Diniz espera que ainda no primeiro semestre de 2026 o sistema esteja funcionando.
Quanto à fiscalização, o projeto permite o uso de softwares de leitura de placa para identificar se o motorista pagou ou não pela vaga. Se não pagou, o software acusa, e o proprietário do veículo pode ser multado. Pela lei, os atuais guardadores regulares podem ser aproveitados no trabalho de fiscalização.
Para o novo sistema dar certo, o chefe do Departamento de Engenharia de Transportes da Uerj, Leandro Vaz, considera necessário ter uma fiscalização eficiente:
— Talvez funcione muito bem na Zona Sul, em alguns locais de praia ou em pontos turísticos. É preciso que seja estabelecido um ciclo de fiscalização que acompanhe quem pagou e não pagou, se o serviço está funcionando e que iniba a ação de flanelinhas. O flanelinha está enraizado nos locais, e tem também a questão do medo de que ele danifique o veículo.
Para Victor Hugo Abreu, especialista em planejamento em transporte urbano e professor da Politécnica-UFRJ, o novo sistema tem potencial para melhorar a gestão das vagas públicas no Rio, mas seu sucesso dependerá de alguns fatores essenciais:
— O modelo digital tende a reduzir fraudes, aumentar a rotatividade de veículos e facilitar a fiscalização, já que o controle passa a ser feito por meio de aplicativos e sistemas integrados, eliminando boa parte das ineficiências do formato tradicional. No entanto, será fundamental garantir três condições: infraestrutura tecnológica estável e de fácil acesso ao usuário; fiscalização contínua, com capacidade real de autuar irregularidades; e comunicação clara à população, tanto sobre as regras quanto sobre as formas de pagamento.
Segundo ele, em Cabo Frio e Arraial do Cabo, na Região dos Lagos, há sistemas consistentes de estacionamento rotativo digital.
Na Zona Sul de Niterói, desde 2019 o motorista baixa um aplicativo e cadastra seu veículo e a forma de pagamento, como cartão de crédito. Ao parar numa vaga, o mapa do aplicativo mostra onde o motorista está. O usuário, então, confirma a localização, escolhe o período de tempo de estacionamento e realiza a compra do tíquete. As vagas custam R$ 4 por duas horas. Quando o tempo estiver próximo de estourar, o aplicativo avisa, e o motorista pode renovar à distância.
Já os motoristas que circulam pelo Rio se dividem entre a desconfiança de que o futuro sistema será efetivo de fato e a esperança de que será uma boa solução contra a desorganização que hoje existe na cobrança das vagas.
Preços extorsivos
A médica Paula Tatagiba, de 28 anos, que costuma estacionar na orla da Zona Sul, como na Avenida Atlântica, na altura de Copacabana, e em São Conrado, para aproveitar a praia e praticar futevôlei, acredita que a cobrança eletrônica funcionará contra a variação indiscriminada dos preços.
— Já fui cobrada R$ 20 reais por uma hora. Tem dia que é R$ 30, tem dia que é R$ 10, feriado é mais caro… Quando tem o talão, além de você pagar o tíquete (R$ 2), os flanelinhas pedem uma quantia a mais. Você se sente coagido e acaba pagando. Mas já houve uma ocasião em que eu me recusei a pagar o valor extorsivo cobrado e, quando voltei, o pneu do meu carro estava furado. Acho que o sistema eletrônico vai diminuir essa situação de intimidação. — opina.
Para o motorista de aplicativo Jorge Júnior, de 52 anos, que estava parado numa vaga na Rua Gustavo Sampaio, no Leme, na tarde de quarta-feira, e circula muito pelo Centro do Rio, o sistema não será respeitado.
— É um sistema que, para o brasileiro e, principalmente, o carioca, não vai funcionar. O flanelinha vai continuar cobrando o valor que quer. No Centro do Rio, por exemplo, eles se sentem os donos das ruas, como acontece na Sete de Setembro e na Buenos Aires. Eles fecham as vias, e você só pode estacionar se eles deixarem. Um rapaz já me proibiu de estacionar, dizendo que a vaga era dele e que ele tinha outro veículo para colocar no lugar. Tem lugar em que o motorista paga R$ 30 pela diária, e você que quer estacionar meia hora, uma hora, pagando R$ 2, não pode — reclama. — Acho que vai ser um desperdício de dinheiro da prefeitura com a instalação desse sistema.
O motorista José Carlos Nunes, de 28 anos, que ontem ocupava uma das vagas no entorno do Jardim de Alah, no Leblon, enxerga como positiva a medida, porque “vai acabar com a interação direta com o flanelinha”.
— O sistema eletrônico é uma alternativa bem legal, porque evita a extorsão dos flanelinhas. Principalmente em dias de jogos de futebol e grandes eventos e em pontos turísticos, sempre tem um abordando. Primeiro eles observam. Se virem que a pessoa vai dar uma brecha, eles chegam cobrando R$ 50, R$ 60. Tem uns que realmente são cadastrados pela prefeitura, usam talão e cobram um valor simbólico, que não vai fazer falta. Mas tem outros que querem extorquir. E fica uma situação muito chata — observa.
Reclamações à prefeitura
Dados da Central 1746 revelam que reclamações sobre estacionamento irregular de veículos lideram as denúncias ao serviço, chegando a 138.168 entre primeiro de janeiro e 30 de setembro deste ano, o equivalente a 20% do total de queixas. É um aumento de 15% com relação ao mesmo período de 2024, quando foram 120.249 queixas.
A Zona Sul é a que tem mais reclamações sobre estacionamento este ano: 32.571. O 1746 tem também pedidos de fiscalização da atuação de guardadores: 805 de janeiro a setembro de 2025.
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