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Medida que permite reprovação em até metade das matérias na rede estadual do Rio é criticada por especialistas em educação e estudantes
A iniciativa, segundo secretária de educação, tem por objetivo tentar erradicar a evasão escolar, de cerca de 10%, e que é maior na primeira série
Já a partir deste ano, os 515 mil alunos de ensino médio matriculados na rede estadual do Rio poderão passar para a série seguinte se forem reprovados em até seis disciplinas, desde que cumpram um regime de recuperação especial paralela, a ser definida pelos colégios. A medida consta da Política Extraordinária Excepcional de Progressão Parcial, criada por decreto, assinado pelo governador Cláudio Castro, e regulamentada por resolução da secretária estadual de Educação, Roberta Barreto.
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A iniciativa, segundo Roberta Barreto, tem por objetivo tentar erradicar a evasão escolar, de cerca de 10%, e que é maior na primeira série. Especialistas, entidades e estudantes, no entanto, criticam a decisão, que, nos primeiros anos do ensino médio, triplica o número de dependências permitidas até então (duas). A dependência é um sistema em que o aluno reprovado em uma ou mais disciplinas pode fazer uma recuperação em paralelo no ano seguinte.
Pela resolução, a partir de agora, os alunos do primeiro e do segundo ano poderão ficar em até seis dependências, o equivalente à metade das disciplinas cursadas (12, em média, dependendo da grade). No terceiro ano, o estudante poderá ser reprovado em até três matérias. Em todos os casos, ele terá até o fim do primeiro trimestre do ano seguinte para concluir o que ficou pendente. Mas se, ainda assim, o seu desempenho continuar insuficiente, diz a secretária, será dado um prazo limite de mais 60 dias.
Em outros estados
A secretária argumenta que a progressão parcial está sendo adotada em quase todos os estados, a exceção de Sergipe e Espírito Santo.
— No Rio, o ensino médio ainda tem os maiores índices de evasão. Fizemos muitos estudos e percebemos que o número de disciplinas em dependência para o ano seguinte pode interferir nesse direito de o aluno querer continuar na escola. Então, precisamos garantir ao nosso jovem a mesma oportunidade oferecida em outros estados brasileiros, para que ele permaneça na escola e avance em seus estudos — afirma Roberta Barreto.
Para Claudia Costin, presidente do Instituto Equidade.Info, da Universidade de Stanford, nos EUA, e ex-diretora global de Educação do Banco Mundial, é importante evitar a reprovação a fim de inibir a evasão. Mas, ressalta ela, a questão é como a medida é implantada:
— Estados brasileiros estão adotando esse sistema de deixar o aluno em dependência. Só que isso está condicionado ao número de disciplinas e de como esse aluno vai fazer a dependência. Achei muito solto o sistema do Rio, deixando com cada escola a tarefa de ver como é que isso vai ser feito. Temos que pensar em rede. E achei um número excessivo de disciplinas. O Rio Grande do Sul, por exemplo, estabeleceu o máximo de quatro.
Costin cita ainda o Piauí. Ela destaca que o estado mais pobre da federação, ao mesmo tempo em que implementou a progressão parcial, tem toda a sua rede de ensino médio funcionando em tempo integral, enquanto nos colégios do Rio os alunos estudam, em média, cinco horas por dia:
— Nós não podemos levar mais tempo para fugir do que precisa ser feito. A maior parte das escolas de ensino médio de Paraíba, Ceará, Pernambuco e Espírito Santo também funciona em tempo integral. O Rio é o segundo PIB estadual do país. Não tem desculpa para não levar a educação bem mais a sério.
Já a coordenadora-geral do Sindicato estadual dos Profissionais de Educação do estado (Sepe-RJ), Helenita Beserra, afirma que o objetivo da decisão do estado é aumentar a nota do Rio no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). No último índice, de 2023, divulgado em agosto do ano passado, o Rio era o penúltimo colocado no país, com nota 3,3, só perdendo para o Rio Grande do Norte.
— Essa medida está no bojo de outras que fazem parte de uma política de desmonte do conhecimento do aluno para aumentar o Ideb — diz ela, citando ainda a nova gratificação de R$ 3 mil para os professores que conseguirem aprovar entre 92% e 97% dos alunos (varia conforme a série). — Para disfarçar o Ideb, estão tirando do aluno o direito de aprender.
Professor titular da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador-geral do Fórum Estadual de Educação do Rio, Waldeck Carneiro lembra que o Ideb — medido a cada dois anos — leva em conta tanto a aprovação quanto a nota dos alunos no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
— Com a aprovação automática, não estão enfrentando estruturalmente o problema da evasão. Não houve diálogo com as escolas, nem o Conselho Estadual de Educação foi consultado sobre a medida que interfere no cotidiano escolar e tem problemas de concepção e de método. Não se trata de cultuar a repetência. O que não se pode é negar ao aluno o direito ao conhecimento — afirma.
Programas de apoio
Rodrigo Travitzki, professor da Faculdade de Educação da Unicamp, por sua vez, considera a decisão do Rio uma “medida desesperada para maquiar um cenário que só vem piorando nas escolas estaduais fluminenses desde 2019, quando as notas do Ideb deixaram de subir – mesmo que lentamente – e começaram a cair”.
— Se o objetivo do decreto fosse reduzir a evasão escolar no ensino médio, seriam necessárias medidas minimamente estruturais e duradouras para manter os jovens na escola, como programas de apoio para o acesso e permanência, busca ativa, além da própria atratividade do ensino médio, que é uma questão mais complexa. Mas o decreto não foca na evasão (que ocorre quando o estudante deixa de se matricular no ano seguinte) e sim na aprovação, que é justamente um dos componentes do Ideb — acrescenta.
Além disso, para o professor, especialista em ensino médio, a série histórica do Ideb da rede estadual do Rio de Janeiro revela um fato curioso: uma rápida “melhora” em 2021, que não se manteve em 2023.
—Quando olhamos o Ideb de perto, separando os componentes, notamos que as notas diminuíram e que, portanto, essa “melhora” temporária foi puxada exclusivamente pela taxa de aprovação, que aumentou drasticamente em 2021, o ano em que o atual governador assumiu o cargo, do qual já era vice. O que teria levado a este rápido aumento na taxa de aprovação do Rio de Janeiro em 2021? Será que o governo estadual quer repetir o “sucesso” de 2021 em 2025, com nova estratégia? — questiona.
Bola de neve
A também educadora Andrea Ramal considera positivo buscar alternativas que evitem a evasão escolar, assinalando que muitas vezes o fenômeno é consequência da repetência, à medida que o aluno começa a se sentir mais velho do que deveria para cursar uma determinada série. Mas ela cita que a aprovação sem que o aluno obtenha conceito suficiente em todas as disciplinas é mais usada com crianças pequenos, em idade de alfabetização.
— Quando o aluno chega no ensino médio com tantas lacunas, em geral não é porque não aprendeu algo naquele ano. Isso é resultado de uma bola de neve de não aprendizados que se deram ao longo de toda a sua vida escolar. E você pode acabar gerando uma dupla frustração ao aprová-lo. Ele vai ficar muito sobrecarregado no ano seguinte, tendo que estudar todas as 12 matérias do currículo e mais aquelas seis que está devendo. Os professores também vão ficar sobrecarregados, porque vão ter na sala de aula alunos que não dominam tudo o que deveriam e que podem atrapalhar o rendimento total da turma.
Ramal prossegue dizendo que a dependência é um sistema que existe inclusive em escolas particulares, mas como exceção, para poucas matérias. Ela chama a atenção ainda para o risco de levar para o ensino superior — hoje com maior facilidade de acesso — alunos sem base:
— Vemos alunos que acabam largando a faculdade nos primeiros anos. Metade dos que fazem engenharia não conseguem concluir o segundo ano. Como alguém vai passar em cálculo dois, por exemplo, se não tem a base de matemática, que é essencial. Esse sentimento de exclusão acaba acontecendo em algum momento. A escola tem que ser repensada tentando encontrar estratégias que não façam o aluno correr esse risco.
Estudantes divididos
Em nota, a secretaria nega que a iniciativa tenha foco no Ideb. “Trata-se de uma medida socioeducacional, fortalecendo a escola como portal de transformação e de conhecimento de toda a comunidade”, diz a pasta.
O fato é que a mudança nas regras já corre de boca em boca nos colégios. O estudante Bryan Andrei da Silva, de 18 anos, matriculado no Colégio Estadual Visconde de Cairu, no Méier, na Zona Norte, está há três anos no primeiro ano do ensino médio. Ele confessa que nunca foi muito aplicado, mas desta vez está com foco nos estudos e já conseguiu nota suficiente para passar em praticamente todas as disciplinas. Falta só Biologia.
Talvez o jovem tivesse avançado se pudesse contar com a dependência em até seis disciplinas. Mesmo assim, ele é contra a “ajudinha”:
— É uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo que dá oportunidade para quem não está indo bem nos estudos, como era meu caso, pode fazer com que o aluno relaxe e não leve os estudos muito a sério porque sabe que não será reprovado e poderá recuperar depois.
O colégio onde Bryan estuda é um dos que mais reprovam: em 2023, cerca de 40%, o dobro da média da rede para o 1º ano (20%). Outros alunos da mesma escola são contra o novo sistema. Além de acharem que vai premiar quem não se esforça, acreditam que os reprovados serão sobrecarregados no ano seguinte, quando tiverem de cumprir a recuperação especial.
— Pode parecer bom à primeira vista, mas vai sobrecarregar o aluno reprovado no ano seguinte. Para quem trabalha ou faz curso extracurricular vai ficar puxado, sem contar que quem não merece é premiado — critica um aluno de 17 anos, do terceiro ano.
Mas há quem aprove, como outra estudante de 17 anos, que acha que a medida pode reduzir a evasão:
— Tem gente que acaba desistindo de estudar por conta das reprovações.
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