RJ em Foco
Quando o tambor encontra o beat: 'baladas de macumba' ganham a cena em bares e festas do Rio
Festas que reproduzem ritmos afro-brasileiros lotam e reúnem jovens, DJs, produtores e até quem nunca pisou num terreiro
Nas madrugadas do Rio, há uma batida que não vem dos subwoofers — um tipo de alto falante —, nem das caixas de som importadas. Vem de muito antes: das casas de santo e dos toques de Angola, Ketu, Jêje, Umbanda e Omolokô. Mas ressurge remixada, filtrada, acelerada e, sobretudo, compartilhada. É o movimento das “festas de macumba” e baladas que transformam pontos cantados e cantigas ancestrais em trilhas dançantes de trap, funk, charme e eletrônico, criando um circuito que reúne gente da religião, curiosos, jovens, DJs, produtores e até quem nunca pisou num terreiro.
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O termo “macumba”, antes usado como xingamento, é agora ressignificado em flyer, neon e outdoor digital. E as pistas, lotadas, se tornaram trincheiras luminosas contra o preconceito. O fenômeno não nasce de um racha entre o sagrado e o profano. Ao contrário: a maioria dos produtores e DJs garante que nada ali é cópia dos terreiros, nem tentativa de simular ritual.
“A gente não reproduz toque. Trabalhamos com a energia estética da ancestralidade, não com fundamento religioso”, descrevem produtores das principais festas do circuito como ‘Festa Axé’, ‘Awuree’ e ‘Rastro de Cobra’. Essa diferença é nítida para quem é do axé. Um toque de Angola tem função litúrgica; um beat inspirado em Angola é música de festa — e a fronteira, dizem os organizadores, é sempre respeitada.
Mesmo assim, as festas se tornaram um território de pertencimento para jovens que, muitas vezes, sofrem racismo religioso dentro e fora da escola, nos transportes, no trabalho e até em casa.
— Venho de família católica. Quando percebi que as músicas de terreiro estavam tocando nas festas que eu frequentava, fiquei chocada, mas depois eu amei. O som e o batuque são realmente envolventes — diz a estudante de psicologia Heloísa Santos, de 23 anos, moradora de Copacabana.
Se antes os símbolos das religiões afro-brasileiras eram escondidos sob a camisa, agora viraram moda. As roupas vermelhas e pretas, os colares, as estampas de pontos cantados e a estética das casas de santo viraram referências nas festas.
— O pessoal chega com orgulho. É uma estética que estava represada e que, agora, tem espaço para brilhar — diz Bieta DJ.
Estudante de veterinária, Analice Macedo, de 23 anos, entrou na onda:
— Não sou da religião, mas adoro dançar e cantar as músicas de ponto em diferentes ritmos. Acho que isso é uma forma de tornar a cultura afro mais universal.
Precursora do movimento
Muito dessa cena que hoje explode nas pistas tem raízes profundas. E, para quem organiza ou toca nessas festas, um nome é consenso absoluto: Rita Benneditto.
Com o projeto Tecnomacumba, criado no início dos anos 2000, a artista abriu caminho para que estéticas do candomblé e da umbanda dialogassem com eletrônica, pop e percussões contemporâneas. Quando não se falava em “festas de macumba”, Rita já lotava casas de show, misturando cânticos tradicionais, tambores, sintetizadores e narrativa cênica.
— Quando comecei o Tecnomacumba, muita gente não entendia. Mas eu sabia que aquela música tinha força para estar em qualquer palco — lembra a artista.
Para produtores da nova geração, ela não é apenas referência: é fundação. Sem Rita, dizem, não haveria o movimento atual.
— Não é sobre reproduzir o sagrado. É sobre celebrar a memória, a cultura e a beleza dos cantos que atravessam gerações — afirma a cantora.
A discussão sobre os limites entre pista e sagrado aparece com força entre os líderes religiosos das tradições afro-brasileiras, que veem o crescimento das festas com interesse — e cautela. Para o babalorixá Ivanir dos Santos, o fenômeno não é apenas compreensível, mas parte de um movimento histórico das tradições que nasceram nos terreiros e, com o tempo, se projetaram para fora deles.
— Acho interessante. Na religião temos Awô (“mistério sagrado” em iorubá), seria o segredo, que é a música de fundamento. Outra coisa são as músicas públicas. Na umbanda antiga, quem fazia o ponto eram as entidades. O samba, por exemplo, também era um ritmo de dentro das casas de candomblé que depois ganhou o mundo. É o mesmo fenômeno que está acontecendo agora — defendeu Ivanir.
O pai de santo Márcio Osaoguián compartilha da mesma visão. Para ele, há espaço para a estética, a memória e o diálogo com a juventude, desde que “não se banalize o ritual”:
— O samba faz isso há décadas, com muito respeito. Mas tem que ser feito por quem tem conhecimento e preparo. Não pode expor o que é sagrado.
Já o jovem Jonathan de Oliveira, 27 anos, confidencia que a “música de macumba” não mais se restringe aos ritos solenes da fé. Mas desfila em novos ritmos, misturando-se ao charme e ao R&B. Ele, que é eletricista, mas atua como produtor por hobby, nota que essa popularização maciça não se dá só pelo ouvido, mas por uma súbita atração pela beleza que emana da festa:
— Além das músicas, a dança vem sendo exaltada.
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