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Símbolo de progresso, Avenida Rio Branco chega aos 120 anos: bondes foram trocados por VLT, e as fachadas de 'Paris' por edifícios modernos
Abertura da antiga Avenida Central, nome original da via, foi marcada por profunda transformação do Centro da cidade com a demolição de centenas de imóveis
A inauguração foi debaixo de chuva forte. Era inadiável. A data fora escolhida a dedo para coincidir com o dia em que se comemorava a proclamação da ainda jovem República brasileira. Naquela quarta-feira, dia 15 de novembro de 1905, a Avenida Central foi aberta ao tráfego com a missão de se tornar símbolo da entrada do Rio na acelerada rota da modernidade tal como entendida no início do século XX. Aberta sob signo do progresso, a via logo foi rebatizada, em 1912, em homenagem ao Barão do Rio Branco, quatro dias após a morte do famoso diplomata. Foi a primeira das muitas transformações vividas pela Avenida Rio Branco ao longo dos seus 120 anos completados ontem.
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No seu centésimo vigésimo aniversário, a via guarda poucos resquícios da época de sua abertura além do traçado original. Dos 86 prédios construídos sob medida para dar ao Rio ares parisienses, por meio de concurso para a escolha das fachadas, sobraram apenas dez para contar história. Os bondes deram lugar ao VLT. Dos 1.800 metros da grande reta que une a Praça Mauá à Avenida Beira-Mar, 600 passaram a ser exclusivos para pedestres e ciclistas. As mudas de pau-brasil plantadas na época da inauguração não vingaram, mas há centenas de árvores frondosas de lado a lado garantindo algum charme à caminhada em meio aos imensos edifícios de estilo moderno ou pós-moderno que passaram a dominar a paisagem desde a segunda metade do século passado.
Ares de Paris
Nas calçadas, ambulantes ocupam a frente das muitas lojas fechadas: sintoma do período da pandemia de Covid-19.
— A avenida foi criada para ser um símbolo do progresso do regime republicano. Representava a superação do passado português e monárquico da cidade. Agora, o engraçado é que um jornal fez um concurso para saber qual deveria ser o nome da avenida e o que ganhou disparado foi Avenida Dom Pedro II— conta André Nunes de Azevedo, autor do livro “A Grande Reforma Urbana do Rio de Janeiro”, ressaltando que o resultado, claro, foi recebido com desgosto e solenemente ignorado.
Na concepção dos idealizadores da avenida, era preciso que o progresso chegasse de mãos dadas com a beleza. A inspiração era a Paris surgida das reformas promovidas por Georges-Eugène Haussmann na capital francesa lá pela segunda metade do século XIX. A ideia era fazer da via um cartão-postal. Literalmente. Muitos chegaram a ser produzidos tendo como cenário os prédios pioneiros, inspirados no gosto eclético da Belle Époque parisiense.
O padrão Haussmann, aliás, foi seguido à risca por aqui. Incluindo a demolição de antigos casarões e cortiços sem que fosse oferecida alternativa digna e viável para seus moradores, na maioria gente humilde. Não à toa, a grande reforma da cidade conduzida pelo prefeito Pereira Passos, acompanhada de bem perto pelo presidente Rodrigues Alves, foi apelidada de “bota-abaixo” (1902-1906). Foram centenas de imóveis destruídos e milhares de pessoas deslocadas de suas moradias.
Embora a Avenida Rio Branco esteja inserida neste contexto reformador, o escritor André Azevedo, que também é professor de História da Uerj, faz uma distinção importante e observa que, no caso da via, a maior parte dos imóveis desapropriados e demolidos pertencia a pessoas com posses:
— A ideia de que a Avenida Central foi aberta para expulsar pobres não corresponde aos fatos. Onde ela foi construída, no distrito da Candelária, só morava rico e e gente de altas camadas médias urbanas. As desapropriações atingiram propriedades ricas, e não cortiços. Agora, a grande reforma urbana, no conjunto, sim, afetou áreas populares, especialmente na zona portuária e no distrito de Santa Rita que hoje é Gamboa, Saúde... Lá, havia cortiços e casas de cômodos, e muita gente foi removida. Mas a Avenida Central, em si, foi aberta sobre terrenos da elite.
Na parte final do álbum que documenta as edificações originais da avenida — com os desenhos vencedores do concurso de fachadas feitos por seus projetistas ao lado de fotos dos prédios já prontos a cargo de Marc Ferrez —há planilhas detalhadas com os dados de cada um dos imóveis destruídos para a abertura da via, seus proprietários e os valores pagos como indenização. O resumo indica que 512 locatários foram indenizados em 29 ruas que estavam no caminho. O traçado original, que cortava a antiga cidade remanescente do período colonial e do Império, aliás, já havia sido desenhado muito antes, ainda no tempo do Império, pelo próprio Pereira Passos.
— O traçado original foi pensado pelo Pereira Passos, sim, mas em 1876, quando o imperador Dom Pedro II pediu uma grande reforma urbana que acabou não sendo feita. Já a abertura da avenida em si foi uma obra federal do presidente Rodrigues Alves, com coordenação do seu ministro da Viação, Indústria e Comércio, Lauro Müller, e apoio do Clube de Engenharia tendo Paulo de Frontin à frente — esclarece Azevedo.
Espaços vazios
Não demorou para a nova avenida assumir a vocação que seu próprio nome evocava: a de centralidade na vida do Rio. Passear na Avenida Central era programa dos mais requintados. Por ela passou também boa parte da História do país: de memoráveis manifestações políticas ao desfile de blocos e escolas de samba do carnaval carioca.
— Num determinado momento houve a compra de filmes de época para o Arquivo Geral da Cidade, que hoje em dia estão na Cinemateca Brasileira. Um desses filmes era o enterro de Paulo de Frontin (1933) e a gente vê a Rio Branco em movimento, muito interessante, os carros trafegando nas duas direções. Sobraram poucos filmes daquela época — diz a historiadora Beatriz Kushnir, diretora da Associação Nacional de História no Rio (Anpuh-Rio).
A Rio Branco é um espelho da cidade com tudo o que ela tem de mais belo e, por vezes, caótico. Nos últimos anos, se tornou também reflexo do esvaziamento do Centro.
— Apesar das iniciativas para revitalização do bairro, a avenida ainda tem muitos imóveis vazios. O principal motivo é o aumento dos custos, especialmente IPTU e condomínio, que subiu muito por causa da mudança na cobrança da conta de água — explica Cláudio Castro, diretor da Sérgio Castro Imóveis. — A nossa empresa alugou 73 lojas no Centro este ano. Mas há um detalhe importante: quase nenhuma das antigas lojas de banco, que são justamente os grandes espaços vazios hoje na Rio Branco, está na lista.
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