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Depois do Flamengo, Praia da Bica deve voltar a ficar limpa no verão de 2027
Programa que devolveu vida à Praia do Flamengo, na Zona Sul, está sendo levado para outro trecho da Baía de Guanabara
Após décadas em que o mar faz somente o papel de parte da paisagem na Praia da Bica, na Ilha do Governador, Zona Norte do Rio, o local deve voltar a ser ponto de mergulho dos moradores insulanos. Isso porque o programa que devolveu vida à Praia do Flamengo, na Zona Sul, está sendo levado para esse outro trecho da Baía de Guanabara. A promessa é que, no verão 2027, o espaço volte a receber banhistas após mais de quatro décadas de poluição. As praias da Guanabara e da Engenhoca também devem ser beneficiadas.
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Moradora da Ilha há 61 anos, Cláudia Simões lembra que na infância era comum a família aproveitar o fim de semana na Bica. Foi lá, inclusive, que aprendeu a nadar. Queria que os filhos de 19 e 27 anos tivessem tido a mesma experiência. Sua esperança agora é aproveitar com o neto, de 2 anos.
— Moro a vida inteira na Ilha e sei como é bom ter uma praia limpa perto de casa. Aprendi a nadar na Bica. Não pude ensinar meus filhos, mas espero levar meu neto para o mar — disse a aposentada.
A nostalgia também toma Sheila Jesus, de 50 anos, nascida e criada na região. Hoje desfruta apenas do que restou da praia:
— A última vez que entrei no mar foi na infância. Hoje corro pela praia e admiro o cenário, mas sempre penso se um dia voltarei a ver crianças brincando no mar.
Zona Norte:
As praias da Ilha do Governador foram balneários da Zona Norte muito frequentados por moradores e visitantes até o início dos anos 1970. Um grande baque ocorreu em março de 1975, com o vazamento de 20 mil toneladas de óleo do petroleiro iraquiano Tarik Ibn Ziyad na região. Depois, o despejo de esgoto irregular e de lixo só agravaram a situação.
Em 1983, uma imagem registrou banhistas já nas águas tomadas pelo lixo. A situação piorou com o desastre de 18 de janeiro de 2000, considerado a maior tragédia da história da Baía de Guanabara. Na época, 1,3 milhão de litros de óleo vazou de um duto da Petrobras que ligava a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) ao Terminal Ilha D’Água afetando cerca de 40% da vida marinha. Nos últimos 25 anos, o mar foi ainda mais maltratado pelo lançamento de esgoto.
O avanço das obras reacende a esperança de moradores como a enfermeira Cátia do Amaral, no bairro há 20 anos:
— Os antigos contam que já foi possível nadar aqui. Seria incrível, mas ainda tenho dúvidas.
Processo de recuperação
Segundo Sinval Andrade, diretor institucional da Águas do Rio — concessionária que assumiu o serviço antes feito pela Cedae —, obras de interceptação de esgoto, a reforma da Estação de Tratamento da Ilha (Etig) e a posição privilegiada da Bica devem trazer bons resultados no segundo semestre de 2026. Inaugurada em 1969, a estação está sendo modernizada desde 2023 para dobrar sua capacidade, podendo chegar a algo próximo de 440 litros tratados por segundo.
O projeto prevê melhorias em todas as etapas do processo do tratamento do esgoto, afirma a empresa, com a instalação de grades automatizadas, a reforma dos decantadores e a troca de aeradores e da centrífuga. O objetivo é captar e levar para a Etig o esgoto jogado irregularmente na baía.
— Dividimos nosso plano em duas frentes. Buscamos coletar todo o esgoto que estava sendo despejado indevidamente, por meio do sistema de coleta em tempo seco, e encaminhá-lo à estação de tratamento. Ao mesmo tempo em que veio a reforma total da Etig — explicou Sinval Andrade.
As ações da empresa começaram com a eliminação de ligações clandestinas: 249 foram desativadas, e mais de duas mil desobstruções realizadas. Ainda serão criados cinco novos pontos de coleta na Praia de São Bento, na Portuguesa, no Corredor Esportivo e no Jardim Guanabara. Assim, 4,9 milhões de litros de água contaminada deixarão de poluir a baía, o equivalente a duas piscinas olímpicas por dia. O investimento é de aproximadamente R$ 11,4 milhões.
— Nossa projeção é otimista: até o fim de 2026, as três praias devem ficar próprias para banho — afirmou Fábio Dias, diretor-executivo da concessionária.
Boletins do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) reforçam a tendência. Entre janeiro e setembro deste ano, a Praia da Bica foi considerada própria para banho em 40% das medições — quase o dobro de 2024. O órgão explica que a classificação de balneabilidade segue os critérios do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e que as coletas poderão ser intensificadas conforme a melhora da qualidade da água.
Além do lazer, a recuperação trará benefícios aos ecossistemas locais.
— A melhora da água devolve saúde à fauna marinha. Tartarugas, peixes e camarões voltam a prosperar — afirmou Ricardo Gomes, do Instituto Mar Aberto.
Sinal de alerta
O oceanógrafo Luciano Neves, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), explica por que a Praia da Bica tem uma posição privilegiada, o que pode fazê-la ser a primeira da Ilha do Governador a apresentar resultados positivos de balneabilidade, depois de décadas.
— A Praia da Bica está voltada para o canal principal da Baía de Guanabara. Começando na boca da baía, entre o Rio de Janeiro e Niterói, e indo até Paquetá, esse canal é responsável por fazer circular a maior parte da água oceânica de boa qualidade — explicou o especialista.
Neves, porém, alerta que a recuperação precisa ser sustentada por ações contínuas de saneamento e pelo engajamento da população. Sérgio Ricardo Barros, fundador da ONG Movimento Baía Viva, faz coro e acrescenta que “não há despoluição isolada”.
— Não acredito em praia na Ilha do Governador despoluída isoladamente, sem que haja saneamento da bacia hidrográfica. É preciso tratar os rios Jequiá, Meriti, Sarapuí e Iguaçu, que deságuam na região da Ilha. A recuperação depende de um esforço coletivo — concluiu.
Em nota, a Águas do Rio informou que já iniciou o trabalho de saneamento básico na Baixada Fluminense, enquanto o governo do estado divulgou que executa o Programa de Saneamento Ambiental (Psam), com ações em municípios do entorno da Baía de Guanabara.
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