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Creches ligadas a vereadora são alvo de operação e receberam R$ 64 milhões em repasses

Estabelecimentos na Zona Oeste, investigados pela Polícia Civil, oferecem 2.660 vagas em convênio com a prefeitura e recebem R$ 780 por mês por criança atendida

Agência O Globo - 05/11/2025
Creches ligadas a vereadora são alvo de operação e receberam R$ 64 milhões em repasses
- Foto: Reprodução / Agência Brasil

Um esquema de desvio de verba pública destinada a creches na Zona Oeste do Rio de Janeiro, ligadas a uma vereadora, está sob investigação. Segundo apuração da Delegacia de Defraudações, duas unidades conveniadas à Prefeitura do Rio, com um total de 2.660 vagas, apresentavam prestações de contas com notas fiscais frias emitidas por empresas fantasmas. Essas empresas seriam controladas por parentes ou aliados políticos da parlamentar, que não compareceu ao plenário da Câmara Municipal na data de ontem.

De acordo com a delegada Josy Lima Leal Ribeiro, titular da Delegacia de Defraudações, "durante as investigações, ouvimos uma série de testemunhas, incluindo ex-funcionários. Fizemos buscas em endereços de empresas apresentadas como fornecedoras e confirmamos que realmente não existem, são fantasmas. Não temos como confirmar o valor total que teria sido desviado porque ainda não somamos as quantias de todas as notas frias".

A Secretaria Municipal de Educação repassa R$ 780 por mês para cada criança atendida nessas unidades. Desde 2019, os repasses já ultrapassaram R$ 64 milhões. Todos os contratos entre a prefeitura e as duas creches expiram no próximo dia 30, mas a parceria prevê que o atendimento seja mantido até o fim do ano. Em um dos convênios, referente a uma unidade em Guaratiba, a direção da Creche Comunitária Deus é Fiel negociava a prorrogação do contrato por mais um ano.

O município informou que todos os dados relativos aos pagamentos foram enviados a órgãos de controle internos e externos. Destacou ainda que, conforme o que for apurado, serão tomadas as providências cabíveis.

Por meio de nota, a vereadora negou qualquer responsabilidade: "Trabalhei na Creche Comunitária Deus é Fiel como diretora pedagógica até março de 2024, não tendo jamais exercido qualquer função de direção financeira, não sendo responsável por contratações de prestadores de serviço e prestações de contas e ou pagamentos, tendo sempre atuado na área de gerenciamento pedagógico da instituição".

Na terça-feira, mandados de busca e apreensão foram cumpridos em endereços ligados à parlamentar. Segundo a polícia, as investigações prosseguem para identificar todos os beneficiários e responsáveis pela movimentação irregular dos recursos, além de possíveis servidores públicos que possam ter colaborado com as fraudes. Os primeiros convênios com as creches datam de 2019, durante a gestão do então prefeito Marcelo Crivella.

Os contratos da entidade com a Prefeitura do Rio também estão sob análise do Tribunal de Contas do Município (TCM), após denúncia do vereador Pedro Duarte (Novo), que questionou o volume de gastos e despesas com manutenção de câmeras, serviços gráficos, compra de grama sintética, entre outros itens. O relatório deve ser finalizado para análise em plenário em até um mês.

Em maio, reportagem do RJ2, da TV Globo, já havia revelado uma série de irregularidades nas relações dessas creches com fornecedores. Uma das empresas fantasmas citadas era uma padaria. No endereço registrado na Receita Federal, localizado em Santa Cruz, moradores afirmaram desconhecer a existência do estabelecimento. Segundo a reportagem, a padaria pertenceria à filha da vereadora, que teria recebido R$ 97 mil da creche entre 2022 e 2023.

Outras empresas envolvidas incluem a Santos Júnior Confecção e Costura, de um parente do marido da vereadora, que recebeu R$ 123,8 mil para confeccionar roupas de balé, apesar de o endereço ser uma residência em Sepetiba. Já a Coutinho Confecções, de um cabo eleitoral da parlamentar, recebeu R$ 475,6 mil das creches para fabricar uniformes.