Política

Sob pressão do Planalto, diretor da Abin participa de sessão secreta do Congresso

Luiz Fernando Corrêa será ouvido cinco dias após operação da PF sobre uso de programa espião

Agência O Globo - GLOBO 25/10/2023
Sob pressão do Planalto, diretor da Abin participa de sessão secreta do Congresso
Congresso - Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Pressionado pela operação realizada na semana passada pela Polícia Federal para investigar o uso de um programa secreto de espionagem, o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Luiz Fernando Corrêa, será ouvido nesta quarta-feira pela Comissão Mista de Atividades de Inteligência (CCAI) do Congresso.

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Corrêa atendeu a um convite do presidente da comissão, Paulo Alexandre Barbosa (PSDB-SP), feito depois que a operação Última Milha foi deflagrada. As sessões da CCAI são secretas.

Apesar de a compra e o uso do programa não ter ocorrido na sua gestão, o caso gerou pressão para o diretor-geral da Abin por causa do envolvimento do número 3 da agência, Maurício Fortunato Pinto, que ocupava o cargo de secretário de Planejamento e Gestão. Ele foi exonerado nesta terça-feira.

A avaliação no governo é que o Corrêa enfrenta algum desgaste por ter sido o responsável pela nomeação de Fortunato, mas o entendimento é que ele não está com o cargo ameaçado no momento, justamente porque a compra e uso do programa espião ocorreu na gestão passada.

A manutenção de Fortunato em um posto na cúpula da Abin já havia gerado ruído interno. Ele foi alçado ao terceiro cargo mais importante na agência, a Secretaria de Planejamento e Gestão, após ter sido diretor de operações na gestão Bolsonaro —justamente a área responsável pelo First Mile, o software espião. Internamente, segundo interlocutores, Corrêa vinha bancando a permanência de Fortunato mesmo com as revelações sobre o programa, além de minimizar o potencial de estrago que novas informações da investigação sobre o uso do software poderiam provocar.

Corrêa é delegado federal aposentado e foi diretor-geral da PF no segundo mandato de Lula (2007-2010). Ao assumir o seu terceiro mandato em janeiro, o petista transferiu a Abin do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) para a Casa Civil.

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A utilização de um sistema secreto com capacidade de monitorar, sem autorização judicial, os passos de até 10 mil pessoas por ano veio à tona em março, por meio de reportagem do GLOBO. Para fazer o monitoramento, bastava digitar o número de um contato telefônico no programa e acompanhar num mapa a localização registrada a partir da conexão de rede do aparelho. A ferramenta israelense, chamada “FirstMile”, era operada, sem qualquer controle formal de acesso, pela equipe de operações da agência de inteligência, comandada à época por Fortunato. Além disso, a PF apreendeu US$ 171,8 mil em dinheiro vivo — cerca de R$ 872 mil na cotação atual — em um endereço vinculado ao diretor. A origem ainda é desconhecida e será investigada pela PF.

Intimado a prestar depoimento à PF, o oficial que ocupava o posto de número 3 da Abin ficou em silêncio na sexta-feira passada. Não deu explicações sobre o sistema de espionagem nem sobre os US$ 170 mil em dinheiro vivo apreendidos em sua residência durante a operação policial. A pessoas próximas, porém, se justificou dizendo que nunca operou o programa secreto e que sequer tinha a senha de acesso ao First Mile.

Pessoas que trabalharam com Fortunato garantem que ele tinha conhecimento de como funcionava a ferramenta. Ao GLOBO, posteriormente, Fortunato disse que o dinheiro em espécie fazia parte de uma "poupança", hipótese que a PF põe sob suspeita.

O oficial comandou a diretoria de operações da Abin sob a gestão do delegado da PF Alexandre Ramagem, fiel escudeiro do ex-presidente Jair Bolsonaro.