Política

Enquanto Boulos mira classe média e empresariado, Nunes aposta na máquina e se descola de Bolsonaro

Voto da periferia promete ser alvo de intensa disputa entre os candidatos

Agência O Globo - GLOBO 03/09/2023
Enquanto Boulos mira classe média e empresariado, Nunes aposta na máquina e se descola de Bolsonaro

Na dianteira da disputa pela prefeitura de São Paulo, com 32% da preferência do eleitorado na pesquisa Datafolha divulgada anteontem, Guilherme Boulos (PSOL-SP), líder dos sem-teto, tem investindo tempo em estratégias para mirar a classe média e o empresariado nos seus primeiros passos rumo à campanha municipal de 2024. O deputado federal, que perdeu no segundo turno para Bruno Covas em 2020, ainda busca desconstruir a pecha de radical que ganhou dos adversários.

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Em segundo lugar na pesquisa, com 24% das intenções de voto, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) trabalha para ampliar a aprovação à sua gestão e tirar do papel obras que podem virar vitrines, como o programa de recapeamento que promete ser o maior da história da capital.

Isso tudo enquanto dribla problemas da cidade que podem virar dor de cabeça, como a cracolândia, e tenta evitar que o apoio de Jair Bolsonaro se torne um limitador de crescimento, dada a alta rejeição do ex-presidente.

Foco na classe média, comerciantes e empresários

Na sexta-feira, quase um mês depois de ter oficializado o apoio do PT à sua candidatura, Boulos colocou nas ruas de São Paulo uma caravana que pretende percorrer as 32 subprefeituras até o fim do ano. De acordo com interlocutores, os meses que antecedem o ano da eleição serão dedicados a ampliar o diálogo com três setores que o deputado acessou pouco na última campanha municipal: classe média, comerciantes e empresários.

O fortalecimento da base do deputado na periferia corre em paralelo. Na primeira agenda da caravana, o líder sem-teto visitou a comunidade de Vila Bela, em São Mateus, na Zona Leste.

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O voto da periferia promete ser alvo de intensa disputa entre Boulos e Nunes. Como mostrou o Datafolha, o emedebista tem seu melhor desempenho entre os 40% mais pobres, onde chega a 29% das intenções de voto.

Embora Boulos vá melhor entre os mais ricos da cidade (45% dizem ter a intenção de votar nele), na eleição para deputado federal, que tem uma dinâmica totalmente diferente da para prefeitura, ele teve a maior parte de seus mais de 1 milhão de votos em bairros pobres, como mostrou levantamento do GLOBO. As zonas eleitorais que mais votaram no parlamentar foram das regiões de Jardim Ângela, Rio Pequeno e Campo Limpo.

Peso da prefeitura

Nunes, no entanto, além de sair na frente neste eleitorado, tem ao seu lado o peso da prefeitura, que está presente nos territórios por meio de políticas públicas. Ainda é uma vantagem o apoio da secretária de Relações Internacionais, Marta Suplicy. O fato de a ex-prefeita ser bem-quista em bairros periféricos fez o PL municipal defender a sua indicação para vice na chapa do emedebista. A ideia, porém, encontrou resistência na ala bolsonarista.

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Enquanto Boulos tratou de consolidar o apoio do PT, Nunes dedicou os primeiros meses do ano a articular uma aliança junto a uma gama de partidos e barrar possíveis candidaturas de direita. Até aqui, foi bem-sucedido. O deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) desistiu de concorrer após ver seu partido e Bolsonaro flertarem com o prefeito. A aliança está praticamente consolidada, embora Bolsonaro fale em “noivado” com Nunes.

O prefeito tem dito que o foco nos próximos meses será “prefeitar” e “cuidar da cidade”. Ele já colocou em prática o que promete ser uma das marcas de sua gestão: um programa inédito e bilionário de recapeamento de ruas e avenidas.

Marqueteiro de Doria

Pessoas próximas ao prefeito admitem que o asfaltamento tem um efeito eleitoral limitado, mas deve ajudar a melhorar as conversas sobre ele na capital, especialmente entre moradores do centro expandido, classe média, motoristas de aplicativo e taxistas, que usam diariamente as ruas de São Paulo.

Tanto Boulos quanto Nunes buscam contornar polêmicas que já os circundam antes mesmo da campanha. Uma das estratégias adotadas por Boulos para ser menos visto como radical foi fugir de polêmicas e embates no Congresso, e adotar um tom moderado como parlamentar.

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Boulos deixou, por exemplo, de participar de CPIs, e tem focado em aprovar projetos de lei de sua autoria, alguns deles até com a ajuda da oposição, para mostrar que sabe dialogar — caso do PL das Cozinhas Solidárias. Em entrevista ao GLOBO no mês passado, Boulos disse que deseja a comparação de biografias com Nunes e que vai esclarecer a atuação que teve por 20 anos junto ao movimento social.

O caso Freixo

Para a construção dessa nova imagem na opinião pública, o líder sem-teto tem conversas avançadas com o marqueteiro Lula Guimarães, que trabalhou para o ex-governador e ex-prefeito de São Paulo João Doria. Ele ainda busca uma vice aos moldes de Geraldo Alckmin, que acene ao centro. Ana Estela Haddad, mulher do ministro da Fazenda, é a preferida, mas resiste a compor com o deputado.

Marcelo Freixo, hoje presidente da Embratur, viveu situação semelhante quando disputou o governo do Rio, no ano passado. Na época, para se afastar da fama de radical, saiu do PSOL e contratou o marqueteiro Renato Pereira. A estratégia não deu certo, e ele perdeu para Cláudio Castro ainda no primeiro turno.

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Ricardo Nunes direciona esforços para melhorar a percepção sobre o centro da cidade, que voltou recentemente ao debate público com o aumento da população de rua, dispersão da cracolândia e boom roubos e furtos no ano passado.

No caso da cracolândia, hoje uma das grandes preocupações da campanha, aliados têm adotado o discurso de que não se trata de um problema exclusivo do prefeito, tampouco da cidade de São Paulo. É comum ouvir no entorno de Nunes menção a outras capitais que enfrentam a mesma situação, num indicativo de que essa narrativa deve permear a campanha eleitoral.

Outro desafio do prefeito é evitar que a maior exposição de seu nome e das alianças firmadas, em especial, com Jair Bolsonaro, culminem num aumento de rejeição e se tornem um limitador de crescimento. Para isso, ele tem evitado colar sua imagem à do ex-presidente e investido no governador Tarcísio de Freitas como potencial cabo eleitoral. Embora a campanha de Boulos já o trate como um bolsonarista.

Tabata e tucanos

A deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), que pontuou 11% na pesquisa, encontra-se em conversas para definir o marqueteiro da campanha. Ela também tem mantido diálogo com partidos para compor a vice. Um deles é o PSDB, cujo presidente nacional, Eduardo Leite, se mostra um entusiasta de uma eventual aliança, embora o diretório municipal apoie Nunes. Segundo aliados da parlamentar, os resultados do Datafolha esquentaram as tratativas com os tucanos.

Os números da pesquisa foram comemorados por Tabata. Com baixa rejeição e uma alta aceitação (13% conhecem ela bem e 11% votam nela), a campanha da parlamentar agora espera ganhar corpo nos próximos meses com a ajuda de figuras como o ministro Márcio França e o vice-presidente Geraldo Alckmin. A estratégia neste momento é apresentá-la para a cidade e a associações, entidades e lideranças.

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Já o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP) apesar do patamar também animador na pesquisa, de 8%, tem de diminuir a rejeição, que é maior entre todos os virtuais candidatos, e vencer resistências dentro do seu partido, que hoje faz parte da base de Nunes.