Política
Jair e Michelle Bolsonaro mudam estratégia e adotam silêncio em depoimento à PF
Após série de contradições, ex-presidente e ex-primeira-dama optaram por não responder aos investigadores
Depois de caírem em contradições sobre a destinação das joias recebidas em missões no exterior, o ex-presidente Jair Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle resolveram não responder a nenhuma das perguntas feitas pela Polícia Federal, ontem, em Brasília. A opção pelo silêncio contrasta com a estratégia adotada pelo personagem-chave da investigação, o ex-ajudante de ordens da Presidência, tenente-coronel Mauro Cid, que falou por mais de dez horas durante seu depoimento à PF, realizado no mesmo horário.
Esta é a terceira vez que Cid é ouvido em menos de uma semana. Na sexta e segunda-feira passadas, ele falou por mais de 16 horas diante dos investigadores, mas em outro inquérito, o que apura um esquema de falsificação de cartões de vacinação. Ontem, ele chegou à sede da corporação duas horas antes do horário previsto e só saiu pouco depois das 21h. Para impedir que os suspeitos combinassem versões, a PF marcou o depoimento de oito pessoas ao mesmo tempo.
Outro alvo da apuração que também prestou esclarecimentos foi o general Mauro Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens. Em uma conversa interceptada pela PF, o tenente-coronel disse que o pai estava com US$ 25 mil em espécie que seria entregue a Bolsonaro. O general ainda tirou fotos de estátuas dadas de presente ao ex-presidente e que foram, posteriormente, colocadas em leilão nos Estados Unidos. Ambos são acusados de vender no exterior parte das joias que Bolsonaro recebeu de chefes de Estado quando era presidente. Assim como o tenente do Exército Osmar Crivelatti, outro ajudante de ordens de Bolsonaro, que também foi ouvido pelos agentes decidiu colaborar.
Desde que o caso veio à tona, após reportagens publicadas pelo “O Estado de S. Paulo”, em março, os principais investigados deram versões conflitantes a respeito do que foi feito com itens dados de presente a Bolsonaro. O próprio ex-presidente afirmou, em suas primeiras declarações a respeito do caso, que jamais havia pedido ou recebido qualquer joia.
.— Estou sendo crucificado por um presente que eu não pedi, nem recebi — disse Bolsonaro ainda nos Estados Unidos, para onde viajou no fim de dezembro, antes mesmo de terminar o seu mandato.
No dia em que voltou ao Brasil, o ex-chefe do Planalto admitiu que havia tentado, no ano passado, “recuperar o conjunto da Michelle via ofício”, referindo-se às vezes em que seus auxiliares tentaram retirar as joias que ficaram retidas pela Polícia Federal no Aeroporto de Guarulhos.
Já a assessoria da ex-primeira-dama chegou a divulgar uma nota para sustentar que ela não tinha conhecimento do conteúdo dos presentes dados pelo governo saudita. Mais tarde, depois que novos fatos a respeito das peças foram revelados, Michelle reconheceu que recebeu no Palácio da Alvorada joias masculinas. Na semana retrasada, ela ironizou o caso ao dizer que faria “limonada desse limão”.
— Vocês pediram tanto e falaram tanto de joias que, em breve, teremos lançamento Mijoias pra vocês — afirmou, durante um evento em Pernambuco.
Uma das declarações mais contraditórias partiu advogado Frederick Wassef, que representa a família Bolsonaro em diversas ações. Primeiro, em 13 de agosto, ele disse que nunca tinha visto “joia nenhuma”. Dois dias depois, porém, confessou ter viajado aos Estados Unidos para recomprar o relógio Rolex de diamantes. O inquérito mostrou que a peça havia sido vendida a uma loja no exterior por Mauro Cid.
— Comprei o relógio, a decisão foi minha, usei meus recursos. Eu tenho a origem lícita e legal dos meus recursos — admitiu.
Ontem, ao chegar à PF em São Paulo, Wassef disse que “jamais mudou de versão”.
— Jamais voltei atrás. Desafio um dos senhores: me mostre uma fala minha onde disse que neguei que comprei o relógio. Jamais — afirmou ele, acrescentando que não se trata se “recompra”, já que não foi ele quem vendeu.
Com o avanço das investigações sobre si, Mauro Cid deu uma guinada na sua estratégia de defesa, já que havia ficado em silêncio nas primeiras vezes em que foi chamado a depor. Ele resolveu falar depois que seu pai foi alvo de buscas da PF no início deste mês. Na ocasião, foram revelados diálogos em que ex-ajudante de ordens e Lourena Cid tratavam sobre a venda das joias no exterior. Logo após a operação, Mauro Cid trocou de advogado pela terceira vez e contratou o criminalista Cezar Bitencourt. No início da semana, a defesa afirmou que o cliente estava colaborando com as investigações da PF.
Bolsonaro e Michelle, mantidos ontem em salas separadas na PF, traçaram uma linha de ação distinta e agora tentam tirar a investigação das mãos do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em ofício enviado à Corte, a defesa do casal afirmou que o ex-presidente e a sua mulher só “prestarão depoimento” ou “fornecerão declarações adicionais” quando o caso das joias sair do Supremo e for remetido à primeira instância. Na visão dos advogados, Moraes não é o “juiz natural competente” do processo.
Foco na 1ª instância
A defesa do casal aderiu à tese defendida pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. Em entrevista ao site Metrópoles na quarta-feira, o PGR avaliou que Bolsonaro já não tem prerrogativa de foro, por ter deixado a Presidência, portanto, o processo deveria ser remetido à primeira instância. Aras, no entanto, está isolado. Como mostrou a colunista Bela Megale, a maioria dos ministros do STF avalia que as investigações devem seguir no Supremo. E a própria 6ª Vara Federal de Guarulhos — que tem a jurisprudência do caso —, atendendo a um pedido do Ministério Público, remeteu os autos a Moraes, reconhecendo a competência do Supremo.
O ex-secretário de Comunicação e atual assessor de Bolsonaro, Fabio Wajngarten afirmou à colunista Malu Gaspar que entregará à Polícia Federal uma ata notarial com a íntegra das mensagens que ele trocou com Mauro Cid sobre as joias sauditas desde janeiro. Um dos convocados a depor ontem, ele apresentou uma petição da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo em defesa de seu sigilo profissional, uma vez que atuou como advogado de Bolsonaro no processo, para justificar sua decisão de ficar em silêncio. Ele afirma que só soube do caso das joias pela imprensa e que as conversas poderão provar a sua versão.
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