Política
Deputados em São Paulo usam valor recorde em emendas para beneficiar de PM a artes marciais
Cada legislador paulista tem cerca de R$ 10,5 milhões para distribuir neste ano. Valores 'descabidos' enviados às prefeituras via 'emendas Pix' chama a atenção do TCE
Deputados estaduais de São Paulo distribuíram neste ano um volume recorde de recursos do orçamento paulista em emendas impositivas. Boa parte do pacote de R$ 1,07 bilhão teve como destino o cofre de prefeituras do estado por meio das chamadas “emendas PIX” (enviadas diretamente aos gestores e sem um uso pré-determinado), ou de entidades tão diversas quanto a Polícia Militar e academias de artes marciais.
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Em média, cada parlamentar teve neste ano R$ 10,5 milhões em emendas, contra R$ 7 milhões em 2022. O PL, partido com a maior bancada da Casa, ficou com a maior fatia do bolo, R$ 202,5 milhões. A sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro é seguida pelo PSDB, que apesar de hoje ter a metade do número de deputados do PT (nove contra 18), supera os petistas no total de verbas em emendas, com R$ 159 milhões, contra R$ 121 milhões do PT. Isso porque emendas não processadas em anos anteriores ainda aparecem como restos a pagar.
Desde 2021, os deputados podem indicar verbas diretamente para as prefeituras, sem definir os projetos beneficiados, a partir das chamadas “emendas Pix”. A prefeitura mais agraciada com essas verbas sem carimbo é a de Carapicuíba, destino de R$ 15,3 milhões indicados por seis deputados. O município da região metropolitana da capital é administrado pelo prefeito Marcos Neves (PSDB), acostumado a receber deputados em seu gabinete e que faz viagens regulares a Brasília, de onde também recebe quantias vultosas de deputados federais.
Um dos deputados que destinaram “emendas Pix” para o município é Carlos Cezar (PL), pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular. O parlamentar, nascido no Paraná e que desde os 4 anos vive em Sorocaba, no interior paulista, destinou a Carapicuíba mais que o dobro do que enviou para a cidade onde mora (R$ 3,8 milhões contra R$ 1,3 milhão). Ele acompanhou o prefeito Marcos Neves em ao menos duas visitas ao Palácio dos Bandeirantes neste ano. Em 2021, ganhou título de cidadão carapicuibano, sem nunca ter morado na cidade.
A fiscalização dos recursos enviados aos municípios é uma das atribuições do Tribunal de Contas do Estado (TCE). O secretário-diretor geral da Corte, Sergio Rossi, diz que um dos focos de atenção do órgão são os valores considerados “descabidos” enviados via “emendas Pix”, e que a fiscalização se torna mais difícil quando o dinheiro de várias emendas se mistura em uma mesma conta. Segundo Rossi, uma das consequências do mau uso das emendas é o alto número de obras paradas ou atrasadas: são 784 em todo o estado, segundo painel do TCE.
— Estamos levantando o que foi pago até agora e vamos nos concentrar nas “emendas Pix” para saber como foram destinadas. O alto volume desses repasses nos chamou a atenção, são números bastante elevados. Quem dá, sempre espera receber algo em troca — diz o secretário-diretor do Tribunal, que está preparando um levantamento sobre o uso de emendas nas 645 prefeituras do estado.
Dinheiro para artes marciais
A Constituição paulista obriga os deputados a destinarem pelo menos metade dos valores para políticas de saúde. Se excluídos os repasses com essa finalidade, as maiores agraciadas abaixo da Prefeitura de Carapicuíba são a Secretaria Estadual da Educação e a Unicamp, com R$ 13,4 milhões e R$ 12,8 milhões, respectivamente.
A Polícia Militar é a quarta do ranking, com R$ 9,3 milhões, dos quais 86% vieram de emendas de deputados do PL. O dinheiro prometido à corporação supera a soma das emendas destinadas à Santa Casa de Misericórdia e ao Hospital das Clínicas, por exemplo.
Organizações da sociedade civil também são agraciadas pelos deputados, com destaque para instituições ligadas às artes marciais. A Confederação Brasileira de Artes Marciais (CBAMC) foi indicada para receber mais de R$ 8,1 milhões. A Confederação Brasileira de Karatê Interestilos (CBKI) é o destino de R$ 5,4 milhões, enquanto a Federação Paulista de Karatê (FPK) receberá R$ 4 milhões.
Quem mais destinou recursos para instituições ligadas às lutas foi o deputado Altair Moraes, líder da bancada do Republicanos, partido do governador Tarcísio de Freitas. Pastor na Igreja Universal do Reino de Deus, Altair é karateca desde os 6 anos de idade e distribuiu R$ 2,7 milhões para a Confederação Brasileira de Artes Marciais Chinesas e R$ 2,5 milhões para a Federação Paulista de Karatê. A entidade é presidida por José Carlos Gomes de Oliveira, amigo e ex-companheiro de Altair na seleção brasileira da modalidade.
Altair também pediu neste mês ao governo, por meio de indicação, a liberação de mais recursos para a confederação de artes marciais realizar eventos. “Tais investimentos são necessários tendo em vista que a prática esportiva, em qualquer idade, traz uma série de benefícios à saúde, tanto física como mental, e ainda contribui para afastar o jovem das ruas”, justificou o parlamentar na proposta.
Ao GLOBO, Altair disse que “tem os esportes como uma das suas principais bandeiras” e que “acredita que essa é uma importante ferramenta para tirar crianças e jovens das ruas e dar-lhes uma oportunidade, já que ele mesmo viveu essa experiência”. Acrescentou que a liberação das emendas depende do aval do governo estadual. Já o deputado Carlos Cézar justificou a destinação de emendas a Carapicuíba alegando que o município tem “um dos menores orçamentos per capita do Estado” e, por isso, “precisa de recursos para custeio e investimentos em todas as áreas”.
Em nota, o Governo de São Paulo informou que todas as transferências via “emendas Pix”, que precisam do aval do secretário de Governo e Relações Institucionais, Gilberto Kassab (PSD), já foram aprovadas e totalmente pagas. “Os recursos têm de atender à regra legal para a destinação ser, no mínimo, de 70% do valor para despesas de capital, podendo ser até 30% para custeio. As prefeituras não podem usar esses recursos para folha de pagamento e dívidas municipais”, acrescentou.
Emendas impositivas em SP
O que são? Indicações diretas dos deputados estaduais para financiar políticas públicas. Sua execução é obrigatória.
Quanto cada deputado tem? O valor passou de 0,3% para 0,45% da receita obtida pelo estado no ano anterior. Em 2023, isso equivale a R$ 10,5 milhões para cada parlamentar.
Há regras para a destinação? No mínimo, metade do valor deve ser voltado para serviços de saúde. É vedado o uso de emendas para pagamento de pessoal e encargos.
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