Política

Oito órgãos foram alertados às vésperas dos atos golpistas de 8 de janeiro

Abin enviou avisos em grupo de WhatsApp formado por 15 representantes de ministérios e das Forças Armadas sobre ‘risco de ações violentas contra edifícios públicos e autoridades’. Instituições alegam que comunicação foi inadequada

Agência O Globo - GLOBO 23/07/2023
Oito órgãos foram alertados às vésperas dos atos golpistas de 8 de janeiro
Atos golpistas - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Às vésperas dos atos golpistas de 8 de janeiro, um grupo de WhatsApp com 15 representantes de oito órgãos públicos recebeu dez alertas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Essa lista de transmissão, obtida pelo GLOBO, foi avisada por meio de mensagens sobre o “risco de ações violentas contra edifícios públicos e autoridades” e a convocação de manifestantes “com acesso a armas e intenção manifesta de invadir o Congresso Nacional”. Pouco tempo depois dessa comunicação, as sedes dos Três Poderes da República foram invadidas e vandalizadas. Seis meses após o ataque às instituições, os membros desse canal de contato divergem sobre o formato e a responsabilidade das informações que receberam.

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No grupo de WhatsApp, criado para trocar informações de inteligência de forma mais célere, havia membros do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); dos ministérios da Justiça e Defesa; do Exército e da Marinha; da antiga pasta da Infraestrutura, que se desdobrou no governo Lula; da Secretaria de Segurança do Distrito Federal; e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Essa lista de transmissão, porém, estava desatualizada.

O ex-subsecretário de Inteligência do Distrito Federal constava da lista de transmissão, mas havia sido exonerado em 3 de janeiro — no dia 11, após os atos golpistas, foi reconduzido à função. Outro contato seguia na lista por representar o então Ministério da Infraestrutura, que havia sido extinto em 1º de janeiro. Servidor de carreira da Abin, o oficial havia retornado ao seu órgão de origem e já não havia razão para receber os alertas sobre os atos do dia 8 de janeiro. Por isso, de acordo com o Ministério dos Transportes, pasta que agregou a Infraestrutura, não foi identificado nenhum procedimento administrativo sobre os avisos.

A maioria dos órgãos participantes do grupo de WhatsApp afirma não ter recebido notificações de maneira adequada. O GSI não respondeu. Todos os membros do canal foram procurados, mas preferiram não se manifestar.

Durante o governo Bolsonaro, a Abin aumentou o fluxo de envio de informações de inteligência por meio de mensagens de WhatsApp. Esse formato de comunicação foi uma demanda do ex-presidente, que queria relatórios da agência com mais agilidade.

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Sob investigação

A lista de transmissão está em posse da CPI dos Ataques Golpistas, que apura as invasões às sedes dos Três Poderes e se houve omissões de autoridades públicas. À comissão parlamentar de inquérito, a Abin explicou que os alertas “são feitos para comunicar fatos e situações graves, com o objetivo de comunicação célere”. Ao GLOBO, a agência de inteligência afirmou que são “enviadas e recebidas informações por meio de canais adequados, decididos prévia e conjuntamente”. O órgão ainda pontuou que usou o mesmo grupo para outros eventos como, por exemplo, os atos de 7 de setembro de 2022 e os movimentos dos caminhoneiros em 2021.

A maioria dos integrantes do grupo era oriunda do Exército. Entre eles, estavam um general, um tenente-coronel e três coronéis. Todos exerciam funções de inteligência e gerenciavam informações sensíveis do Ministério da Defesa e da Força.

À CPI, o Exército informou que não recebeu nenhum documento da Abin e que “eventuais comunicações informais recebidas no âmbito dos membros da Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência), por intermédio de aplicativos de mensageria necessitam da correspondente submissão a processo de avaliação ao pensamento crítico-analítico para posterior difusão”. Ao GLOBO, a Força afirmou que “quaisquer esclarecimentos” sobre o 8 de janeiro “serão prestados exclusivamente aos órgãos competentes”.

‘Não são oficiais’

A Marinha era representada no grupo por dois oficiais — um vice-almirante e um capitão de Mar e Guerra. Em nota, a Força afirmou que mensagens em grupos de WhatsApp não são “considerados documentos oficiais de inteligência e este meio de comunicação não é imune a clonagens, invasões e outros ilícitos digitais”. A instituição ainda frisou que cumpriu “com pleno êxito” o que lhe cabia: a segurança dos prédios da Marinha, do Ministério da Defesa e do Palácio do Itamaraty, que, de fato, não foram danificados pelos vândalos.

Em nota, o Ministério da Defesa afirmou que “não foi comunicado conforme preconizado nas Normas e Procedimentos Gerais para Intercâmbio de Dados e Conhecimentos entre Órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência”.

Também havia na lista um representante do Ministério da Justiça, que era policial militar do Amazonas e atuava na área de Inteligência. Em nota, a pasta informou que nenhum dos dirigentes da nova gestão do governo Lula foi convidado a participar do grupo de WhatsApp gerenciado pela Abin. A ANTT, responsável por fiscalizar o deslocamento de passageiros pelo Brasil, era representada por três nomes. A agência pondera que “não é órgão de segurança e não é da sua competência dar encaminhamento a informes de inteligência”. A Secretaria de Segurança do DF disse que os fatos relacionados ao 8 de janeiro estão em apuração.

Fora do WhatsApp, também circularam informações sobre a possibilidade de ataques golpistas. Em 7 de janeiro, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos, enviou um ofício ao ministro da Justiça, Flávio Dino, alertando sobre “ações hostis e danos” às sedes dos Três Poderes. Em posse do documento, Dino pediu ao governador do DF, Ibaneis Rocha, o bloqueio da Esplanada dos Ministérios, tomada por vândalos no dia seguinte.