Poder e Governo

Sob pressão, Motta cita Câmara 'machucada', e aliados dizem que deputado tem tempo para recompor com governo e STF

Na reta final do ano, deputado sofreu críticas de governistas e oposicionistas, que levantaram dúvidas sobre a autoridade dele para comandar o plenário

Agência O Globo - 18/12/2025
Sob pressão, Motta cita Câmara 'machucada', e aliados dizem que deputado tem tempo para recompor com governo e STF
O presidente da Câmara, Hugo Motta, participou da solenidade - Foto: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados

Sob pressão da esquerda à direita, o presidente da Câmara, (Republicanos-PB), afirmou a líderes nesta semana que a Casa foi muito “machucada” em 2025, referindo-se a momentos críticos que os deputados enfrentaram neste primeiro ano da gestão.

Entrevista:

Câmara:

De acordo com relatos de três líderes, o parlamentar disse em reunião nesta terça-feira que todos os deputados sofreram reveses neste ano, cada um à sua maneira. A fala provocou uma onda de solidariedade, com aliados elogiando a condução dos trabalhos de Motta à frente da Casa.

Nos bastidores, no entanto, a avaliação é outra. Na reta final do ano legislativo, o deputado sofreu críticas de governistas e oposicionistas, com parlamentares levantando dúvidas sobre a autoridade dele para comandar o plenário e com o sentimento de que o primeiro ano da gestão de Motta não foi bom, suscitando comparações com a atuação de seu antecessor, o deputado Arthur Lira (PP-AL).

Essa leitura é compartilhada inclusive por aliados do presidente da Câmara, que reconhecem dificuldades na consolidação de autoridade interna ao longo do ano. Segundo esses interlocutores, Motta enfrentou uma sucessão de crises institucionais que reduziram sua margem de manobra e o colocaram sob pressão simultânea do Planalto, da oposição e do Supremo Tribunal Federal.

O desabafo do presidente da Câmara nesta semana ocorreu em meio a um ambiente político ainda tensionado na Casa. Nos últimos dias, a oposição passou a vocalizar insatisfação com a condução de Motta, com o líder oposicionista Zucco (PL-RS) afirmando publicamente que o bloco perdeu a confiança na gestão do presidente da Casa. Aliados de Motta veem o movimento como uma tentativa de pressioná-lo a assumir posições mais nítidas no embate com o governo. Procurado, o presidente da Câmara não se manifestou.

Apesar disso, no entanto, o grupo do parlamentar afirma que há tempo e possibilidades de Motta recompor com o Executivo e o Supremo. Um aliado próximo dele afirma que há disposição do deputado em distensionar a relação com os demais Poderes e diz que Motta tem perfil conciliatório, o que ajuda nesse processo.

A fala em tom de desabafo de Motta ocorre num momento em que a autoridade dele é questionada por colegas. O parlamentar foi eleito com apoio quase que majoritário dos partidos e passou esse ano tentando se equilibrar entre as demandas do PT de Lula e do PL de Jair Bolsonaro.

Esse esforço de equilíbrio, dizem líderes partidários, acabou produzindo desgaste nos dois campos. Enquanto o PL passou a cobrar gestos mais firmes contra o governo, setores da base governista desconfiaram da disposição de Motta em sustentar pautas de interesse do Executivo diante de acenos ao bolsonarismo.

Na semana passada, o presidente da Câmara sofreu duras críticas da esquerda, da direita e até mesmo do centrão com a não cassação dos mandatos de Glauber Braga (PSOL-RJ) e Carla Zambelli (PL-SP), além da aprovação em plenário do projeto que reduz penas para os envolvidos nos ataques golpistas do 8 de janeiro. Zambelli depois renunciou ao mandato, em uma saída que teve a costura de Motta.

Com essas votações, ele renovou acenos ao bolsonarismo, afastando a esquerda e gerando ruídos com o Palácio do Planalto — reforçando o sentimento de desconfiança de integrantes do governo com o deputado, que é recíproco.

Nos últimos dias, porém, lideranças do PT, PSB e até do PSOL passaram a arrefecer o tom das críticas, numa avaliação de que o confronto aberto com o presidente da Câmara poderia dificultar a reta final da agenda econômica do governo antes do recesso parlamentar.

Por outro lado, a cúpula da Casa se queixa do que classifica como ataques incentivados pelo Planalto ao Congresso, sobretudo a campanha em defesa da agenda de justiça tributária, com a retórica “nós contra eles”. Manifestações no último domingo, por exemplo, tiveram como um dos alvos o presidente da Câmara.

Aliados citam projetos

Aliados do parlamentar dizem que ele fez gestos expressivos ao governo nesta semana, ao garantir a aprovação de matérias prioritárias para o Executivo, como a conclusão da votação da regulamentação da reforma tributária, e o projeto que prevê corte de incentivos fiscais e aumento de tributação de bets e fintechs.

Esses gestos foram citados por governistas como sinais concretos de distensão após semanas de atrito. A avaliação é que, ao assegurar a entrega dessa pauta, Motta ganhou tempo para tentar recompor a relação de confiança com o Planalto.

O avanço dessa agenda contou com um reforço na articulação política de Lula, com conversas do próprio presidente da República e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com Motta. Lula, inclusive, fez falas públicas afirmando que Motta é seu amigo, que não há desavenças, e agradecendo o empenho do Congresso nas votações importantes para o governo.

— Sou amigo do Hugo Motta, do Arthur Lira, do [Rodrigo] Pacheco, do [Davi] Alcolumbre. Sou grato pelo que eles fizeram nesses três anos comigo. Na hora que surgir uma divergência, é importante a gente lembrar que precisamos conversar mais, aparar as arestas. Estou disposto a fazer isso porque nós somos gratos por tudo o que foi aprovado até agora — disse Lula nesta quarta, em reunião ministerial.

Um líder próximo a Motta justifica a pauta conturbada neste fim de ano afirmando que era preciso tirar da frente temas considerados polêmicos que estavam na ordem do dia da Câmara e atrapalhavam os trabalhos parlamentares.

Ele prevê que o próximo ano será voltado à construção de uma pauta positiva para a Casa e cita o empenho de Motta em fazer avançar projetos da segurança pública, entre eles o projeto de lei antifacção e a PEC (proposta de emenda à Constituição) da Segurança, que deverão ser discutidos logo na volta do recesso.

Nesse sentido,diz que o parlamentar tem tempo para recompor uma relação de confiança com o governo federal. Ele busca apoio de Lula à candidatura de seu pai, o prefeito Nabor Wanderley (Republicanos-PB), ao Senado no próximo ano.

Outros dois aliados do presidente da Casa reconhecem as dificuldades enfrentadas pelo deputados neste ano, mas citam como uma vitória nesta reta final de 2025 a construção de um bloco parlamentar formado por partidos de centro que, na avaliação deles, garantirá governabilidade de Motta. Isso porque o bloco tem 257 votos, a maioria da Casa.

Um desses políticos afirma ainda que avalia ser importante Motta tomar um lado em 2026, para não seguir no que classificou como o pingue pongue da oposição contra o governo. Ele diz que o presidente da Câmara precisa, de uma vez, abraçar o centro.