Poder e Governo

Aliado de Castro atuou para Cedae flexibilizar regra e investir R$ 200 milhões no banco Master

Ex-assessor do governador, Antonio Carlos dos Santos articulou para alterar norma que permitiu aporte no banco alvo de liquidação devido a indícios de gestão fraudulenta

Agência O Globo - 18/12/2025
Aliado de Castro atuou para Cedae flexibilizar regra e investir R$ 200 milhões no banco Master
Imagem ilustrativa gerada por inteligência artificial - Foto: Nano Banana (Google Imagen)

Sob a gestão de um ex-assessor do governador Cláudio Castro (PL), a Cedae flexibilizou suas regras de aplicações financeiras imediatamente antes de comprar, no fim de 2023, R$ 200 milhões em papéis do Banco Master. A mudança na política interna foi articulada pelo diretor financeiro da companhia, Antonio Carlos dos Santos, que havia sido funcionário do gabinete de Castro no ano anterior. O Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) marcou, para esta quinta-feira (18), o julgamento de uma representação que questiona a “justificativa técnica” para os pagamentos ao Master, alvo de liquidação no mês passado devido a indícios de gestão fraudulenta.

Gleisi:

PL da Dosimetria:

Antonio Carlos assumiu a Diretoria Administrativa-Financeira e de Relação com Investidores da Cedae no fim de 2022 e, cerca de dez meses depois, emitiu parecer no qual classificava como “oportuno e urgente revisar a Política de Aplicações Financeiras” da companhia. A política prevê que a Cedae faça “aplicações com baixa exposição a todas as fontes de risco”, com o único objetivo de “evitar a perda de valor” de seus recursos em caixa.

A nova política proposta pela diretoria de Antonio Carlos, e aprovada em setembro de 2023, rebaixou o parâmetro para investimentos. O documento passou a permitir à Cedae comprar papéis de instituições financeiras com nota mínima BBB- — o que corresponderia à decima posição em uma escala de 1 a 16.

Era justamente a avaliação que o Master havia recebido em 2022 da Fitch, uma das três principais agências de risco do mundo. Até então, a política de aplicações da Cedae só permitia a compra de instituições avaliadas, no mínimo, como A-, três degraus acima da nota do Master à época.

Além disso, a mudança na política permitiu investimentos em instituições avaliadas por “pelo menos uma das três principais agências”, outra inovação que acabou favorecendo o Master. Antes, a regra era ter avaliação em “duas das três principais agências”, critério que o Master não atingia.

Ressalvas internas

Procurado, Antonio Carlos afirmou que a política de aplicações financeiras já havia passado por outras duas revisões antes, em novembro de 2022 e março de 2023, e que todas as atualizações “cumpriram os ritos e análises jurídica, de compliance, assim como aprovação pela diretoria-executiva, comitê de auditoria e conselho de administração”.

Documentos consultados pelo GLOBO mostram que a área jurídica da Cedae apresentou ressalvas à flexibilização das regras de investimento. Em parecer, os advogados apontaram que a nova política de aplicações levaria ao “aumento (...) de nível de grau de risco”, e recomendaram que a cúpula da Cedae avaliasse “se as alterações propostas —de perfil mais arrojado —estão em consonância com os planos” da companhia.

Já o comitê de auditoria aprovou a mudança com posição contrária de um de seus membros, Aristóteles Drummond. Ele, que não faz mais parte do comitê, sugeriu que fosse “mantido o rating do AAA por uma questão de segurança” para os investimentos da Cedae, mas foi vencido.

O conselho de administração também deu seu aval, no dia 12 de setembro, em reunião que contou com uma apresentação de Antonio Carlos para defender a mudança. Um dos integrantes do conselho é o presidente da Cedae, Aguinaldo Ballon, que também teve passagem anterior pelo Palácio Guanabara: ele foi o braço-direito do atual secretário da Casa Civil fluminense, Nicola Miccione, outro aliado próximo a Castro.

Ainda no fim de 2023, pouco após a mudança na regra de investimento, a Cedae adquiriu R$ 200 milhões em CDBs emitidos pelo Banco Master. Em comunicado ao mercado no mês passado, Antonio Carlos afirmou que a Cedae passou a fazer resgates parciais desse valor em setembro de 2025, depois que a Fitch rebaixou a nota do Master. Os CDBs previam rendimento de 113% do CDI, taxa de retorno considerada alta.

O GLOBO apurou que, embora os papéis vendidos pelo Master à Cedae tivessem a opção de “resgate imediato”, Antonio Carlos afirmou, em reuniões do conselho de administração ao longo de 2025, que faria as retiradas “gradualmente” para redirecionar a verba a outras instituições. Com a liquidação do Master em novembro, ficaram retidos com o banco R$ 220 milhões aos quais a Cedae teria direito, considerando os rendimentos do valor aplicado. No comunicado ao mercado, a Cedae afirmou que está “tomando as providências cabíveis” para tentar reaver o dinheiro, o que ainda não tem previsão de ocorrer.

‘Voto de confiança’

O processo que será julgado nesta quinta no TCE-RJ surgiu de uma denúncia do deputado estadual Luiz Paulo (PSD-RJ). Antes de pautar o caso, o relator, conselheiro Rodrigo Melo do Nascimento, pediu explicações à Cedae sobre a “análise de risco que precedeu a decisão pela política de investimentos”.

Em nota ao GLOBO, Antonio Carlos disse que os aportes no Master cumpriram os limites da política de aplicações da Cedae para não concentrar recursos numa única instituição. Ele justificou a mudança na política de aplicações pela “importância dos rendimentos financeiros” em um momento no qual a Cedae “apresentava prejuízo operacional”.

Antes das passagens pela diretoria financeira da Cedae e pelo gabinete de Castro, Antonio Carlos foi presidente do Detran entre 2019 e 2020. O órgão estava vinculado à vice-governadoria, ocupada por Castro à época. No fim do ano passado, em mais um gesto de proximidade, Antonio Carlos registrou uma visita a Castro no Palácio Guanabara.

“Hoje me reuni com nosso governador Cláudio Castro para agradecer o voto de confiança”, escreveu. Procurados, o governo do Rio e a Cedae informaram, em nota, que todas as versões da política de aplicações da companhia priorizaram “ativos de alta liquidez e baixo risco, com rentabilidade próxima ao CDI, reforçando a robustez do caixa”.

Histórico entre governo Castro e Banco Master

Aportes do Rioprevidência - O fundo de pensão de servidores do Estado do Rio aplicou quase R$ 1 bilhão em papéis do Master, entre dezembro de 2023 e julho de 2024. O valor, cujo prazo de recuperação é incerto, foi o maior destinado ao Master, considerando os 18 institutos de previdência estaduais e municipais que também fizeram aquisições. A compra do Rioprevidência ocorreu depois das transações da Cedae.

Demissões de dirigentes - Em meio à crise gerada pela liquidação do Master, sob suspeita de gestão fraudulenta, o governo Castro passou a demitir antigos dirigentes do Rioprevidência que participaram das aplicações nos papéis do banco. A leva de demissões se intensificou após um relatório do TCE-RJ apontar uma “notável coincidência” entre as nomeações desses dirigentes e o início dos aportes no Master.

Migração para outro fundo - A advogada Fernanda Pereira, integrante da antiga diretoria do Rioprevidência e que credenciou o Banco Master no fundo estadual, migrou em 2024 para o instituto de previdência de Itaguaí. Logo em seguida, este fundo também realizou aportes no Master. A dirigente é aliada do presidente do Rioprevidência, Deivis Antunes, cuja nomeação teve o apoio de dirigentes do União Brasil.