Poder e Governo

Dono da Refit, que vive no luxo em Miami, teve Eduardo Cunha como aliado político, mas hoje influencia diferentes órgãos

Força de Ricardo Magro perpassa governos, grupos e esferas do poder

Agência O Globo - 07/12/2025
Dono da Refit, que vive no luxo em Miami, teve Eduardo Cunha como aliado político, mas hoje influencia diferentes órgãos
Eduardo Cunha - Foto: Agência Câmara

Dono da Refit, a antiga Refinaria de Manguinhos, no Rio, Ricardo Magro pouco aparece, mas a teia de contatos que construiu ao longo dos anos em diferentes esferas do poder suplanta a necessidade de se expor. Para o empresário, que vive no luxo em Miami enquanto a empresa se vê acuada pela investigação da Receita Federal sobre sonegações bilionárias, não há coloração partidária diante do desejo de impulsionar os negócios. Hoje com entrada na direita e no Centrão, Magro se expandiu no mercado com ajuda de Eduardo Cunha, ex-cacique do MDB, e manteve elos decisivos com o PT.

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Os tentáculos do homem por trás da maior devedora de impostos do país estão em toda parte: Executivo, Legislativo e tribunais, além da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que regula o setor.

Essa história não começou ontem. Magro adquiriu Manguinhos em 2008, mas antes atuava como advogado tributário e se imiscuía no ramo por meio da relação com distribuidoras de combustível. Entre os clientes na advocacia, estava Eduardo Cunha.

Durante o curto governo da petista Benedita da Silva no Palácio Guanabara, em 2002, uma movimentação atribuída a Magro resultou no decreto que mudava a forma de cobrança de ICMS e facilitava esquemas de Manguinhos. O modelo foi renovado em 2005, sob Rosinha Garotinho, e viraria foco de embate entre a refinaria e Sérgio Cabral, que chegou a desapropriar a empresa em 2012.

O regime permitia que o imposto fosse cobrado no destino, não na origem — em tradução do “economiquês”, deixava de incidir na refinaria e passava a ser cobrado em etapa posterior, no varejo. O sistema só poderia ser aplicado em operações interestaduais, mas o problema, segundo investigações, era que o esquema da refinaria continha fraudes.

Os documentos fiscais eram enviados a distribuidoras de outros estados, mas o combustível acabava despejado no próprio Rio. Assim, evitava-se a tributação nas duas fases, e a gasolina poderia ser oferecida a preços baixos, tornando a competição desleal. Uma CPI na Assembleia Legislativa estimou em R$ 850 milhões a evasão entre 2002 e 2006.

Com a Manguinhos enfrentando problemas financeiros, o Grupo Magro comprou a refinaria em 2008 por apenas R$ 7 milhões. Dali em diante, o empresário começaria a se tornar mais conhecido. Quem assumiu cargo de chefia no Conselho logo depois da aquisição foi o petista Marcelo Sereno, ligado ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, que havia sido chefe de gabinete do governo Benedita — a mesma gestão que permitiu o regime especial de ICMS.

Em 2010, investigação da Polícia Civil colocaria políticos, sobretudo Cunha, no seio da suposta máfia de combustível no estado, da qual Magro seria peça central, que se concentrava em malabarismos fiscais junto com distribuidoras. O então deputado, cujo envolvimento fez o caso subir para o STF, foi grampeado em ligações de agosto de 2009. Nelas, prometia ajuda para resolver a dificuldade que Magro vinha tendo com a Braskem.

— Eles não estão me vendendo (gasolina)... Falaram que venderiam até o final do mês, aí estão travando o meu carregamento, dificultando — dizia Magro.

— Tá. Eu vou apertar o cara mais tarde — prometeu o parlamentar.

— Quinta de manhã eu posso dar uma passadinha lá no seu gabinete? — questionou então o empresário.

— Pode — respondeu Cunha, um dia antes de dar boas notícias ao interlocutor:

— O menino já tem notícias pra você lá da Braskem... Vamos lá, você quer ir que horas lá no escritório? Você quer ir em casa ou no escritório?

A despeito de ter negado “qualquer atividade comercial” com Magro, Cunha assumiu os contatos e desafiou os acusadores a “provarem qualquer ato meu que houvesse beneficiado quem quer que seja fora da legalidade”. A investigação foi arquivada em 2013. Antes, a Veja revelou que o inquérito havia vazado durante as apurações, em 2009.

Sereno, do PT, sempre negou as acusações de irregularidades na refinaria, a participação no decreto de Benedita e a correlação entre os episódios.

Outro que teve vínculo com Magro exposto naquela investigação, que respingou na ANP, foi o então senador Lobão Filho (MDB-MA). Gravações mostraram que um assessor da agência agendou encontro entre o empresário e o político, cujo pai era ministro de Minas e Energia. Logo depois, decisões de dirigentes da ANP indicados pelo ministro favoreceram Manguinhos.

O enredo da investigação que agora assola a Refit encontra respaldos no passado. Conta com suspeitas de adulteração de combustível e manobras para não pagar impostos que facilitariam a expansão da empresa e da fortuna de Magro, que nas horas vagas ataca de DJ no reduto dos abastados brasileiros nos EUA.

De acordo com a Receita, a rede de sonegação causou mais de R$ 26 bilhões de prejuízo. Uma das práticas seria importar gasolina “pronta”, mas declarar o material como óleo que ainda passaria por refino — uma forma de pagar menos tributos.

Em nota, a Refit diz que os débitos “estão sendo questionados na Justiça, em disputas legítimas e públicas, como ocorre com diversas empresas”. Afirma que “todos os tributos da companhia estão declarados, não há ocultação de receitas e não existe qualquer tipo de sonegação”. Garante ainda que “monitora de forma contínua os integrantes do mercado de combustíveis, bem como o trajeto de todo o combustível que produz”.

Influência

É em Miami que Magro acumula patrimônio. Quando se separou da ex-mulher, trocou mansão avaliada em R$ 18,7 milhões por uma que pertencia ao astro da NBA LeBron James. Tem carros e barco.

Como DJ, hobby que exerce sob a alcunha de Orgam — anagrama do sobrenome —, produz sets que publica na plataforma SoundCloud. Um deles, batizado de “esquenta despedida flor e rueda”, indica que foi feito para o presidente do União Brasil, Antonio Rueda.

Em maio deste ano, durante evento em Nova York, Magro interagiu com o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), secretários e o senador Ciro Nogueira (PP-PI) — tido como seu principal interlocutor em Brasília. Partiu do senador piauiense a emenda que busca retirar as empresas de refino do projeto que combate devedores contumazes.

Magro avaliza secretários de Fazenda no Rio e influencia a nomeação de diretores da ANP, afirmam pessoas do setor. Na semana passada, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu o fim da cessão do servidor Daniel Maia à ANP, na qual é diretor. A representação com base em conflito de interesses foi feita após a revista Piauí mostrar que Maia se sentou à mesma mesa que Magro no evento de Nova York. A Refit nega o vínculo.

O atual chefe da Fazenda do Rio, Juliano Pasqual, é ligado à família do ministro do TCU Aroldo Cedraz, que o empregou no gabinete quando era deputado federal. Tiago Cedraz, filho de Aroldo, é advogado de Magro.

No Rio, o então chefe da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), Bruno Dubeux, foi trocado em 2023 porque, segundo interlocutores, não topou aprovar novas facilidades à refinaria. A ANP chegou a interditar a Refit em setembro deste ano com base em irregularidades, mas a liberou um mês depois. O governo, via PGE, foi à Justiça defender a desinterdição.

O último projeto de perdão tributário a empresas no estado foi aprovado em outubro na Alerj. Entre opositores, ninguém chamava a proposta de “Refis”, nome oficial da medida. Ficou conhecida como “Lei Ricardo Magro”.

Momentos-chave na trajetória e Magro

2008 — Já atuante no setor, compra a Refinaria de Manguinhos, na qual exercia influência.

2010 — Polícia Civil anuncia investigação sobre ‘máfia’ de sonegação, e Eduardo Cunha é envolvido.

2016 — É preso por supostamente lesar o fundo de pensão Postalis por meio de emissões fraudulentas.

2017 — Em recuperação judicial, Manguinhos muda de nome para fazer um ‘rebranding’. Vira Refit.

2025 — Operação da Receita Federal atinge a empresa e fala em prejuízo de R$ 26 bilhões.