Poder e Governo

Direita silencia diante de repercussão positiva de Lula e Trump e evidencia discurso desalinhado

Com derrotas em série desde o tarifaço, aliados de Bolsonaro evitam abordar encontro. Levantamento mostra que foto de presidentes teve ampla repercussão

Agência O Globo - 28/10/2025
Direita silencia diante de repercussão positiva de Lula e Trump e evidencia discurso desalinhado
Foto: © AP Photo / Ben Curtis

O silêncio de governadores e as reações contidas de outras figuras da oposição ao encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o americano Donald Trump evidenciam o momento desfavorável da direita após uma série de reveses nos últimos meses. Além da ausência de comentários por parte de nomes relevantes do campo político, aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro adotaram discurso desalinhado para enfrentar a repercussão da reunião bilateral nas redes.

CPI do INSS:

Trama golpista:

Após um começo de ano positivo, embalado pela queda do petista nas pesquisas na chamada “crise do Pix”, os bolsonaristas se depararam com derrotas em série no segundo semestre. Quando o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se mudou para os EUA, articulou as tarifas e sanções contra o Brasil, os governadores de direita que despontam como possíveis presidenciáveis moldaram o discurso para associar o movimento de Trump à postura de Lula, que seria “antiamericana”.

O argumento era de que o país não estava buscando a devida interlocução com a maior potência do mundo, o que ficou difícil de sustentar depois do encontro do fim de semana — que rendeu até “feliz aniversário” do republicano ao brasileiro e elogios voltados para o “vigor” dele. Depois da reunião e da foto em que os dois presidentes aparecem sorridentes lado a lado, Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG), Ratinho Júnior (PR) e Ronaldo Caiado (GO) não se manifestaram. Outro silêncio sentido foi o do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), principal comunicador digital do bolsonarismo, que nada falou.

Imagem viral

Mapeamento da Quaest por meio da ferramenta QuaestScan, desenvolvida pelo instituto para monitorar imagens e áudios na internet, dá a dimensão do peso político da imagem de Lula com Trump. A foto somou 72 milhões de visualizações e 22 milhões de curtidas, juntando perfis em redes como Instagram, X, TikTok e Facebook. Até então, a foto do petista com maior número de views era uma ao lado de Janja, em agosto de 2021, que teve 65 milhões.

— A foto publicada e amplamente visualizada é um exemplo claro da política como imagem, que mesmo sem legenda fala sobre o que aconteceu. O sorriso, a postura, o aperto de mão, tudo é simbólico — avalia o diretor da Quaest, Felipe Nunes.

Mesmo a família Bolsonaro foi mais contida na reação. Alguns aliados do ex-presidente se concentraram em se vangloriar do fato de Trump ter dito, quando perguntado pela imprensa, que “sempre gostou” de Bolsonaro e que “se sentiu mal” pelo que aconteceu com ele.

“Lula encontra Trump e na mesa um assunto que claramente incomoda o ex-presidiário: Bolsonaro. Imagine o que foi tratado a portas fechadas?”, publicou Eduardo Bolsonaro, indicando que o americano pode ter falado sobre o pai com Lula — não há indícios de que o tema tenha sido abordado.

Outro argumento do clã, manifestado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), foi o de que Lula saiu da reunião de mãos abanando, sem um acordo sólido. O encontro, no entanto, serviu de pontapé inicial para as negociações. Não havia no Planalto e no Itamaraty a expectativa de voltar da Malásia com o anúncio de revogação de tarifas ou de sanções a autoridades.

O próprio estímulo da família Bolsonaro à intervenção de Trump no Brasil já havia sido um tiro no pé da direita, como expuseram várias pesquisas. A visão dos brasileiros sobre os Estados Unidos enquanto nação ruiu, com a percepção desfavorável (48%) superando a favorável (44%) na Genial/Quaest de agosto. Antes, o patamar dos que davam opinião positiva sobre o país ficava perto dos 60%.

Quando o instituto perguntou quem estava agindo de forma mais correta em relação ao tarifaço, 49% responderam que eram Lula e o PT, contra apenas 27% que citaram Bolsonaro e aliados. O rechaço às tarifas superou os 70%.

Para piorar a conjuntura desfavorável, outro gesto classificado internamente como um “presente” para Lula foi a bandeira dos Estados Unidos esticado na Avenida Paulista, no feriado de 7 de setembro, durante manifestação bolsonarista. Veiculada no dia da Independência do Brasil, a imagem serviu de munição para apoiadores do petista evocarem novamente o discurso de soberania, em contraponto ao “entreguismo” do outro lado.

O bolsonarismo, no entanto, ainda se sentia amparado, em última instância, pelo apoio de Trump. Mas até isso começou a ruir quando, após o encontro que durou 39 segundos na sede da ONU, o presidente da maior economia do mundo declarou que teve uma “química inesperada” com Lula. Entre esse episódio e a reunião de domingo na Ásia, houve também uma ligação telefônica dos dois presidentes, na qual alinhavaram as bases para a conversa presencial — e não falaram sobre Bolsonaro.

Em outra seara, a direita ficou associada à PEC da Blindagem, rejeitada por 63% na pesquisa Genial/Quaest de outubro, e à impopular pauta da anistia, também repelida pela maioria, que fizeram a esquerda ir às ruas para protestar no final de setembro. As sondagens de opinião pública mostram que as manifestações foram interpretadas como uma vitória política do governo.

Desgaste inédito

Pesquisadora do Cebrap e autora do livro “Menos Marx, mais Mises: O liberalismo e a nova direita no Brasil”, a cientista política Camila Rocha avalia que o bolsonarismo vive uma crise de proporções inéditas desde o surgimento do fenômeno, há cerca de dez anos.

— Sem dúvida é o pior momento desde que ele surgiu em 2014, 2015. É um período de crise para o bolsonarismo. Isso não significa que o movimento político morreu, mas é o pior momento — afirma.

Além do tarifaço, de pautas impopulares e da condenação de Bolsonaro, a pesquisadora aponta que a própria mudança de postura do governo Lula, que entrou em fase mais propositiva, colocou a oposição nas cordas.

— Como, por exemplo, quando levanta a questão da taxação de bilionários, das bets, o fim da escala 6x1, e a oposição bolsonarista não apoia nenhuma dessas pautas, que são muito populares. Isso também não ajuda nem um pouco o bolsonarismo a recuperar um espaço maior nessa disputa narrativa — analisa

Tudo isso ocorre enquanto o bolsonarismo, refém da tomada de decisão do ex-presidente, ainda não definiu um nome para disputar contra Lula em 2026. É com base nisso que alguns artífices da oposição têm alegado que, quando houver um candidato consolidado, o jogo ficará mais equilibrado. Foi o que disse nessa segunda, nas redes, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que compartilhou dados de uma pesquisa que mostraria o “teto baixo” do presidente. “Lula voa, mas é um bimotor. Basta surgir um jato da oposição para olhá-lo de cima”, escreveu o ex-ministro de Bolsonaro.

(Colaborou Yago Godoy)