Poder e Governo

Oposição apadrinha verba 'paralela' e disputa obras com o governo

Verba do Executivo foi manejada por deputados e senadores para destinar obras e maquinário agrícola para suas bases eleitorais. Estudo diz que manobra permite ‘apropriação individual e opaca de recursos coletivos’

Agência O Globo - 28/10/2025
Oposição apadrinha verba 'paralela' e disputa obras com o governo
- Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Líder da oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva () no Senado, (PL-RN) correu às redes sociais para anunciar que iria “acabar de uma vez por todas com a falta d'água que assola” o Rio Grande do Norte, onde pretende concorrer a governador. O comunicado foi feito em setembro do ano passado, no mesmo dia em que a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) lançou a licitação da adutora do Agreste, que prevê abastecer municípios do interior do estado.

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— Alocamos R$ 45 milhões que estão sendo garantidos no Orçamento para essa obra — explicou Marinho, em um vídeo.

O recurso, embora apadrinhado por um aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), faz parte, na verdade, do caixa do próprio governo Lula. A verba, em tese de uso discricionário do atual presidente, vem sendo manejada pelo Congresso, em uma manobra classificada pela ONG Transparência Brasil como emendas “paralelas” de bancada. O movimento vem ajudando parlamentares de oposição a disputarem a paternidade de iniciativas, como obras e envio de equipamentos agrícolas, destinados às suas bases eleitorais, além de engordar o montante de emendas ao qual têm direito.

No ano passado, o Orçamento previa R$ 8,5 bilhões em emendas de bancada, que são de pagamento impositivo, divididas entre os 26 estados e o Distrito Federal. Conforme estudo da Transparência Brasil, outros R$ 3 bilhões foram alocados como verba “livre” do governo, mas vem sendo liberados seguindo determinações do Congresso, funcionando assim como “emendas paralelas”. A Codevasf foi o principal canal desse tipo de emenda, com R$ 313 milhões mapeados pelo estudo.

Levantamento do GLOBO a partir dos ofícios enviados pelos parlamentares à Codevasf, e obtidos via Lei de Acesso à Informação, mostra que três dos cinco principais padrinhos em 2024 se colocam como oposição ao governo Lula. Além de Marinho, a lista inclui o senador Wilder Morais (PL-GO) e o deputado Danilo Forte (União-CE).

Completam a relação o deputado Castro Neto (PSD-PI), cujo irmão dirige a superintendência da Codevasf no Piauí, e o atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Procurados para comentar a destinação dos recursos, Marinho, Wilder e Danilo Forte confirmaram terem sido os padrinhos das indicações, enquanto Alcolumbre argumentou ter assinado os ofícios “no papel de coordenador da bancada” do Amapá. Castro Neto não retornou os contatos.

Briga por autoria

Marinho apadrinhou o envio de R$ 25 milhões em emendas “paralelas” para a adutora do Agreste, que também recebeu outros R$ 20 milhões em emendas de bancada “tradicionais”. Ao explicar o repasse para a obra, o senador diz que houve articulação direta com o então relator do Orçamento, Luiz Carlos Motta (PL-SP), seu colega de partido.

Em viagem recente ao Rio Grande do Norte, Lula assinou a ordem de serviço para o início da obra, licitada pela Codevasf, e disse que ela só foi viabilizada por ter sido incluída no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Procurado, Marinho argumentou que a inclusão no PAC foi apenas “simbólica”, e acusou o governo Lula de “morosidade na condução do processo”. Ele pretende concorrer ao governo do Rio Grande do Norte contra o grupo da atual governadora, Fátima Bezerra (PT), aliada de Lula.

“O governo federal incluiu a obra no PAC em 2023 apenas no papel, mas não previu nenhum recurso no orçamento de 2024 para sua execução. Foi o senador quem viabilizou recursos para a adutora”, afirmou Marinho, por meio de sua assessoria de imprensa.

Nas redes sociais, Wilder apareceu com prefeitos do PL em diferentes municípios goianos, no período eleitoral de 2024, e disse que a destinação de equipamentos através da Codevasf era “promessa de campanha”. Em julho de 2024, ofício enviado pela bancada goiana ao presidente da Codevasf listou o senador como padrinho de R$ 25,9 milhões em recursos, para custear itens como motoniveladoras, tratores e caminhões.

Segundo o próprio senador, ao menos três municípios “estão em processo de doação” para receber caminhões coletores. Em um deles, Corumbá de Goiás, Wilder gravou vídeo ao lado do prefeito reeleito Chico Vaca (PL), que disse que a cidade já estava “colhendo grandes frutos” pelo apoio do senador, entre os quais a doação de um caminhão.

Em nota, Wilder também disse ter articulado as emendas via Codevasf junto ao relator do Orçamento. “Essa cota foi incorporada ao orçamento da bancada e está sob indicação do senador, sendo direcionada ao atendimento de demandas específicas”, disse o senador ao GLOBO.

Já o deputado Danilo Forte, que relatou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano passado, apadrinhou R$ 24,3 milhões em emendas “paralelas” de bancada, conforme os ofícios enviados à Codevasf. Um dos destinos foi uma obra de pavimentação no município de Irauçuba (CE), avaliada em R$ 3,4 milhões, onde o deputado foi saudado, em julho, com uma faixa que lhe agradecia pelo “importante recurso destinado”.

Procurado, o deputado disse que “como se tratam de emendas, se pressupõe que serão indicadas por parlamentares”. No mês passado, Forte afirmou que seu partido, o União Brasil, “não deveria nem ter entrado” no governo Lula e defendeu a entrega de cargos na atual administração.

Orla em reduto eleitoral

Os beneficiados com as emendas “paralelas” também incluem aliados do governo Lula, como Alcolumbre. Em ofício enviado à Codevasf em maio de 2024, o presidente do Senado orientou a alocação de R$ 6 milhões desse tipo de recurso em uma reforma na orla do município de Santana. A obra faz parte de uma série de intervenções no chamado “setor comercial e portuário” da cidade, objeto de uma licitação de R$ 45 milhões realizada pela Codevasf no ano passado.

Procurado, Alcolumbre afirmou que esses recursos são “fruto do trabalho conjunto” da bancada, e que ele atua para “viabilizar recursos e apoiar a execução de projetos que impactam positivamente o estado”.

Segundo a Transparência Brasil, as emendas “paralelas” representam uma “apropriação individual e opaca de recursos coletivos”. O relatório mostrou que a autoria das indicações não aparece no portal da transparência, o que dificulta a fiscalização. Além disso, por não estarem formalmente classificadas como emendas no Orçamento, as indicações “paralelas” driblaram decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender repasses parlamentares no segundo semestre do ano passado, e seguiram sendo empenhadas naquele período.