Poder e Governo
Entrevista: ‘Trump sacrifica Bolsonaro se tiver ganhos com Lula’, diz Matias Spektor, professor da FGV
Autor de livros sobre a relação Brasil-EUA avalia que petista teve vitória com sinalização positiva do americano, mas pondera que o republicano é ‘pouco confiável’
Autor de livros que analisam diferentes momentos da relação diplomática entre Brasil e Estados Unidos, o pesquisador Matias Spektor afirma que a sinalização de Donald Trump ao dizer que a conversa com Lula foi “muito boa” representa uma vitória para o presidente brasileiro. É preciso, no entanto, adotar cautela. Trump, diz Spektor, é “pouco confiável” e tem como modus operandi um vaivém constante.
O professor da Escola de Relações Internacionais da FGV avalia ainda que o americano não hesitará em sacrificar Bolsonaro se perceber que pode obter ganhos na relação com Lula.
Michelle chama esquerda de 'maldita' e ataca Lula e Janja por presença em igrejas:
Vídeo:
A sinalização de Trump de que a conversa com Lula foi “muito boa” é uma vitória para o brasileiro e uma derrota do bolsonarismo?
Sim, no sentido de que abriu a possibilidade de negociações, e era isso que o governo queria. É também uma derrota para o bolsonarismo porque, ao abrir a possibilidade de negociações, dificulta o trabalho de Eduardo Bolsonaro, que tenta criar uma muralha entre os governos Trump e Lula. Agora, o motivo pelo qual isso aconteceu não é necessariamente porque o Brasil conseguiu virar a opinião de Trump, é mais porque o processo decisório no governo Trump é muito bagunçado. Não há disciplina suficiente dentro do governo para manter uma linha só em cada área. Trump é o presidente do vaivém, então precisamos ser cautelosos com a sinalização dele. Estamos hoje num cenário favorável a negociações, mas isso pode mudar.
Como avalia a “química” entre Lula e Trump, depois de meses de tensão?
Trump é, antes de mais nada, um negociador. Foi treinado e se desenvolveu como personalidade pública, desde o início, no setor imobiliário. Negociar duramente é da essência de quem ele é. Portanto, é natural que coloque uma ênfase enorme no laço interpessoal, no olho no olho, na química, e isso é muito parecido com o estilo do Lula, que também é um negociador exímio, mas vindo do outro lado do balcão — enquanto Trump sempre foi patrão, Lula representou os trabalhadores. A diferença entre eles é o estilo negociador em si. Trump tem um estilo abrasivo, que chega chutando a porta e virando a mesa na cara do oponente, ao passo que Lula é da conciliação.
No livro “18 dias”, o senhor se refere a essa mesma “química” ao apontar como Lula fez um encontro com Bush durar mais que o previsto em 2002. Esse personalismo na política externa é uma marca do petista?
O personalismo é a marca registrada tanto de Trump quanto de Lula. O que significa que num processo de conversa bilateral cara a cara entre eles podemos ver uma virada de jogo da qual os dois saiam com um entendimento melhor do que têm hoje. Mas também pode ser uma situação de muito risco para Lula, na qual a química desanda rapidamente. Isso dito, já vimos que personagens que Trump destrata num primeiro momento, como Zelensky, podem acabar virando o jogo. Porque a situação muda: Trump é imprevisível, pouco confiável. O jogo com Trump não é tentar um acordo perene. São sempre movimentos táticos, de momento a momento: chutar a bola para frente e manter o jogo em movimento. Essa é a dinâmica que Lula precisa fazer. Trump é muito inconfiável para qualquer parceiro achar que pode estabelecer um equilíbrio sustentável a longo prazo.
O que achou dos temas mencionados na conversa por telefone, que preteriu as pautas mais políticas?
A Casa Branca e o Planalto conseguiram montar uma conversa em que os presidentes puderam conversar se mantendo distantes do tema que causou inicialmente a imposição de tarifas, que é a situação política e jurídica do bolsonarismo. Como esse tema está na origem do problema, é plausível que volte a aparecer na agenda bilateral nos próximos meses, sobretudo num contexto eleitoral brasileiro. No entanto, é igualmente plausível que Trump esteja disposto a sacrificar Bolsonaro se entender que na relação com o governo Lula há ganhos concretos para os Estados Unidos, seja na área comercial ou diplomática. É isso que dá ao governo Lula, hoje, a expectativa de negociações produtivas com a Casa Branca.
Na futura conversa presencial, Lula deveria mencionar temas políticos ou evitá-los?
É possível, e muito provável, que Trump traga à tona o processo de Bolsonaro. E para Lula a única resposta possível é dizer, corretamente, que a Corte Suprema brasileira é separada do Executivo e que não há nada que o presidente possa fazer para reverter a decisão. Mas Lula tem que esperar Trump trazer essas questões, não ele mesmo levá-las. O foco de Lula, no entanto, não deveria estar apenas na questão comercial. A agenda financeira é gigantesca, a diplomática também. Brasil e EUA trabalham juntos em muitas instâncias. Lula precisa levar a mensagem realista de que o que está em jogo na relação bilateral é muito grande, não se limita à questão comercial. Conversa cara a cara com Trump sempre envolve enorme risco, mas também grande oportunidade. A relação bilateral degringolou de maneira tão estrepitosa, por decisões de Trump, que é pouco plausível imaginar a retomada do nível decente de diálogo sem um encontro pessoal entre os presidentes.
Trump parece de fato preocupado com a situação de Bolsonaro ou isso é uma cortina de fumaça para maquiar outros interesses?
Trump tem uma preocupação real com o Bolsonaro que é a preocupação com a trajetória da nova direita mundo afora. Acredita que Bolsonaro está sendo perseguido, e isso seria uma perseguição à nova direita na Europa, nas Américas, na Ásia etc. Essa preocupação não me parece cortina de fumaça, mas também não significa que Trump não tenha outros interesses. De novo: se perceber que nas conversas com Lula está tirando um bom negócio para os Estados Unidos, não hesitará em concretizar essa vitória, mesmo que isso signifique sacrificar Bolsonaro na pessoa física.
O que representa a escolha de Marco Rubio para comandar as conversas com o Brasil?
Rubio é pré-candidato à sucessão de Trump, qualquer comportamento dele deve ser interpretado sob essa luz. Ele está tomando decisões em todas as áreas, e com muita ênfase na Venezuela, de olho na futura campanha. Acredito que o interesse central do Rubio seja não ter uma agenda problemática com o Brasil para se concentrar em outros temas que o ocupam. Nesse sentido, pode haver um entendimento entre os países, porque nos últimos meses a relação do governo Lula com Venezuela, Nicarágua e Cuba esfriou. Se o Brasil fosse visto por Rubio como um ator muito próximo a esses países, seria mais difícil. Tendo em vista o afastamento, é plausível que Rubio veja hoje o Brasil como um potencial parceiro na região.
Mais lidas
-
1COMUNICAÇÃO
TV Asa Branca corta contratos e congela novos projetos após disputa judicial com TV Gazeta
-
2CRIME
Duas prisões por crimes de pedofilia chocam Palmeira dos Índios
-
3ARAPIRACA
Prefeitura recupera vias nos bairros Guaribas e Verdes Campos em Arapiraca
-
4DIA INTERNACIONAL DA MULHER
8 de março: policial, mas antes de tudo mulher
-
5MACEIÓ
Rui Palmeira denuncia que aplicação do Banco Master foi feita com consultoria investigada pela PF