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'A situação é difícil e não irá melhorar': sob ameaça de invasão russa, Pokrovsk fica sem água, gás e eletricidade

Cidade está sob intensos ataques das forças de Moscou, que consideram sua captura estratégica para ampliar domínio da região de Donetsk

Agência O Globo - GLOBO 12/09/2024
'A situação é difícil e não irá melhorar': sob ameaça de invasão russa, Pokrovsk fica sem água, gás e eletricidade
'A situação é difícil e não irá melhorar': sob ameaça de invasão russa, Pokrovsk fica sem água, gás e eletricidade - Foto: Reprodução/internet

O governador da região ucraniana de Donetsk afirmou nesta quinta-feira que o fornecimento de água para Pokrovsk, hoje o alvo principal da ofensiva russa, foi suspenso em meio a bombardeios contra a infraestrutura local, e que a população, já sem gás natural e eletricidade, tem à disposição apenas alguns poços artesianos. A cidade é considerada estratégica para Moscou, que não tem medido esforços para conquistá-la antes do final do ano.

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Em mensagem no Telegram, Vadym Filashkin disse que um sistema de tratamento de água que atende Pokrovsk foi atingido por disparos russos, e que “atualmente é impossível retomar seu funcionamento”. O político, que ocupa o posto desde o final do ano passado, disse que foram disponibilizados 75 poços públicos na cidade, e 250 outros foram perfurados por administradores de prédios habitacionais.

Ele terminou a publicação com um apelo direto aos moradores.

“A situação é difícil e não irá melhorar num futuro próximo. Por isso, apelo novamente: evacuem! A evacuação é a única escolha certa para os civis!”, escreveu Filashkin.

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Na véspera, o governador afirmou que o último posto de distribuição de gás natural havia sido destruído pelos russos — nas últimas semanas, o suprimento tem sido intermitente devido aos ataques contra infraestruturas básicas, um modus operandi repetido pela Rússia em outras cidades que estão prestes a ser invadidas.

“Todos os dias há cada vez menos lojas em Pokrovsk e as condições de vida tornam-se cada vez mais difíceis”, disse no Telegram.

Também não há mais eletricidade — uma subestação foi destruída recentemente, deixando quase todos às escuras —, e o político relatou, há alguns dias, que apenas 26 mil pessoas permanecem em Pokrovsk, mas não se sabe até quando.

— Veja o que os russos fizeram para nós. Trabalhei aqui por 30 anos, e agora estou indo embora deixando tudo para trás — disse à BBC Maria Honcharenko, moradora de Pokrovsk e que estava deixando a cidade com uma mala e seus dois gatos, ao ser ajudada a entrar em um ônibus que a levaria para longe dos combates. — Meu coração para todas as vezes em que escuto um estrondo.

Em outra parte da cidade, Vitalia Trusova, economista da rede ferroviária nacional, ao lado de uma de suas filha, observava seus objetos pessoais sendo colocados em um caminhão de mudança.

— Nós estamos indo embora para sempre — afirmou ao New York Times, na semana passada. — Eu e meus filhos vamos construir uma vida nova em algum lugar mais calmo.

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Até semana passada, a principal rota de fuga era a estação ferroviária, com trens que rumavam para áreas teoricamente mais seguras no oeste — o que não significa que estejam a salvo dos bombardeios, que atingem até Lviv, perto da fronteira com a Ucrânia. Contudo, com a deterioração das condições de segurança, a estação foi fechada, na quinta-feira passada, e os serviços mais próximos estão disponíveis em Pavlohrad, na região de Dnipropetrovsk, a cerca de 100 km de Pokrovsk.

Para os que tentam escapar de carro, as rotas disponíveis são poucas e cada vez mais inseguras. Nesta quinta-feira, a administração militar de Pokrovsk anunciou a destruição de uma ponte que ligava a cidade à vizinha Myrnohrad. Não houve relatos de feridos.

— Eles [militares ucranianianos] deveriam ter defendido aqui — disse Iryna Sekreteva, de 39 anos, pouco antes de deixar a cidade com seu filho de 15 anos, Bohdan, ao New York Times. — Agora, eles vão recuar. É isso que tememos. Essa é a opinião na cidade.

Tomar Pokrovsk, que antes da guerra tinha 60 mil habitantes, é um passo estratégico para Moscou dominar por completo a região de Donetsk e minar a capacidade defensiva de Kiev no leste do país. Pela cidade passam, além de uma ferrovia de transporte de cargas e passageiros, uma rodovia usada como uma linha vital de suprimentos para as linhas de frente ucranianas. Uma eventual captura russa cortaria essa rota, e poderia inviabilizar a continuidade de ações de resistência.

Segundo informações de autoridades militares e de blogueiros de guerra, dos dois lados do conflito, os russos tomaram, na terça-feira, ao menos duas vilas nos arredores de Pokrovsk, Lysivka e Marynivka — em Lysivka, imagens divulgadas em redes sociais e confirmadas através de geolocalização mostram uma bandeira da Rússia hasteada em uma área urbana. O relatório diário elaborado pelo Institituto do Estudo da Guerra, baseado nos EUA, aponta pelo menos 11 áreas de combate na mesma área, e os russos estão em vantagem.

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Analistas militares afirmam que os russos estão tentando avançar pelos flancos para evitar combates diretos contra as forças ucranianas nos arredores de Pokrovsk, que estão acumulando munição, tropas e meios de defesa na área urbana, cada vez mais esvaziada e em ruínas. Em locais onde antes havia parques e cafés, hoje há homens cavando trincheiras e instalando barricadas.

Um roteiro similar ao visto em Adviivka e Bakhmut, também em Donetsk e que presenciaram alguns dos mais violentos combates desde o início da guerra, em fevereiro de 2022 — em Bakhmut, estimativas apontam que até 30 mil homens da Rússia morreram ou ficaram E pelos relatos das batalhas nos arredores de Pokrovsk, a tática de “moedor de carne”, com elevados números de baixas e avanços por vezes de poucos metros ao dia, está sendo aplicada mais uma vez pelo comando russo.

A eventual conquista de Pokrovsk poderá abrir caminho em direção a Chasiv Yar, uma cidade menor, que tinha 12 mil habitantes antes do começo da guerra (hoje restam menos de 600), mas cuja importância está no relevo: com uma elevação de 233 metros acima do nível do mar, ela pode servir como ponto de ataque privilegiado contra posições ucranianas em partes mais baixas.

Segundo o Instituto para o Estudo da Guerra, os russos estão atacando pontos de entrada da cidade e tentam assumir o controle de um canal que cruza a área urbana. Os ucranianos estão resistindo até o momento, mas suas posições correm severo risco, ainda mais se Pokrovsk cair.

O rápido avanço dos russos no leste é, ao menos em parte, creditado à decisão do presidente, Volodymyr Zelensky, de realocar algumas de suas melhores unidades para lançar uma inesperada incursão na região russa de Kursk. Desde o começo do mês passado, as tropas ocuparam cerca de mil km² dentro da Rússia, e a intenção de Kiev era forçar Moscou a mudar sua estratégia e conseguir alguma vantagem em eventuais negociações de paz.

O plano não funcionou, e os russos enviaram para Kursk forças de regiões onde não há combates intensos ou mesmo que estavam em outros países, como os milicianos vindos da África. Além disso, a retirada das forças mais capacitadas de funções de defesa foi vista como um elemento facilitador para Moscou.

Para piorar, nesta quinta-feira os russos anunciaram avanços na contraofensiva para expulsar os ucranianos de Kursk: segundo o comando militar, dez vilarejos foram retomados nas últimas 24 horas, e até 20 combatentes ucranianos teriam sido mortos ou feridos.

Durante uma entrevista coletiva em Kiev, ao lado do presidente da Lituânia, Gitanas Nauseda, Zelensky não pareceu preocupado: de forma enigmática, disse que “tudo está indo de acordo com nosso plano ucraniano".