Internacional

Entenda: por que republicanos anti-Trump que discursam na convenção são ouro para democratas

Ex-vice-governador, ex-deputado, prefeito e duas mulheres que tiverem cargos importantes no primeiro governo do republicano pedirão a eleitores conservadores que evitem o que descrevem ser o desastre da volta do trumpismo à Casa Branca

Agência O Globo - GLOBO 20/08/2024
Entenda: por que republicanos anti-Trump que discursam na convenção são ouro para democratas
Donald Trump - Foto: reprodução- agência Brasil

Há cinco republicanos confirmados para discursar na Convenção Nacional Democrata até esta quinta-feira. Todos endossaram a vice-presidente Kamala Harris e alguns já haviam declarado apoio à abortada reeleição do presidente Joe Biden O número pode até parecer insignificante, mas a migração de lado, em um sistema na prática com apenas dois partidos na disputa, quase sempre significa ostracismo político ao ser tachado como vira-casaca. É raro. Para os democratas, a importância dessas declarações, ao lado das de ex-eleitores "comuns" de Trump, cidadãos que ocuparão todos os dias o palco da arena em Chicago, é enorme. Tão central que criaram até um cargo no comando da campanha para "recrutar republicanos anti-Trump".

Dos republicanos que decidiram anunciar a mudança de lado, o nome mais destacado, e de um estado decisivo em novembro, é o o do ex-vice-governador (cargo que é decidido no voto direto) Geoff Duncan, que foi deputado estadual por três mandatos e apoiou Trump em 2016 e 2020. Ele anunciou seu apoio a Biden em maio em um discurso duro, afirmando que Trump "se desqualificou para voltar à Casa Branca "tanto por sua conduta política quanto por seu caráter”.

O prefeito da cidade de Mesa, em outro estado decisivo, Arizona, John Giles, endossou Kamala no mês passado, com outro discusro poderoso, focado na experiência de 2020 e dos negacionistas do resultado do pleito "que tomaram o partido de assalto" e "quiseram subverter o resultado no nosso estado". Não há Justiça Eleitoral nos EUA e cada estado comanda o processo eleitoral local.

Giles, que deve se dirigir à convenção nesta terça-feira, citou em sua declaração de apoio a Kamala o ex-senador republicano John McCain (1936-2018), que disputou a Casa Branca em 2008 e perdeu para Barack Obama, em sua justificativa para a mudança de lado. “No espírito do lema-símbolo do senador John McCain, 'O país primeiro', também apelo a outros republicanos do Arizona a se juntarem a mim e colocar o país à frente do partido nesta eleição e votarem contra Donald Trump”, escreveu Giles nas páginas de opinião no The Arizona Republic.

Outro nome de peso simbólico a falar na convenção, na quinta-feira, será o ex-deputado, por seis mandatos, Adam Kinzinger, militar e do estado do Illinois, onde ocorre o evento democrata, mas eleito em distrito bem mais conservador do que Chicago. Ele fez parte do comitê especial da Câmara que investigou o papel de Trump no ataque de 6 de janeiro ao Capitólio e decidiu não concorrer à reeleição em 2022 após votar pelo impeachment de Trump. Em junho, afirmou ter certeza de que “Donald Trump ameaça o futuro dos EUA” e endossou Biden. Anunciará o apoio a Kamala esta semana e sue "decidido esforço" de expandir o grupo batizado de Republicanos Por Kamala.

Parte do que alguns delegados democratas estão chamando, de forma reservada, de "os cinco mosqueteiros", Olivia Troye ocupará um espaço na convenção democrata após ter um posto importante na equipe de Segurança Nacional da Casa Branca de Trump em 2016. No X, postou que "um segundo mandato de Trump significa ainda mais caos". Mais tarde, afirmou: “Como republicana de longa data, posso não concordar com Kamala Harris em tudo, mas confio nela para proteger as nossas liberdades individuais, defender o Estado de direito e exercer uma liderança séria no tabuleiro global”. Troye falará na convenção na noite desta quarta-feira.

Completa o grupo a ex-secretária de imprensa de Trump, Stephanie Grisham, que fez dicurso poderoso na noite desta terça-feira. Assim como Troye, ela criticou Trump e sua campanha via X, e se aliou ao grupo que divulga a #RepublicansForHarris. Em sua fala, deve encorajar, adiantou à imprensa americana, "que outros republicanos nos ajudem a garantir que Donald Trump jamais retorne à Casa Branca".

Em nota por escrito enviada à imprensa, amigos e correligionários ela afirmou "jamais ter pensado que falaria em uma convenção democrata”. Mas que, "depois de ver em primeira mão quem realmente é Donald Trump e a ameaça que ele representa para o nosso país, sinto-me segura em falar abertamente sobre o que é preciso”. Na convenção, afirmou que Trump "é amoral" enquanto Kamala "diz a verdade, respeita as pessoas e terá meu voto" e foi muito aplaudida a afirmar ter sido a primeira pessoa do governo Trump a pedir demissão.

Grisham trabalhou em diversos postos na Casa Branca de Trump e pediu demissão após o ataque ao Capitólio. À rede NBC, ela também frisou que não concorda com Harris em todos os aspectos de sua visão de país, mas que tem "orgulho de apoiar a candidatura de quem defenderá nossas liberdades e representará nossa nação com honestidade e integridade”.

"Trump não representa os valores republicanos"

São declarações como esta que os democratas pretendem reproduzir em peças de propaganda nos sete estados decisivos nos próximos dois meses e meio. Conseguir trazer um número ainda que pequeno de eleitores tradicionalmente republicanos para seu campo ou mesmo fazê-los ficar em casa em novembro pode ser crucial em disputas que podem ser decididas por menos de 1 ponto percentual.

Na primeira noite da convenção, tiveram destaque depoimentos de republicanos sem cargo eletivo ou posição nos governos comandados pelo partido que contaram terem votado anteriormente em Trump, mas agora apoiam Kamala. A ação que busca encontrar nomes de destaque em suas comunidades nos países decisivos dispostos a mudar de lado este ano tem até um comando interno no Partido Democrata.

Veterano assessor parlamentar republicano, inclusive do deputado Kizinger, Austin Weatherford foi alçado ao recém-criado posto de Diretor de Engajamento Republicano na campanha Kamala-Walz. À CBS, ele afirmou que este "é apenas o mais recente esforço de campanha para se aproximar dos republicanos anti-Trump". Em comunicado à imprensa, afirmou nesta terça-feira que a campanha "continuará lembrando aos eleitores republicanos que Donald Trump não representa os valores deles."

A título de comparação, na Convenção Nacional Republicana, mês passado, o nome mais distante do partido a ter lugar de destaque foi o presidente do Sindicato dos Caminhoneiros, Sean O' Brien, que anunciou sempre ter votado democrata mas este ano, por conta do aumento do custo de vida, entre outros tópicos, não havia anunciado apoio a qualquer lado. Mesmo sem anunciar apoio a Trump na festa republicana em Milwaukee, seu pedido para falar no evento democrata foi educadamente negado. E uma das ausências mais notadas foi a do vice-presidente de Trump em 2016, Mike Pence, que, no papel de presidente do Senado, se recusou a não certificar a vitória de Joe Biden e se tornou um pária no partido.