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Nova frente do Brasil na China mira comércio, pandas e inovação

Em busca de oportunidades, governo acaba de inaugurar novo consulado em Chengdu, que fica na região que mais cresce no país

Agência O Globo - GLOBO 14/07/2024
Nova frente do Brasil na China mira comércio, pandas e inovação

Um templo budista de 1.600 anos cercado de telões futuristas e das maiores grifes de luxo do mundo. Punks com roupas esfarrapadas ao lado de senhoras praticando danças clássicas ao ar livre. Assim é o movimentado centro de Chengdu, a cidade chinesa que combina tradição com modernidade e onde o Brasil acaba de inaugurar o seu mais novo consulado, buscando abrir oportunidades com seu maior parceiro comercial.

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É a primeira missão diplomática brasileira no interior e segue a direção da expansão planejada pelo governo rumo a províncias do oeste como Sichuan, da qual Chengdu é a capital. Com população de 20 milhões, é um nome desconhecido para a maioria dos brasileiros, mas é uma das cidades mais vibrantes do país.

Construído em torno do antigo templo budista, o shopping da cidade atrai filas diárias para as marcas de luxo, apesar da desaceleração no consumo que preocupa o governo. É uma visão que os diplomatas brasileiros em Chengdu terão de suas janelas, já que o novo consulado fica bem ao lado. Em 2021, a loja da Gucci do centro comercial foi a número um no mundo em faturamento. Junto com a megacidade vizinha de Chongqing, Chengdu forma uma zona econômica que ano passado foi responsável por quase 7% do PIB chinês.

A região é a que mais cresce na China e reserva oportunidades que já são difíceis de acessar em cidades como Pequim, Xangai e Cantão, onde a competição é muito maior, diz José Mário Antunes, diretor da consultoria BellaTerra, que vive há 16 anos no país. Ex-representante de entidades como ApexBrasil e InvestSP, Antunes acredita que o consulado vai abrir portas na região, ao sinalizar às empresas chinesas a disposição do governo brasileiro de alavancar a cooperação entre os países.

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Mas não basta abrir o consulado: é preciso correr atrás de parcerias, como mostra a experiência de outros 15 países que têm representações em Chengdu. É o caso de Israel, que mantém um consulado na cidade há dez anos, no mesmo prédio onde fica o do Brasil. Amanhã, uma empresa israelense de material cirúrgico assina acordo para abrir uma fábrica na cidade — exemplo de como um consulado pode ser útil para facilitar negócios entre países, diz Gadi Harpaz, o cônsul de Israel.

Tecnologia e ciência

Ciência e tecnologia são pontos fortes de Chengdu. Uma das primeiras a implantar um centro-piloto de inovação, no início do programa de reforma e abertura do país, a cidade continua na vanguarda da experimentação. Foi escolhida para abrigar uma das “cidades do futuro” que estão em planejamento, e suas universidades se destacam pelo alto investimento em pesquisa.

A fluminense Thaís Nascimento França é testemunha disso. Em Chengdu desde 2019, ela está na fase final de conclusão do doutorado na Universidade Southwest Jiaotong. A vantagem de estudar na cidade? Recursos ilimitados, diz ela, que pesquisa tecnologia eletromagnética de trens que “flutuam” em alta velocidade. Bem diferente das dificuldades que viveu como pesquisadora na UFRJ.

— Tudo o que é tecnologia a China está pesquisando. Investem em todas as áreas e não economizam. Quem estiver de olho vai encontrar muita coisa interessante para o Brasil — diz ela, que estranhou não ter sido comunicada sobre a inauguração do consulado.

Outra brasileira residente em Chengdu que não sabia do evento foi a estudante mineira Luciana Costa Carvalhal. Mas mesmo que soubesse, seria difícil comparecer: ela se casou no mesmo dia com o namorado chinês. Foi para Luciana o primeiro documento emitido pelo novo consulado, uma “certidão de solteira”, exigido para oficializar a união. Em Chengdu desde 2019, ela diz gostar do dia a dia menos corrido do que em outras cidades do país, e mais parecido com o de sua cidade, Sete Lagoas.

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De fato, Chengdu tem a reputação de ser uma das mais cidades descontraídas do país, e de ocupar o topo do “ranking de felicidade”. Também é conhecida como a capital LGBT+ chinesa, recebendo o apelido de “Gaydu”. Embora a união entre pessoas do mesmo sexo não seja reconhecida no país, a cidade celebrou os primeiros casamentos gays simbólicos da China.

A comunidade brasileira em Chengdu é bem pequena, portanto, a principal tarefa será a emissão de vistos para chineses que querem viajar ao Brasil. A demanda é crescente. Em maio foram cerca de 4.400 documentos em todo o país. Em Pequim, a alta procura tem levado despachantes a cobrarem até 4.000 yuans (R$ 3 mil) por um lugar na fila. A expectativa é que Chengdu emita cerca de 600 por mês.

Chefe do ApexBrasil na Ásia e no Pacífico, Rodrigo Gedeon diz que há uma “procura represada” de empresas no interior da China por negócios no Brasil, que não é atendida por falta de presença na região. Ele dá o exemplo dos miúdos de carnes, que têm um enorme mercado em Sichuan pela tradição do hot pot, espécie de ensopado que é a febre da culinária local.

— A estratégia de regionalização, de entender que a China não é um mercado único, é um passo a mais na profissionalização da estratégia brasileira na China — explica.

‘Soft power’

Acima de tudo, Chengdu ocupa um lugar especial no coração dos chineses por ser o lar dos pandas gigantes. O professor de Educação Física Zhang viajou 3 mil km da província de Harbin para mostrar os ursos à filha Xiuli, de 7 anos, “uma lembrança que ela levará para a vida toda”, diz, em frente a uma das jaulas. O símbolo nacional não se restringe à fofura que atrai 20 milhões de turistas anualmente à cidade: é instrumento de relações públicas do país, conhecido como a “diplomacia do panda”. A abertura do consulado em Chengdu serve como um incentivo a mais para que a China ceda dois pandas ao Brasil.

A oferta já foi feita e o desfecho depende do governo federal. Quatro zoológicos disputam os animais, dizem fontes. Há uma expectativa de que o anúncio ocorra na visita em novembro do presidente chinês, Xi Jinping, num gesto simbólico aos 50 anos de estabelecimento das relações diplomáticas. Mas a fofura não sai de graça: a instituição terá que pagar US$ 1 milhão por ano para ter os pandas.