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Político da Coreia do Sul culpa mulheres pelo aumento de suicídios masculinos; entenda

Coreia do Sul tem uma das maiores taxas de suicídio entre os países ricos do mundo, mas também tem um dos piores registros de igualdade de gênero

Agência O Globo - EXTRA 10/07/2024
Político da Coreia do Sul culpa mulheres pelo aumento de suicídios masculinos; entenda

Um político da Coreia do Sul está sendo criticado por fazer comentários misóginos e infundados depois de vincular o aumento de suicídios masculinos ao papel cada vez mais "dominante" das mulheres na sociedade. Mesmo com as mulheres recebendo 29% menos do que os homens no país, o conselheiro de Seul, Kim Ki-duck, argumentou em um relatório que o aumento da participação das mulheres na força de trabalho ao longo dos anos dificultou para os homens entrarem no mercado e encontrar mulheres que quisessem se casar.

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No relatório ao qual a BBC teve acesso, ele dizia que o país havia recentemente começado a se transformar em uma sociedade dominada por mulheres, e que isso poderia ser parcialmente responsável por um aumento nas tentativas de suicídio masculino.

— Culpar as mulheres por entrarem no mercado de trabalho apenas prolongará os desequilíbrios em nossa sociedade — disse Yuri Kim, diretora do Sindicato das Mulheres Coreanas, à BBC.

A Coreia do Sul tem uma das maiores taxas de suicídio entre os países ricos do mundo, mas também tem um dos piores registros de igualdade de gênero. Os comentários do conselheiro Kim foram criticados como os mais recentes de uma série de observações fora de contexto feitas por políticos homens.

O vereador Kim, do Partido Democrata, chegou à sua avaliação ao analisar dados sobre o número de tentativas de suicídio feitas em pontes ao longo do rio Han, em Seul. O relatório, publicado no site oficial do conselho da cidade, mostrou que o número de tentativas de suicídio ao longo do rio aumentou de 430 em 2018 para 1.035 em 2023 e. entre os que tentaram tirar suas vidas, a proporção de homens subiu de 67% para 77%.

No país, há um abismo substancial entre o número de homens e mulheres que trabalham em tempo integral, sendo que as mulheres trabalham desproporcionalmente em empregos temporários ou de meio período. A diferença salarial entre os gêneros está diminuindo lentamente, mas ainda assim as mulheres recebem, em média, 29% menos do que os homens.

— É perigoso e insensato fazer afirmações como essa sem provas suficientes — disse à BBC Song In Han, professor de Saúde Mental da Universidade Yonsei de Seul.

Ele ressaltou que, globalmente, mais homens tiram suas vidas do que mulheres. Em muitos países, inclusive no Reino Unido, o suicídio é a maior causa de morte de homens com menos de 50 anos. Mesmo assim, o Song disse à BBC que as razões por trás do aumento acentuado de homens que tentam o suicídio em Seul precisam ser estudadas cientificamente, acrescentando que é "muito lamentável" que o conselheiro tenha feito referência ao conflito de gênero.

Nos últimos anos, surgiu um movimento antifeminista, liderado por homens jovens desiludidos, que argumentam que foram prejudicados pelas tentativas de melhorar a vida das mulheres. Parecendo ecoar essas opiniões, o relatório do conselheiro Kim concluiu que a maneira de superar "o fenômeno da dominação feminina" era aumentar a conscientização das pessoas sobre a igualdade de gênero para que "homens e mulheres possam desfrutar de oportunidades iguais".

Coreanos usaram a plataforma X, o antigo Twitter, para denunciar as observações do vereador como "infundadas" e "misóginas", com um usuário questionando se eles viviam em um universo paralelo: “Homem! Você sabia que pode evitar 100% da responsabilidade por suas próprias ações culpando as mulheres? Experimente isso hoje!”, escreveu o usuário @WordsnChaos, no X.

De acordo com a BBC, o Partido da Justiça acusou o vereador de transferir facilmente a culpa para as mulheres da sociedade coreana que lutam para escapar da discriminação de gênero. O partido pediu que ele se retratasse de suas observações e, em vez disso, analisasse adequadamente as causas do problema.

Quando procurado pela BBC para comentar o assunto, o conselheiro Kim disse que "não tinha a intenção de criticar a sociedade dominada pelas mulheres" e que apenas dava sua opinião sobre algumas de suas consequências. No entanto, seus comentários vêm na sequência de uma série de propostas políticas não científicas e, às vezes, bizarras, com o objetivo de lidar com algumas das questões sociais mais urgentes da Coreia do Sul, incluindo doenças mentais, violência de gênero e a menor taxa de natalidade do mundo.

No mês passado, outro conselheiro de Seul, na casa dos 60 anos, publicou uma série de artigos no site da autoridade incentivando as mulheres jovens a fazer ginástica e praticar exercícios para o assoalho pélvico a fim de aumentar a taxa de natalidade.

— Esses comentários resumem o quanto a misoginia é generalizada na Coreia do Sul — disse Yuri à BBC, que também acusou os políticos e formuladores de políticas de nem mesmo tentarem entender os desafios que as mulheres enfrentam, preferindo culpá-las.

Atualmente, as mulheres representam 20% dos membros do Parlamento da Coreia do Sul e 29% de todos os conselheiros locais. O Conselho Municipal de Seul disse à BBC que não havia nenhum processo em vigor para examinar o que os políticos publicavam em seu site oficial, a menos que o conteúdo fosse ilegal. E acrescentou que os indivíduos eram os únicos responsáveis por seu conteúdo e que enfrentariam quaisquer consequências na próxima eleição.