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Análise: missão sul-coreana em Alcântara expõe como os EUA atrasam o programa espacial brasileiro
À Sputnik Brasil, analista aponta que o lançamento do primeiro foguete comercial em Alcântara, celebrado como um marco pelo governo, na verdade ilustra como o acordo firmado com os EUA para o uso da base limita o desenvolvimento tecnológico do país no setor.
O Brasil se prepara para lançar seu primeiro foguete comercial a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), base militar localizada no Maranhão. Intitulada operação Spaceward, a missão é coordenada apela Força Aérea Brasileira (FAB) e tem como objetivo colocar em órbita o foguete Hanbit-Nano, desenvolvido pela empresa sul-coreana Innospace. A janela de lançamento foi programada para o período de 17 a 22 de dezembro.
Inicialmente, o lançamento estava previsto para esta quarta-feira (17), mas foi adiado pela Innospace por questões técnicas. A empresa informou que uma nova tentativa de lançamento será feita na sexta-feira (19), respeitando o prazo da janela estabelecida.
Segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI), a missão "marca a inserção do país no mercado global de lançamentos orbitais e reforça o papel estratégico de Alcântara no cenário internacional".
A verdade, no entanto, pode ser outra. Em entrevista à Sputnik Brasil, a professora de relações internacionais no Instituto de Estudos Estratégicos (Inest), da Universidade Federal Fluminense (UFF), Raquel dos Santos afirma que, apesar de celebrada pelo governo, a operação reflete a incapacidade brasileira de lançar mísseis da base de Alcântara.
Para ter um programa espacial completo, um país deve ser dotado de três capacidades básicas:
"O Brasil não detém a capacidade de lançamento de satélites, o que o Brasil detém é uma infraestrutura de solo, que é o Centro de Lançamento de Alcântara, que pode ser cedido para um outro país, para que esse outro país, que de fato detém a capacidade de lançamento, o faça."
Além do centro de lançamento, o Brasil também possui relativa capacidade de construção de satélites, mas o avanço do país esbarra na capacidade de avançar na tecnologia de lançadores, que o país não possui.
Desde a década de 1990 o Brasil ambiciona entrar no mercado internacional de lançamentos. Por um lado, o país possui a base de Alcântara que, por ser próxima da linha do Equador, já era um local estratégico e favorável para realizar lançamentos ao espaço.
No entanto, ainda restavam inseguranças jurídicas para que empresas utilizassem o centro de lançamento. Se por um lado elas foram resolvidas com o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) firmado entre os Estados Unidos e o Brasil e ratificado em 2019 durante a presidência de Jair Bolsonaro, por outro, ele atrasa o desenvolvimento de uma tecnologia nacional.
Ocorre que muita da tecnologia especial é de uso dual, isto é, servem tanto para fins civis quanto militares. Isto faz com que sua circulação seja extremamente restrita, o que causa justamente a insegurança jurídica superada pelo AST.
E como a maior parte dos satélites têm componentes oriundos dos Estados Unidos, a Casa Branca restringe nos acordos comerciais, onde e quando poderão ser utilizados. Dessa forma, se alguma empresa quer lançar um instrumento do tipo, precisa de autorização de Washington.
Da mesma forma, para que o lançamento ocorra no Brasil e o país ingresse no mercado, o país também precisa ter um acordo com a Casa Branca. Pelos termos do acordo, todos lançamentos de Alcântara não podem avançar a indústria nacional, proibindo ao Brasil receber qualquer tipo de aprendizado o e transferência de tecnologia.
"Os países que detêm essa tecnologia não fornecem esse tipo de tecnologia para países que não a detêm. Por quê? No caso dos veículos lançadores de satélites em específico, eles no seu uso civil servem para o lançamento de satélites, mas no seu uso militar podem ser adaptados para se transformarem em mísseis de médio e longo alcance."
Há décadas os Estados Unidos criam entraves para o avanço do Brasil no desenvolvimento dessa tecnologia, resume Santos. "Por isso fica essa ideia de que, na verdade, a gente alugou ou cedeu a base para os Estados Unidos porque tudo passa por um olhar criterioso do Departamento de Estado."
No caso da Operação Spaceward, para lançar do Brasil a Innospace assegurou ao Estados Unidos que o Brasil não copiará sua tecnologia. Para a especialista, sem a utilização de recursos do tipo no próprio programa espacial brasileiro, o processo se torna estéril. "Desenvolvimento que não avança."
O programa CBERS
Na outra ponta da cooperação espacial, Santos destaca o Programa Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (CBERS), que desde 1999 realizou o lançamento de seis satélites.
Desenvolvido de maneira conjunta entre Brasília e Pequim, os instrumentos espaciais do CBERS são utilizados para sensoriamento remoto de áreas ambientais e agrícolas. Diferente do que ocorre em Alcântara, no projeto sino-brasileiro o Brasil participa ativamente do desenvolvimento tecnológico e operação espacial dos satélites.
"É um programa muito importante com fornecimento de imagens gratuitas para os países africanos, e que vem se perdendo, muito por conta da questão político-orçamentária. O governo Lula entra com a promessa de reativação desse programa, mas tem enfrentado muitas dificuldades."
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