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Vitória de Kast no Chile consolida guinada à direita e redefine tabuleiro político da América do Sul
Após as eleições no Equador e na Bolívia consolidarem a guinada à direita dos governos na América do Sul, no último domingo (14) foi a vez do Chile eleger como presidente o ultraconservador José Antonio Kast, de 59 anos, por quase 60% dos votos. Com isso, a esquerda termina 2025 sem nenhuma vitória na região.
A primeira eleição presidencial chilena com voto obrigatório terminou com a derrota da coalizão governista de esquerda liderada pela candidata Jeannette Jara por uma boa margem: 42% a 58%. A vitória de Kast também marca a chegada do governante mais à direita ao poder no país desde 1990, ano que marcou o fim da ditadura de Augusto Pinochet. Inclusive, o presidente eleito chegou a tecer elogios ao período militar, que, conforme relatórios oficiais, foi responsável por mais de 40 mil mortes.
Para vencer o pleito, Kast apostou em promessas de enfrentamento ao aumento da criminalidade no país, inclusive com uso das Forças Armadas, e ainda discursos contra a imigração que, segundo o futuro presidente, é a responsável pela atual situação do Chile. Ao longo da campanha, o político chegou a afirmar que daria 98 dias para que estrangeiros "irregulares" deixassem o país.
A guinada à direita no Chile também levou o presidente da Argentina, Javier Milei, a alfinetar a esquerda sul-americana. Em uma postagem nas redes sociais, Argentina, Equador, Bolívia, Paraguai, Peru e agora o Chile foram exaltados como países "futuristas" por ele, enquanto sobre Brasil, Uruguai, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa e Suriname é associada a imagem de uma favela. "O povo sul-americano grita liberdade. Basta de socialismo empobrecedor", publicou horas após ter sido declarada a vitória de Kast.
O internacionalista pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Henrique Martins lembra ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que Kast "não é uma figura política nova" no Chile, pelo contrário: atua como deputado há mais de 20 anos, tendo justamente a segurança pública como principal agenda. Apesar das diferenças, o especialista afirma que "é difícil não fazer uma comparação com o Brasil", quando elegeu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2018, outra figura vinda com atuação de décadas no Congresso.
"O Kast estava na oposição e encontrou o momento perfeito para se estabelecer como candidato, angariando os votos que vimos. E, claro, também conseguiu estabelecer uma liderança e ser o nome principal dentro da direita, que é o grande êxito dessa eleição", afirma Martins.
Para o especialista, o presidente eleito também conseguiu "evitar o debate" ao longo da campanha e até desvincular sua imagem de nazista (ele é filho do ex-soldado alemão Michael Kast, que era vinculado ao partido de Adolf Hitler) e pinochetista. "Conseguiu os votos de pessoas da centro-direita, que por mais que tenham reserva sobre essas posturas em relação aos direitos humanos, ainda compraram a candidatura por ter sido a única opção à direita no segundo turno", acrescenta.
Reviravoltas no Chile: dos protestos em 2019 à volta da direita ao poder
Era 2019 quando jovens motivados inicialmente pelo aumento da passagem do metrô em Santiago começavam a tomar as ruas da capital. Os protestos foram ganhando corpo e novas reivindicações contra o modelo socioeconômico chileno neoliberal surgiram, situação que levou o então presidente Sebastián Piñera a declarar situação de emergência e usar o Exército para reprimir os atos. Já em 2021, durante as eleições, veio a vitória do ex-líder estudantil da esquerda, Gabriel Boric. Entre as principais promessas, estava desenhar uma nova Constituição no Chile, já que a atual foi promulgada ainda na ditadura.
O primeiro plebiscito constituinte veio com um texto que, segundo Martins, se inspirava no modelo brasileiro, "mais garantista, com função social da propriedade e muitos direitos sociais em educação e saúde". Porém, nas urnas, veio a surpresa: rejeição por mais de 60% da população. Na sequência, o governo apresentou um outro texto, desta vez elaborado pelos setores mais conservadores do Congresso, que também não conseguiu ser aprovado.
"Foi um grande zigue-zague, quase um balé político. Em 2020 e 2021, vimos uma forte eclosão social, muita mobilização, e havia muitas expectativas depositadas no processo constituinte. Abrir esse projeto a partir do estallido social foi um resultado significativo. O rechaço, porém, funcionou como um banho de água fria sobre todo esse caldeirão social e essa ebulição", explica.
Sem a nova Constituição e com muitas críticas sobre a falta de iniciativas de combate à corrupção, Boric não consegue fazer uma sucessora e a direita retorna ao poder, desta vez sob a figura ainda mais conservadora de Kast.
O que esperar do governo Kast no Chile?
Para a professora de relações institucionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Míriam Saraiva, o governo Kast deve levar a uma maior aproximação entre Chile e Estados Unidos, além da Argentina.
"Antes, Brasil, Colômbia e Chile representavam governos progressistas [na América do Sul] e, em algumas atividades, atuavam em eixo, como por exemplo a reunião que teve para a defesa da democracia junto ao primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez", enfatiza em declarações ao Mundioka.
Conforme a especialista, um dos primeiros a comemorar a eleição de Kast foi justamente o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, abrindo "muito rapidamente espaços para articulações entre Chile e o governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump". Além disso, Saraiva destaca as possíveis consequências para a maior integração regional dos países sul-americanos.
"Não é que a integração estivesse avançando, isso não acontecia. Ainda assim, governos de extrema-direita costumam ter um perfil fortemente soberanista e, em geral, são contrários à integração regional, salvo em situações excepcionais. Em um cenário normal, a tendência é rejeitar experiências de integração. Portanto, cada governo desse campo que chega ao poder representa, sim, um passo atrás em uma perspectiva futura, ainda que distante, de integração regional", resume.
Aliado a isso, a especialista vê Kast como um populista que, para justificar o aumento da violência no Chile, utiliza um discurso já conhecido: culpar a imigração, o que também trará impactos.
"Ele tem um perfil de sempre dividir a sociedade entre os bons e os maus, os cidadãos de bem e os cidadãos de mal. Com isso, o imigrante, em geral, fica no lado negativo, já que é muito mais fácil jogar a culpa do aumento da criminalidade na imigração do que em algum descontentamento dentro da própria sociedade. Essa prática não é rara e, ultimamente, tem sido muito frequente, sobretudo por esses políticos da extrema-direita", finaliza.
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