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Livros de Graciliano Ramos na prisão: obra do alagoano pode abater pena de Jair Bolsonaro
“O Processo”, “Ainda Estou Aqui” e, sobretudo, “Vidas Secas”: livros podem reduzir pena
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), preso desde o dia 22 na Superintendência da Polícia Federal em Brasília, poderá reduzir sua pena ao participar do programa “Ler Liberta”, iniciativa da Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape-DF) em parceria com a Secretaria de Educação do DF.
Pelas regras, cada livro lido reduz quatro dias da pena, desde que o participante comprove, por relatório, que a leitura foi realizada e compreendida. Bolsonaro, condenado pela Primeira Turma do STF a 27 anos e três meses de prisão em regime fechado, poderá ler até 11 obras por ano, somando 44 dias de remição anual.
Entre os títulos selecionados — que tratam de democracia, autoritarismo, injustiça, direitos humanos, violência de Estado, preconceito e liberdade — chamam atenção dois clássicos mundiais: “O Processo”, de Franz Kafka, e “Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva.
Mas é a presença de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, que mais dialoga com a memória literária e política de Alagoas, terra natal do romancista e também de Bolsonaro por adoção durante sua campanha.
Graciliano Ramos: o sertão como espelho moral
Publicado em 1938, “Vidas Secas” permanece como uma das obras mais contundentes da literatura brasileira — um retrato nu e sem adornos da miséria, da fome, da injustiça estrutural e da fragilidade humana diante do Estado.
Em plena seca nordestina, Graciliano criou personagens cuja luta pela sobrevivência ecoa em qualquer época: Fabiano, Sinhá Vitória, os meninos e a inesquecível cachorra Baleia.
Ler Graciliano é atravessar, sem anestesia, o país real — aquele que tantas vezes foi negligenciado pelos centros de poder.
Agora, ironicamente, será possível que Bolsonaro, condenado justamente por atos contra o Estado Democrático de Direito, tenha acesso a um dos livros mais críticos sobre opressão, abuso de autoridade e violência institucional.
Se Graciliano estivesse vivo, talvez dissesse que a literatura não muda homens, mas os obriga a se confrontar com o que são.
Outras obras disponíveis
Além de Graciliano, constam títulos como:
•Sagarana (Guimarães Rosa)
• Memórias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis)
• Tudo é Rio (Carla Madeira)
• Dias Perfeitos (Raphael Montes)
•1984 (George Orwell)
•Não Verás País Nenhum (Ignácio de Loyola Brandão)
•Zumbi dos Palmares (Luiz Galdino)
•O Prisioneiro B-3087 (Ruth e Jack Gruener)
•Os Lusíadas (adaptação)
•Democracia (Philip Bunting)
•O Príncipe (Maquiavel)
A lista, cuidadosamente montada, reúne obras sobre autoritarismo, distopia, racismo, resistência, ética e sistemas de poder — temas que encontram eco direto na condenação do ex-presidente, acusado de tentar abolir o Estado Democrático de Direito e liderar uma organização criminosa.
Como funciona o programa
•A adesão é voluntária.
•O interno recebe o livro na cela e tem 21 dias para ler.
•Em seguida, tem dez dias para entregar um relatório avaliativo.
•A equipe pedagógica analisa clareza, autenticidade e compreensão do texto.
•Cada leitura válida reduz 4 dias da pena.
No Distrito Federal, cada detento pode reduzir até 44 dias por ano.
A ironia literária da história
O mesmo Bolsonaro que já atacou setores da cultura, desdenhou de artistas e minimizou políticas educacionais agora depende da literatura para diminuir sua própria pena.
Entre Kafka, Rubens Paiva e Graciliano Ramos — este último, inclusive, ele próprio preso político em 1936 — a história encontra seu círculo completo.
Se Bolsonaro decidir encarar “Vidas Secas”, talvez descubra que há prisões muito mais profundas do que as paredes da PF: as prisões da ignorância, da obstinação autoritária e do medo da liberdade.
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