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Males que vêm para o bem: tarifaço alavanca negócios vantajosos entre Brasil e países africanos

18/09/2025
Males que vêm para o bem: tarifaço alavanca negócios vantajosos entre Brasil e países africanos
Foto: © Foto / Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert

Nas últimas semanas, o Brasil fechou dezenas de negócios, sobretudo na agropecuária, justamente no contexto da vigência das tarifas de 50% sobre produtos brasileiros para os EUA.

Nas últimas semanas, foram abertos mercados em Burkina Faso e Togo, por um acordo de venda de bovinos vivos para reprodução e armazenamento de material genético bovino, entre outras aplicações.

Na semana passada, foram anunciados negócios com a África do Sul pela Embraer no setor aéreo doméstico, bem como uma série de acordos bilaterais com a Nigéria, marcados pela visita oficial do presidente Bola Tinubu a seu homólogo brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília.

O incremento desses acordos não é mera coincidência, de acordo com especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

Segundo o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, um dos principais desafios já está sanado, que é o da proximidade cultural e diplomática, sobretudo no atual contexto geopolítico:

"Existem estudos que mostram a possibilidade de a própria África produzir agronegócio [...] uma oportunidade clara para empresários de agronegócio brasileiros. Sei que já tem empresário brasileiro discutindo a produção em Angola para exportar para o mundo como o Brasil faz hoje", disse Castro. "O tarifaço vai agilizar e acelerar a tomar a decisão dessas empresas no sentido de produzir em Angola ou produzir em outros países da África para exportar para terceiros países. Seria um mercado alternativo", opinou ele.

Castro salientou que muitos países da África exploram petróleo e têm dinheiro em caixa para importar, ao mesmo tempo que não têm uma indústria muito desenvolvida, tornando-se potenciais compradores de manufaturados e produtos de valor agregado do Brasil.

Ele ponderou que um dos principais desafios para o aumento do comércio são precárias linhas de transporte:

"Porque, na verdade, se exportar para a África hoje, às vezes, é mais fácil se exportar para a Europa e depois de vir para a África, mas é uma coisa simples de você arranjar também. [...] com vontade tudo se resolve", afirmou o empresário.

O agronegócio brasileiro alcança 434 aberturas de mercado desde o início de 2023, em 72 estados, e, nesta quarta-feira (17), o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, afirmou que o Brasil deve alcançar a marca de 500 novos mercados para produtos agropecuários até o final de 2026, um incremento de mais de 50 mercados em um ano.

O professor de relações internacionais do Ibmec-RJ José Niemeyer também abrordou em entrevista à Sputnik Brasil o longevo relacionamento próximo e amistoso do Brasil com países africanos, principalmente dos países da costa atlântica, que estão diretamente ligados a uma perspectiva geoeconômica com o Brasil.

"Faz parte da nossa política externa estar próximo dos países africanos e contribuir para o desenvolvimento socioeconômico dos países africanos, [...] Sendo assim, nós podemos dizer, sim, que o tarifaço de Donald Trump pode fazer com que o Brasil [...] busque nos países africanos um mercado para alguns desses produtos".

Ele também destacou que os países africanos que oferecem mais oportunidade para o Brasil são aqueles com maior capacidade socioeconômica, como Nigéria, Angola e África do Sul. Entretanto, ressaltou, a prosperidade econômica conquistada nas últimas décadas por nações consideradas hoje mais robustas no setor de comércio exterior acaba beneficiando países vizinhos:

"Até por uma questão de transbordamento econômico dos países mais fortes para os países médios em força econômica, os países enriqueceram, surgiu uma classe média nesses países, por exemplo, Angola, Nigéria. Então, os países vizinhos, chamados de países núcleos, começaram a receber também os benefícios do desenvolvimento. A África, em resumo, é um continente a ser explorado do ponto de vista econômico e comercial".

Ao mencionar o papel estratégico do governo brasileiro para a segurança alimentar de muitos desses países, Niemeyer defendeu a utilização de instituições públicas que já possuem now-how e expertise nessa área:

"O Brasil também, no médio e longo prazo, pode fazer com que esses países africanos que começaram a importar do Brasil mais produtos agrícolas e pecuários possam começar a produzir esses produtos lá na África. Então, você muda a lógica produtiva, esses países vão deixar de importar, vão começar a produzir soja, milho e carne bovina, ou carne de frango, ou de porco, lá nesse país africano [...] gerando divisas, emprego e uma atividade econômica. E isso é importante também na perspectiva da exportação de serviços, porque o Brasil pode exportar serviços da Embrapa, por exemplo", opinou o professor do Ibmec.

O professor do Ibmec citou ainda que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pode atuar estrategicamente com subsídio para exportação de produtos brasileiros a países mais carentes do continente africano, visando conquistar mais mercado e ao mesmo tempo apoiar esses novos parceiros:

"Vamos imaginar que os dianteiros dos bois que exportávamos para os Estados Unidos da América a gente começa a exportar para países africanos. Esses países não vão ter a mesma capacidade de pagamento dos Estados Unidos. Talvez essa exportação tenha que ser subsidiada pelo BNDES ou pelo governo do país que está importando. Assim, estamos ajudando na segurança alimentar dos países africanos com produtos do agronegócio, sem necessariamente manter aquele preço e aquele volume que tínhamos na nossa relação com países ricos, como com os Estados Unidos, a União Europeia ou China", explicou Niemeyer.

Por Sputinik Brasil