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Artista autodidata revelado em favela de Campinas, Antônio Roseno de Lima ganha mostra no CCBB do Rio
Exposição do potiguar, que já passou por São Paulo, Belo Horizonte e Brasília, reúne cerca de 90 obras, entre pinturas e fotografias
Como milhões de migrantes na década de 1950, Antônio Roseno de Lima (1926-1998) abandonou em 1959 sua Alexandria natal, no Rio Grande do Norte, para tentar a vida em São Paulo. Deixando mulher e cinco filhos para trás, o potiguar, num destino semelhante ao de boa parte do contingente de retirantes no Sudeste, precisou recorrer a subempregos para sobreviver, vendendo doces nas ruas. O que o diferenciou foi a produção artística, iniciada com a fotografia, e depois com a pintura, quando já vivia na favela Três Marias, em Campinas (SP), onde se estabeleceu na década de 1970.
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Além de registrar seu cotidiano, Roseno pintava animais, frutos e personalidades em suportes que encontrava, como papel cartão, madeira e placas de metal, assinando os trabalhos com suas iniciais. Até que, em 1988, circulando em uma exposição coletiva de artistas populares em Campinas, o artista e professor Geraldo Porto quis saber quem era o “A.R.L.” que assinava as imagens de formas simples, bidimensionais, de cores fortes pintadas com esmalte sintético, mas dotadas de inequívoco senso estético e força autoral.
Parte desta produção pode ser vista na exposição “A.R.L. Vida e obra”, inaugurada nesta quarta-feira (4) no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio, encerrando sua itinerância na cidade, após passar pelas sedes da instituição em São Paulo, Belo Horizonte (MG) e Brasília (DF). Com curadoria do próprio Geraldo Porto, professor do Instituto de Artes da Unicamp, a mostra é dividida em seis núcelos e reúne cerca de 90 trabalhos, incluindo pinturas, fotografias e instalações digitais criadas a partir da produção de Roseno.
— Fiquei intrigado quando vi uma obra dele pela primeira vez na exposição (no Centro de Convivência Cultural de Campinas, em 1988), queria saber quem era. Me disseram que era um senhor que passava toda semana com uma sacola de feira cheia de pinturas, tentando vendê-las, e peguei seu endereço — lembra Porto. — Quando cheguei àquele barraco de madeira, sem luz elétrica, onde ele pintava compulsivamente, fiquei sem chão. Tudo o que havia estudado sobre pintura, sobre o que é a beleza, estava ruindo na minha frente. Acabei comprando tudo o que ele tinha em casa.
A partir da coleção pessoal das obras de Roseno, Porto organizou a primeira individual do artista, na galeria paulistana Casa Triângulo, em 1991. O curador recorda como o potiguar encarava sua arte como forma de expressão, mas também com um sentido de sobrevivência.
— Ele conseguiu ganhar um dinheirinho vendendo cocada na Estação da Luz, em São Paulo, e ouviu falar de um “professor espanhol” que dava um curso de fotografia no bairro da Liberdade. Ele se apaixonou pela fotografia e chegou a trabalhar profissionalmente, fazendo casamentos, batizados, mas depois faliu — conta o curador. — Ele começou a pintar sobre fotos, e também recortava imagens de embalagens para pintar depois. E tentava vender as obras, para ele era um ofício também.
A palavra tornou-se um dos elementos mais constantes nas obras de Roseno. Semianalfabeto, ele passou a ser questionado quando suas obras começaram a ganhar projeção. Além de legendas para as próprias imagens criadas por ele, o pintor passou a escrever frases, também no verso dos trabalhos, como forma de colocar-se como artista, a exemplo de “Sou um homem muito inteligente” e “Queria ser um passarinho para conhecer o mundo inteiro”.
— Ele vendia doces e cachaça em casa, e pedia ajuda para as crianças vizinhas para escrever nas telas, dava balas em troca. Ele também colava recortes no verso, o preço da gasolina, do feijão, da banana. Uma coisa completamente original — comenta Porto.
Dentre as obras mais destacadas de Roseno, além de retratos de nomes como o diplomata Rui Barbosa, o poeta Carlos Drummond de Andrade, o presidente Getúlio Vargas e o aviador Santos Dumont, estão os chamados “bêbados”, série em que o artista pintava rostos com vários olhos, narizes e bocas, como se o espectador tivesse a percepção afetada pelo efeito do álcool.
— Isso vinha de uma referência popular, de quadrinhos que eram vistos com frequência nos bares, colados junto aos dos recados de “proibido vender fiado”. Acabou virando uma de suas marcas mais fortes — conclui o curador.
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