Finanças

'Compra intermediada' da Keeta gera queixas de restaurantes que aparecem no aplicativo sem autorização

Modelo permite que usuários peçam refeições de locais que não têm parceria com a gigante chinesa do delivery, que começou a operar em SP e outras cidades da região no início do mês

Agência O Globo - 08/12/2025
'Compra intermediada' da Keeta gera queixas de restaurantes que aparecem no aplicativo sem autorização
'Compra intermediada' da Keeta gera queixas de restaurantes que aparecem no aplicativo sem autorização - Foto: Reprodução / Agência Brasil

Uma modalidade de pedido de refeições chamada "compra intermediada", trazida ao Brasil pela gigante chinesa das entregas Keeta, tem impulsionado reclamações de restaurantes que aparecem no aplicativo de delivery da empresa mesmo não sendo parceiros dela.

Nesse formato, o consumidor consegue fazer pedidos em restaurantes que não têm contrato com a Keeta. Depois, um entregador ou assistente da empresa recebe a solicitação, vai até o restaurante, faz o pedido diretamente no caixa e leva o produto ao cliente.

Ao menos quatro redes de restaurantes procuraram a Associação Nacional de Restaurantes (ANR) por problemas relacionados ao modelo em cidades como Santos e São Vicente, onde a Keeta começou a operar em agosto, por meio de um projeto-piloto. No dia 1º de dezembro, .

No momento do lançamento do app, a plataforma já reunia 27 mil restaurantes cadastrados apenas na capital — de grandes redes a pequenos e médios estabelecimentos — e 98,2 mil entregadores, que se registraram no sistema mesmo antes da estreia na cidade.

Para comparação, o iFood conta com 450 mil entregadores cadastrados no país. Durante o piloto da Keeta em Santos e São Vicente, mais de mil restaurantes e 4,7 mil entregadores se cadastraram até 30 de novembro. Nos primeiros 20 dias de operação, a base cresceu 60% entre os restaurantes e 135% entre os entregadores.

Segundo a ANR, os problemas envolvem desde o uso não autorizado da marca (uma vez que os pratos são mostrados em fotos no aplicativo) até preços que não condizem com a estratégia dos restaurantes. Se houver valores promocionais na plataforma, por exemplo, isso pode criar uma demanda inesperada, sem que os restaurantes consigam se adaptar para atendê-la.

Espionagem, consultoria suspeita e roubo de notebooks:

Guerra das 'bags':

No app da Keeta, ao clicar na tag “compra intermediada”, o consumidor é informado de que os preços podem ser diferentes daqueles cobrados no restaurante, já que incluem custos de compra e entrega vinculados ao serviço. A empresa diz que o modelo "garante que os clientes possam desfrutar de uma seleção mais ampla e de uma experiência de entrega excelente, mesmo em restaurantes que ainda não tem parceria direta com a Keeta".

No final de semana, o Outback Brasil, uma das redes que aparecem na opção "compra intermediada" da Keeta, publicou nos stories do Instagram que a rede mantém parcerias "apenas com o iFood e com a 99Food". “Para receber o seu pedido com qualidade e segurança, e aproveitar a experiência Outback que você já conhece, recomendamos que seus pedidos sejam feitos exclusivamente por esses canais”, dizia a mensagem.

Questionada pela reportagem, a empresa disse que o posicionamento ocorreu por conta do surgimento dessa nova modalidade, com o intuito de reforçar os canais parceiros oficiais da marca, pelos quais o Outback afirma garantir a experiência, a segurança do alimento e o rastreamento do pedido. A companhia reforçou que seus canais oficiais de venda são apenas iFood, 99Food e app próprio.

Segundo uma fonte do setor informou ao GLOBO, outra rede de restaurantes supostamente incomodada com o formato de compra intermediada em Santos seria a Pizza Hut. Procurada, a companhia não negou nem confirmou a informação; disse apenas que não mantém parceria com a Keeta no momento e que oportunidades futuras podem ser avaliadas.

Fernando de Paula, vice-presidente do Conselho Diretor da ANR disse que a entidade não considera acionar a Justiça contra a Keeta, mas espera que a empresa abandone a modalidade.

— Nós estamos acompanhando com preocupação porque essa prática já ocorreu no passado. Nós condenamos. Esperamos que a empresa abandone a prática e isso não se perdure.

Ele conta que entre quatro e cinco redes de restaurantes já procuraram a ANR. As queixas dizem respeito exclusivamente ao modelo de compra intermediada. Segundo De Paula, os problemas vão desde a venda da marca sem autorização até preços que podem não estar condizentes com a operação comercial naquele momento.

Procurada, a Keeta disse que a "compra intermediada" é uma nova ferramenta que "está sendo testada" para acelerar a oferta de restaurantes ainda não integrados à plataforma. "A solução está aberta a todos os tipos de restaurantes, incluindo pequenos negócios que possam ter dificuldades com integração via API. Em caso de problemas, a Keeta analisa a reclamação e aplica a política de reembolso conforme o caso", diz a empresa.

A empresa lembrou também que essas opções podem ser encontradas no aplicativo através da tag "Intermediada" e das imagens dos pratos. Logotipos dos restaurantes não são exibidos. "A Keeta opera em conformidade com todas as leis e exigências locais, trazendo mais oportunidades para consumidores, parceiros entregadores e lojistas", disse a companhia em nota.

Do ponto de vista do cliente, não há problema, dizem especialistas, desde que esteja claro que o restaurante não mantém parceria com a Keeta. Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direito do consumidor, a compra intermediada é como um “favor” que a empresa presta para quem não está disposto a ir pessoalmente adquirir um produto ou serviço junto a um restaurante.

— A relação existente é entre o interessado e o “procurador”, relação intermediada pela Keeta. O estabelecimento comercial não figura nessa relação. É um modelo de negócio que não retira a margem de lucro do estabelecimento comercial. De início, não há violação aos princípios da livre concorrência, bem como às bases do direito ao uso da marca.

Já Luiza Tângari Coelho, sócia da área de Propriedade Intelectual do Madrona Advogados, explica que o direito autoral protege o uso de imagens e exige autorização prévia para sua reprodução, mesmo quando a foto utilizada pelo aplicativo, por exemplo, foi retirada das redes sociais de um restaurante ou loja.

No caso do uso de marcas, ela afirma que, em regra, também é necessário obter autorização. Há, porém, uma exceção prevista em lei que impede o titular de proibir que um “comerciante” utilize a marca para divulgar e comercializar os produtos que efetivamente oferece.

Luiza lembra, no entanto, que essa lei é antiga, criada antes do surgimento dos serviços de e-commerce e entrega por meio de apps.

— Ainda não podemos dizer até que ponto isso poderia ser usado, dado que não é uma marca que vende um produto de uma marca X. Não é preto e branco se pode ou não. Há margem para interpretação.