Finanças

Bebidas turbinadas com vitaminas, fibras e proteínas saem do nicho e viram aposta de gigantes do setor

De energéticos com proteína a refrigerantes com fibras, marcas investem bilhões para disputar um mercado global que deve saltar de US$ 143 bilhões para US$ 238 bilhões até 2033

Agência O Globo - 30/11/2025
Bebidas turbinadas com vitaminas, fibras e proteínas saem do nicho e viram aposta de gigantes do setor
- Foto: Ilustração de IA

A indústria de alimentos e bebidas vive um novo momento de transformação. Impulsionadas por um consumidor cada vez mais atento ao impacto da alimentação na saúde, marcas de todos os portes estão reformulando produtos e incorporando novos ingredientes que prometem agregar benefícios nutricionais — especialmente proteínas, fibras e vitaminas.

Entenda os motivos:

Dados do IBGE:

As chamadas bebidas funcionais crescem na esteira do sucesso que os alimentos desse tipo fazem desde a pandemia, quando aumentou a preocupação com saúde, e começam a sair dos nichos para ganhar as prateleiras dos supermercados. Por trás desses rótulos, estão investimentos bilionários em pesquisa e desenvolvimento.

Só neste mês, consumidores viram a chegada de duas novidades da Ambev: o Guaraná Antarctica Zero com fibras e o Fusion, um energético com proteínas.

Inauguram o cardápio funcional da gigante brasileira de bebidas de olho numa tendência mundial. Globalmente, bebidas enriquecidas com vitaminas, fibras e outros nutrientes movimentam cerca de US$ 143 bilhões (R$ 762 bilhões) por ano, número que deve saltar para US$ 238 bilhões (R$ 1,27 trilhão) até 2033. Isso porque a expectativa é de aceleração no curto prazo de um mercado que já vem se expandindo num ritmo anual de mais de 8%, aponta a consultoria Imarc.

— É um baita nicho e quando grandes empresas lançam produtos é porque esse mercado deixou de ser tendência e já virou realidade. Esses itens já saíram de lojas especializadas de suplementos alimentares ou academias e estão nas gôndolas da maioria dos supermercados — explica Jean Paul Rebetez, sócio-diretor da Gouvea Consulting, consultoria especializada em varejo.

Aquecimento da demanda:

Com esses ingredientes extras, a indústria e o varejo conseguem margens de lucro maiores (de 20% a 30%) nesses produtos, em comparação com similares sem rótulo funcional, explica Rebetez.

Com o crescente interesse em saudabilidade identificado por nutricionistas, o consumidor não se importa de pagar um pouco mais por alimentos que ajudem a complementar as doses diárias de vitaminas, minerais e fibras que vê como aliados para ter mais disposição no dia a dia, prevenir doenças ou dormir melhor. É um anseio literalmente alimentado pela circulação de mais informações sobre o tema nas redes e peças de marketing da indústria.

No Brasil, o Euromonitor estima que só as bebidas funcionais já movimentem pouco mais de R$ 1 bilhão por ano. Os alimentos funcionais com proteínas, ingrediente mais utilizado nesses produtos, giram outros R$ 2 bilhões. A indústria de alimentos brasileira faturou R$ 1,27 trilhão em 2024, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), mas ainda não há dados só dos funcionais.

Desafio do sabor

Agentes do setor avaliam que há muito espaço para esse mercado crescer em várias frentes de suplementação, como fibras, colágeno e antioxidantes. Um filão promissor é o de bebidas prebióticas (substâncias que nutrem as bactérias que ajudam a manter o bom funcionamento do intestino). Segundo pesquisa da agência de inteligência de mercado Mintel, 57% dos brasileiros que buscam seguir hábitos alimentares saudáveis têm interesse em artigos que favoreçam a saúde digestiva.

Mudanças de comportamento:

— O Guaraná Zero já existia há tempos e o “zero açúcar” é uma demanda crescente do consumidor. Mas as pessoas querem produtos que também entreguem benefícios funcionais, sem abrir mão de sabor — diz Gustavo Castro, diretor de Estratégia e Insights da Ambev, que complementa: — Essa é uma tendência que já existe lá fora há um tempo e, no Brasil, ainda não estava tão desenvolvida.

O executivo vê uma mudança no setor. No passado, esse tipo de produto enriquecido era planejado para nichos, como esportistas ou pessoas com necessidades específicas de saúde. Agora, a ideia é universalizar a busca por bem-estar, inclusive entre gerações.

Segundo Castro, manter o sabor de um produto adicionando elementos funcionais é um desafio que demanda investimento pesado em inovação. Na Ambev, foram aplicados quase R$ 10 bilhões em novas tecnologias e aumento de capacidade de produção nos últimos dez anos.

O Guaraná Antarctica Zero com fibras sairá da fábrica de Macacu, no estado do Rio, e do Centro de Inovação e Tecnologia (CIT) da Ambev, onde será feito o Fusion. Os novos produtos vão ganhar escala para chegar a todo o país após uma fase de testes no mercado paulista.

Veja as novas regras:

A rival Coca-Cola lançou nos EUA, no início deste ano, a linha de refrigerantes prebióticos Simply Pop, para a saúde intestinal. Ainda não há previsão de chegada ao Brasil, mas a empresa já oferece por aqui o Powerade, isotônico desenvolvido especificamente para reidratação e reposição de nutrientes durante ou após atividades físicas intensas.

A Pepsi está lançando lá fora nos próximos dias sua versão de refrigerante prebiótico, descrita como sua maior inovação em 20 anos.

O Grupo Piracanjuba, de lácteos, criou produtos funcionais, como bebidas prontas com adição de chia, quinoa e linhaça. Também tem proteicos em pó e prontos para beber e um suplemento para suporte nutricional durante o uso de canetas emagrecedoras.

Em 2024, o grupo comprou a marca de suplementos Emana, focada em saúde, performance e bem-estar. A Verde Campo oferece probióticos (que contêm organismos vivos saudáveis para o intestino) como iogurte e kefir incrementados com proteína para facilitar a vida dos adeptos do whey protein, que podem tomar duas bebidas funcionais em uma.

Insegurança alimentar:

A Nestlé foi uma das primeiras a popularizar alimentos com esse propósito no país, como as linhas Puravida e Nutren. Agora, a multinacional suíça acelera a oferta de novos rótulos. Lançou recentemente o achocolatado Nescau e uma aveia com adição de proteínas. A empresa já tem cinco categorias de produtos desse tipo no portfólio e pretende dobrar esse número até 2026.

— Para crescer no segmento, queremos ter uma plataforma com diversidade de produtos com adição de proteína e colocá-los no cotidiano das pessoas — diz Gisele Pavin, chefe de Nutrição, Saúde e Bem-estar da Nestlé Brasil.

Inovação nas ‘foodtechs’

A maioria dos alimentos funcionais da Nestlé é produzida pela divisão Nestlé Health Science (NHS). A área receberá R$ 1,3 bilhão em investimentos na América Latina, entre 2025 e 2027. O Brasil, principal mercado da região, terá a maior fatia. Só a Puravida, adquirida pela Nestlé em 2022, receberá R$ 265 milhões.

Entenda:

A inovação neste segmento virou um celeiro de foodtechs, as startups do setor de alimentos. Os irmãos Leonardo e Vinícius Mazurek, fundadores da Pod, de Santa Catarina, lançaram este ano o primeiro refrigerante prebiótico do país, o Poddi.

Começaram produzindo kombucha (bebida fermentada probiótica, gaseificada e levemente ácida) na cozinha de casa, em 2019, e hoje têm uma linha derivada dessa bebida que inclui espumantes, smart drinks (energético natural), além das kombuchas. Tudo produzido numa fábrica com 30 funcionários, em Itajaí, onde investiram R$ 250 mil. Com previsão de faturamento para este ano de R$ 8 milhões, os sócios buscam investidores para expandir.

— O refrigerante foi o mais planejado e mais estratégico. Não tem conservante e nem açúcar adicionado, só o das frutas. Tem fibras prebióticas (inulina e polidextrose), duas das mais estudadas para a saúde intestinal — diz Leonardo.

Em 2024, ao adotar hábitos saudáveis e sentir falta desse tipo de produto no mercado, o economista André Lee investiu R$ 400 mil do próprio bolso na Wondr. A foodtech criou o refrigerante prebiótico Morango & Maracujá, que é produzido numa vinícola de São Paulo e já está em mais de cem pontos de venda em São Paulo, além do e-commerce.

— O refrigerante é adoçado com stevia. É livre de conservantes e feito com ingredientes naturais, contendo cerca de 15% de frutas em sua composição — explica Lee.

Propriedades dos itens industrializados estão nos alimentos naturais

Alimentos e bebidas funcionais podem trazer benefícios para a saúde, mas são produtos industrializados que devem ser consumidos com moderação e não substituir alimentos naturais, diz a nutricionista clínica Priscilla Primi, mestre pela Faculdade de Saúde Pública da USP.

Campbell's:

Ela explica que a indústria geralmente enriquece alimentos, alguns com baixos nutrientes, como por exemplo os refrigerantes, mas essas propriedades funcionais são facilmente encontradas em cereais, frutas e legumes. Além disso, os alimentos processados têm adição de corantes, conservantes, aromatizantes e são ricos em açúcar. Portanto, a recomendação é consumir moderadamente.

— Entre um refrigerante normal e funcional, o segundo terá mais características boas para o nosso corpo, mas é possível buscar características funcionais também em alimentos naturais — ela diz, citando o azeite de oliva como fonte de gorduras saudáveis ao organismo, naturalmente anti-inflamatórias. — Industrializados estão cotidianamente na nossa mesa, e é preciso equilibrar. Buscar uma alimentação 80% voltada para alimentos como arroz, feijão, pão, leite, café, suco, salada, minimamente processados. Os 20% restantes deixamos para essas indulgências.

Fuja do ‘livro de química’

Priscilla cita entre os alimentos naturais estudados por suas propriedades funcionais a aveia, que tem beta-glucana, fibra solúvel que ajuda no controle do colesterol e da glicemia, e a uva, cujo resveratrol ajuda na saúde cardiovascular. O tomate tem licopeno, um antioxidante que protege o corpo contra o dano celular e previne doenças crônicas.

App já tem 98,2 mil entregadores cadastrados:

A nutricionista reconhece entre seus pacientes o interesse crescente por alimentação mais saudável e bem-estar, mas diz que a velocidade das redes sociais acaba levando o consumidor a ficar confuso em relação a quais alimentos consumir, muitos deles apresentados por influenciadores sem muita reflexão:

— Eles me procuram para aprender a comer melhor, porque a oferta de produtos hoje é muito grande.

Ela recomenda buscar nos rótulos ingredientes conhecidos como água, mel, frutas. Quando há muitos itens que parecem ter saído de um “livro de química”, como sorbatos e nitratos, o alerta é maior. Ela lembra que as embalagens têm agora as chamadas “lupas frontais”, um alerta visual implementado pela Anvisa para indicar quantidades elevadas de açúcar adicionado, gordura saturada e/ou sódio.