Finanças

‘Está chegando ao fim o modelo Google de jornada de compra’, diz especialista

Na opinião de José Mauro Gonçalves Nunes, coordenador do Laboratório de Consumo da UERJ, apesar da força das compras pela internet, os shoppings deverão integrar o físico com o digital: o 'phygital'

Agência O Globo - 26/11/2025
‘Está chegando ao fim o modelo Google de jornada de compra’, diz especialista
- Foto: Reprodução

O segmento de shopping centers no passou por grandes transformações nos últimos anos, seguindo as tendências da sociedade, e elas deverão continuar, com os ambientes dos centros de compra e as lojas passando cada vez mais de um ponto de venda para um ponto de experiência.

A avaliação é do coordenador do Laboratório de Consumo e Sustentabilidade do Instituto Multidisciplinar de Formação Humana com Tecnologias da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IBHT/Uerj) e do MBA de Marketing Digital da Fundação Getulio Vargas, José Mauro Gonçalves Nunes.

Para o especialista, apesar da força das compras pela internet, os shoppings deverão seguir como modelo de conveniência imbatível nos centros urbanos “integrando o físico com o digital, o phygital”.

Nunes — que também é consultor de empresas nas áreas de Marketing, Comportamento do Consumidor e Varejo — cita o potencial de crescimento das pop-up stores, lojas de natureza temporária, e “o novo mundo que está se abrindo com a ”, que deverá levar ao “fim o modelo Google de jornada de compra”.

O que faz dos shoppings esse clássico, que permanece com tanta adesão no Brasil?

Shoppings são ambientes controlados e seguros, que oferecem uma gama de serviços para o cliente. Então, enquanto continuar essa insegurança pública no país, o shopping seguirá com o modelo de conveniência imbatível nos grandes centros urbanos. Já nas cidades de médio porte, movimento que vem acontecendo nos últimos anos, o shopping center é uma grande atração, especialmente com a presença de lojas âncora, além de reunir uma série de serviços, como cabeleireiro, agências bancárias, conserto de roupas.

No Brasil, a pandemia acelerou o e-commerce. Os próprios shoppings lançaram seus aplicativos para lidar com a necessidade de isolamento social da população. Como o digital impacta o setor hoje?

Entender isso é importante não só para o shopping, mas para o varejista de modo geral: as lojas têm que passar de um ponto de venda para um ponto de experiência. O que significa isso? Integrar o físico com o digital, o que chamamos de phygital.

As operadoras de shoppings já estão utilizando os seus aplicativos para dar desconto. Grandes marcas também estão trabalhando nisso. Renner, Riachuelo, Nike, Centauro, através de seus aplicativos, diminuem filas, criam formas de pagamento diferentes, ofertas e descontos em produtos dentro das lojas físicas.

O segmento de vestuário é líder nos shoppings. Ser uma categoria de produto que permite a prova antes da compra ajuda?

É mesmo um exemplo típico de shopping experience. Comprar roupa pela internet é uma loteria, porque há um problema de padronização de medidas hoje no Brasil. Da mesma forma, o cliente gosta de sentir, gosta de testar produtos cosméticos e perfumes antes de comprar. Lojas de bebidas, que envolvem degustações, e lojas de luxo que dependem muito da experiência de compra têm continuidade. Para outros segmentos, isso é mais difícil. Nas livrarias, as pessoas olham os livros, mas compram no on-line — uma prática que chamamos de showrooming —, para conseguir um preço menor.

O mix de lojas nos shoppings é cada dia mais diverso. O que falta ainda levar para dentro dos shoppings?

Uma coisa que considero importante é investir em pop-up stores, lojas de natureza temporária, que trabalham com compras por impulso. Eu já tenho visto muitos shoppings promovendo eventos do lado de fora, como feiras de churrasco e de música, que atraem muitos consumidores.

Falando em lojas temporárias, quais tendências estarão disputando espaço nos corredores de shoppings em breve?

Essas lojas são muito propensas na saída do digital para o físico. É o caso da marca da Virgínia (Fonseca), WePink, muito digital e que foi para o mundo físico sob forma de quiosques em shoppings. Além disso, há os quiosques sazonais, como de Bauducco no período do Natal. Também vejo as pop-up stores como possibilidade para marcas com propósito social grande ou de nichos. São experimentos para que futuramente as marcas possam desenvolver seu modelo de lojas físicas.

São muitas as mudanças nos shoppings. E elas acontecem porque os consumidores mudam. A geração mais jovem no mercado de trabalho é a Z, geralmente compreendida como sendo a dos nascidos entre 1995 e 2010. Quando o assunto é consumo, no que a geração Z é diferente das anteriores?

Em primeiro lugar, comparada a gerações anteriores, a Z tem menos poder de compra. Então, para ela, não basta o shopping investir no mix de lojas e de conveniência. Quanto mais investir em eventos, nichos instagramáveis, e trabalhar com influenciadores digitais, muito melhor para atrair essa geração. É o que tem sido feito, por exemplo, na Bienal do Livro, que tem investido nos últimos anos nessa juventude Z e Alfa.

Outro grupo que tem despertado a atenção de negócios é a geração prateada, de 60+, por sua relevância econômica. Como ela impacta o setor?

É a geração que tem mais dinheiro para gastar, com seus filhos fora de casa já e um espaço muito maior para consumo. Para os shoppings, isso implica em criar espaços de diferenciação desse cliente, que quer um estabelecimento mais tranquilo e é mais exigente no consumo. Ou seja, precisam de filas preferenciais, melhor gestão das vagas dos shoppings, apoio se tiverem algum problema para deslocamento, mix de bons restaurantes e boas lojas.

Há muitas gerações economicamente ativas, aliás, devido ao encurtamento desses períodos aliado ao aumento da expectativa de vida. Em termos de publicidade, como falar com todo mundo ao mesmo tempo?

É preciso mais pesquisa de mercado. Cada shopping precisa conhecer o seu público, a frequência das visitas das pessoas, o que elas consomem, as características da sua região geográfica e a concorrência. Além disso, é impossível, hoje, dar as costas para o digital, e ficar parado esperando que o seu cliente chegue até você. Então, um ponto no qual eu acho que os shopping centers ainda deixam muito a desejar são os aplicativos, muito informativos e passivos. Para mim, é preciso trabalhar mais com personalização, criando ofertas, chamando para eventos e comunicando de forma customizada com os clientes.

Olhando ainda para o futuro, e a inteligência artificial (IA)? O que já acontece e pode vir por aí nos shoppings?

As marcas vêm começando a fazer experimentos com inteligência artificial, mas ainda muito tímidos e específicos. Mas eu vejo que está chegando ao fim o modelo Google de jornada de compra. Antes, as pessoas buscavam tudo no Google, hoje buscam no ChatGPT. Isso deve fazer com que, no médio prazo, as marcas e os shoppings que utilizam SEO (técnicas usadas para melhorar posicionamento de um site nas pesquisas), para aparecerem nos resultados do Google, tenham que começar a explorar o uso desses algoritmos dentro dessas IAs.

Como os shoppings vão integrar isso depende muito, inclusive, das modificações pelas quais as próprias plataformas passarão. Por exemplo, quando o ChatGPT trabalhar com anúncios e posts patrocinados, um novo mundo se abre.