Economia
Censo 2022: por que há cada vez mais mulheres no Brasil?
Com longevidade maior, parcela feminina na população tende a aumentar, porque elas cuidam mais da saúde. Violência urbana e no trânsito faz mais vítimas entre os homens
No primeiro censo realizado pelo IBGE, o número de mulheres e homens no Brasil era quase o mesmo: 40 milhões de pessoas viviam no país em 1940, com cerca de oito mil mulheres a mais que homens. Do levantamento seguinte em diante, essa disparidade foi se tornando cada vez maior, principalmente por conta da queda na mortalidade materna após o parto.
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No Censo 2022, as mulheres nunca foram tantas. Atualmente, elas representam 51,5% dos brasileiros, sendo cerca de seis milhões a mais que os homens. Mas por qual motivo o Brasil está se tornando um país cada vez mais feminino?
A pesquisa do IBGE mostra que a proporção de homens na população é maior até os 24 anos de idade. O professor de demografia da UFMG Bernardo Queiroz afirma que, por conta de um fenômeno biológico, nascem mais meninos que meninas, em uma proporção de 105 para cada 100.
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Mas, durante a adolescência e a idade jovem adulta, a mortalidade dos homens se acentua, por estarem mais expostos à violência, principalmente homicídios, e a acidentes de trânsito ou no trabalho.
Com o envelhecimento geral da população brasileira, a presença feminina cresceu. Como as mulheres vivem em torno de sete anos a mais que os homens, elas ganham participação. Há 94,2 homens para cada cem mulheres. Essa relação era de 98,7 em 1980.
A expectativa de vida maior das mulheres é comum no mundo todo, mas no Brasil a violência urbana, que mata mais os homens, aumenta essa diferença em torno de três anos.
A cidade de Salvador (BA), que consta na lista das mais violentas do Brasil do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ocupa o segundo lugar na lista de municípios com o maior percentual de mulheres no Brasil.
Ao longo do ciclo de vida, a mortalidade masculina tende a se manter maior também por conta da falta de cuidados pessoais e atenção à saúde entre os homens.
Um país de mulheres mais velhas
Com a sobremortalidade masculina e a queda acentuada na taxa de fecundidade (o número de filhos que uma mulher tem ao longo da janela reprodutiva), o Brasil vai se tornando um país de mulheres mais velhas.
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A demógrafa Dalia Romero, pesquisadora do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica (Icict/Fiocruz), explica que o principal mecanismo para definição da estrutura etária brasileira é a queda na fecundidade.
Se vive mais, e se nasce menos
Com menos filhos, as gerações mais jovens ficam cada vez menores. Isso quer dizer que o envelhecimento da população está acontecendo por duas frentes: se vive mais e se nasce menos.
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Para Dalia, a falta de "vontade” das mulheres em ter filhos está relacionada à falta de políticas de cuidados:
— Quando tem filhos, a mulher pode ficar alguns meses em casa. O homem não. Quando consegue deixar o trabalho, é apenas por uma semana e, segundo a lei, para resolver assuntos administrativos, como registrar a criança. Não é para cuidados. A cultura de cuidados no Brasil é muito distante dos homens — afirma a pesquisadora.
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A economista Luísa Cardoso, do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da Organização das Nações Unidas (ONU) acrescenta que censos realizados nas últimas duas décadas em países escandinavos mostram uma curva de fecundidade em formato de “J”.
Divisão desigual dos cuidados
Primeiro, uma diminuição no número de filhos por mulher e, em dado momento, essa curva volta a subir. Isso significa que as mulheres voltaram a ter mais filhos. Grande parte da resposta pode estar no fato dos homens estarem participando mais das tarefas domésticas e envolvidos nos cuidados das crianças, além da licença parental.
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Embora a taxa de fecundidade dos países de alta renda seja baixa, Luísa lembra que a literatura mostra que a divisão menos desigual de cuidados, junto com o crescimento do PIB e a maior participação feminina no mercado de trabalho, pode aumentar o número de filhos por mulher:
"É importante pensarmos em quais estruturas sociais nós temos no Brasil. Essas mulheres têm condições de conciliar a vida familiar com a vida profissional? Elas não querem ter filhos ou elas não conseguem? Se a remuneração é baixa e não existe rede de apoio, querer ter filhos é um desafio"
Ao comparar as taxas de fecundidade no Brasil com outros países europeus, por exemplo, Bernardo Queiroz afirma que a queda no indicador foi mais veloz aqui do que lá fora, o que implica em uma taxa de envelhecimento bem rápida.
Para ele, esse indicador acaba mascarando diferenças internas, sobretudo no caso de um país tão desigual quanto o Brasil.
— Como o nível de fecundidade cai entre grupos populacionais a ritmos diferentes, temos diferentes níveis de envelhecimento. Existem ainda fatores regionais, relacionados à escolaridade e ao nível de renda. Isso leva a diferentes níveis de esperança de vida, por conta do acesso à saúde e à educação, por exemplo — conclui.
No Brasil, direito a envelhecer não é de todos
Dalia resume essa ideia dizendo que, no Brasil, o direito a envelhecer não é de todos.
Para ela, mais do que pensar políticas públicas voltadas para uma população mais longeva e feminina, sobretudo na área de cuidados e lazer para pessoas idosas, é preciso tratar das desigualdades sociais, que fazem com que algumas pessoas vivam mais que outras.
— Uma mulher negra que desde criança cuida do irmão, e mais tarde cuida dos filhos, não tem uma grande expectativa de vida. Um indígena tem uma idade média muito abaixo da população branca. Quando se olha para quem conseguiu envelhecer, olhamos para uma parcela branca e feminina da população. Precisamos investir na redução da desigualdade e trazer o homem para os cuidados. Não é só olhar para quem envelheceu, mas para quem não envelheceu — conclui Dalia.
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