Economia

ANTT adia cronograma para regulação de ônibus e renegocia prazo com MPF; veja o que está em jogo

Agência promete publicar em novembro a resolução final de marco regulatório para transporte rodoviário interestadual, em discussão há quase uma década; abertura do mercado é ponto crítico

Agência O Globo - GLOBO 17/10/2023
ANTT adia cronograma para regulação de ônibus e renegocia prazo com MPF; veja o que está em jogo
ANTT - Foto: Arquivo PR

Em mudança na agenda regulatória, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) postergou o calendário do novo marco para o Transporte Rodoviário Interestadual de Passageiros (TRIP), em debate há quase uma década. A fase de análise de contribuições, prevista para ser concluída em agosto foi adiada para até o fim de outubro.

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Em nota enviada ao GLOBO, a agência informou que ainda pretende publicar a resolução final do marco regulatório em novembro. Uma minuta do marco legal, apresentada em agosto, foi alvo de críticas por travar a entrada de novas empresas no setor.

Ao prever o texto final para novembro, a ANTT descumpre os termos de um acordo firmado com o Ministério Público Federal para que a norma fosse apresentada até o dia 10 de outubro. Segundo o MPF, houve uma negociação com a agência para prorrogar o prazo por mais trinta dias "dada a complexidade do tema", informou o órgão ao GLOBO.

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A agência de transportes, por meio da assessoria de imprensa, acrescentou que tem mantido reuniões constantes com o MPF, desde a concepção do termo de compromisso, e que o acordo "prevê a possibilidade de alteração do cronograma, quando avaliada como necessária e por vontade alheia à ANTT".

O que está em jogo na regulação dos ônibus rodoviários

O marco regulatório tem tido vaivéns na ANTT desde 2014, quando foi sancionada a lei 12.996, que determinou o regime de autorização como meio de empresas de ônibus poderem operar linhas interestaduais. A agência ficou encarregada de regular as normas, que têm sido alvo de disputa judicial desde então.

Por medida liminar do TCU, o mercado chegou a ficar dois anos sem que nenhuma empresa recebesse nova autorização de operação. A revogação foi feita em fevereiro deste ano. Um mês depois, o Supremo Tribunal Federal concluiu ser constitucional a entrada de serviços de ônibus por autorização. O caso se arrastava desde 2016 na corte.

Durante o tempo que o mercado ficou congelado com a decisão do TCU, o Congresso entrou no jogo. No fim de 2021, o Senado aprovou o projeto de lei 3.819, que endureceu os critérios para as empresas de ônibus obterem autorização da ANTT para operar. O texto deixou com a agência a tarefa de determinar um novo marco regulatório, agora prometido para novembro.

Sem um marco, empresas que querem operar linhas de ônibus estão sujeitas, por enquanto, a uma resolução transitória da ANTT que só concede licença para mercados que hoje são desatendidos. Na prática, empresas só podem ter novas autorizações nos lugares em que "ninguém opera":

— Uma empresa consegue entrar caso ela vá operar uma linha em que não há ainda nenhuma empresa, ela pode (buscar autorização). Quer operar Rio-São Paulo? Não pode porque já têm empresas— explica Felipe Freire da Costa, regulador federal concursado da ANTT.

O tema coloca em lados opostos os participantes do mercado. Empresas entrantes querem garantir uma regulação que permita a entrada de mais operadores de ônibus em linhas que, hoje, ficam concentradas em poucas companhias. Empresários tradicionais resistem. A abertura ou não do mercado é o principal ponto de tensão.

O ponto polêmico do novo marco regulatório

O novo marco regulatório já passou por audiências e consultas públicas. Em agosto, uma minuta foi apresentada. O grande ponto de embate ficou em torno da necessidade de avaliação de critérios de "viabilidade econômica" para autorizar novas empresas a operarem nos principais mercados.

A minuta sugere uma fórmula para determinar o nível de abertura possível nas maiores linhas de ônibus interestadual. Receita gerada na linha e a quantidade de empresas já autorizadas são alguns critérios. A partir disso, a agência coloca a possibilidade de negar completamente novos pedidos de licença, o que trava a abertura do mercado.

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O tema coloca em lados opostos o Cade e o Ministério da Fazenda. Em nota técnica, a pasta levanta preocupações sobre o aperto concorrencial e cita recomendação da Procuradoria Federal junto à ANTT para que os critérios de avaliação da viabilidade econômica fossem revistos.

Já o Conselho, em ofício assinado pelo superintendente-geral do órgão, Alexandre Barreto, avalia que as autorizações deveriam levar em consideração a capacidade das linhas, sob o risco do excesso de oferta "inviabilizar a prestação do serviço".

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Para Francisco Gildemir Ferreira da Silva, professor e pesquisador de Economia dos Transportes e de Redes na UFC e UnB, do ponto de vista econômico, não faria sentido haver uma trava da ANTT para definir quais mercados podem ter novas empresas ou não.

— Obviamente existem trechos que não comportam mais de um operador. Nesses casos, com o mercado aberto, um operador poderá sair ou entrar a partir da competição. Não precisa ser oligopolizado. Ao órgão, cabe estabelecer os padrões de qualidade do serviço, não criar barreiras para as empresas.

Abertura do mercado: o que dizem as empresas

Em setembro, grandes plataformas Buser e Flixbus lançaram um abaixo-assinado para pressionar a ANTT a rever o marco regulatório. Representadas pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), as empresas alegam que a proposta apresentada pela agência trava a concorrência e mantém o "oligopólio atual das grandes viações".

A batalha deles é garantir uma regulação que assegure a abertura do mercado e um regime de autorização que não trave novos entrantes, diz André Porto, diretor-executivo da Amobitec.

— A ANTT, da forma como está a proposta de marco, está dizendo que ela só vai deixar que um determinado número de empresas operem em determinados mercados. Como a agência vai dizer que você não deveria operar em determinada linha porque você pode ter prejuízo? Qualquer modelo com regime de autorização, em tese, você deve ter a livre concorrência.

Já a Associação Nacional das Empresas de Transporte Rodoviário de Passageiro (Anatrip) quer garantir que não haja uma abertura "irrestrita" do mercado e que a ANTT faça estudos de viabilidade econômica para determinar a entrada de novas empresas.

— As empresas que fazem o transporte rodoviário têm um custo muito grande. Se vai entrar um novo concorrente, o que a gente entende é que é necessário que se façam estudos sobre o impacto nesses mercados que já estão sendo operados — Gustavo Lopes, advogado da Anatrip.