Economia

Consumidores querem acesso a peças para fazerem consertos por conta própria. É o chamado direito ao reparo

Defeitos que poderiam ser resolvidos em casa hoje têm de ser reparados em autorizadas. Movimento, que ganha força no Brasil e no exterior, quer mudar isso

Agência O Globo - EXTRA 16/10/2023
Consumidores querem acesso a peças para fazerem consertos por conta própria. É o chamado direito ao reparo
Apple - Foto: Reuters/Direitos Reservados Fonte: Agência Brasil

O colombiano Wilmer Becerra pautou as redes sociais na semana passada depois de ser alvo de um processo judicial, movido pela Apple, por ensinar consumidores a consertar aparelhos da marca nas redes sociais. O argumento da empresa é que o engenheiro se passa por um trabalhador credenciado para realizar esses reparos, oferecendo suporte aos produtos, o que ele nega.

Canais do EXTRA no WhatsApp: Assine o canal Emprego e Concursos e receba as principais notícias do dia

Fundo de Garantia: Fernando Haddad se reúne hoje com ministro Barroso para discutir ação que pode mudar correção do FGTS

A disputa entre Becerra e a Apple evidencia a demora dos países em regulamentar o que é conhecido como “direito ao reparo”: leis que garantem a autonomia dos consumidores para realizar consertos em aparelhos, inclusive celulares e computadores, sem necessidade de procurar o fabricante.

Baterias viciadas ou telas quebradas, problemas que atualmente exigem conserto em autorizadas, por exemplo, poderiam ser resolvidos em casa. O alto valor desses reparos frequentemente leva o consumidor a comprar um novo produto, o que, além de pesar no orçamento, é um problema para o meio ambiente por causa do descarte e do uso de matéria-prima para fabricação de novos itens.

O movimento em defesa da autonomia do consumidor, conhecido como “Right to Repair”, é amplamente disseminado nos Estados Unidos e na Europa, mas ainda não é realidade no Brasil. Por aqui, não há qualquer legislação em debate sobre o tema. E ainda caminha a passos lentos na Câmara dos Deputados o PL 7875/2017, que veta a obsolescência programada, ação consciente das empresas para reduzir a vida útil de produtos.

Previdência Social: INSS determina fim de cobranças na conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, após decisão da Justiça

Se o assunto ainda não chegou a legisladores e reguladores, nas redes sociais é claro o crescente interesse dos brasileiros pelo tema. No TikTok, as hashtags #reparosiphone e #reparosapple somam 53 mil e 239 mil visualizações, respectivamente. Já a #reparosdeiphone chega a 14,5 milhões, enquanto #consertodecelular bateu mais de 264 milhões de visualizações.

O professor de Educação Física Marco Senges, de 56 anos, conserta seus equipamentos desde 1992. Começou a aprender lendo revistas eletrônicas e hoje busca informação no Youtube. Ele sequer consegue mensurar o quanto já economizou nesses mais de 30 anos. Já consertou celular, computador, esteira elétrica e até aparelho de musculação de seu estúdio.

— Numa das vezes deram um orçamento de R$ 900 para conserto de uma TV. Perguntei qual era o problema à assistência e disseram que a placa-mãe queimou. Na internet, a “placa-mãe” custava R$ 140, com frete. Vi um vídeo no Youtube e consertei. Qualquer um com um pouquinho de bom senso faz — conta.

Vantagens: Programas de pontos alcançam 306 milhões de registros. Veja como trocar milhas por produtos e passagens aéreas

Como funciona lá fora

Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden assinou uma ordem executiva, em 2021, para exigir que empresas de tecnologia disponibilizassem manuais explicativos, peças e ferramentas aos consumidores para fazerem reparos. O democrata pressionou a Comissão Federal de Comércio americana a criar uma regra para que as pessoas tenham direito a consertar seus produtos ou escolher onde realizar o conserto. A regulamentação, no entanto, ainda não saiu.

A proposta de grupos em defesa do direito ao reparo, como a Repair Association, inclui que todos tenham acesso a manuais, peças e ferramentas, além de autonomia para personalizar seus produtos, instalando novos programas ou alterando o design.

A União Europeia ordenou, também em 2021, que as empresas disponibilizassem peças sobressalentes durante dez anos. Uma proposta da Comissão Europeia pretende aumentar a transparência sobre as condições de reparo nas empresas, facilitando que os consumidores possam comparar serviços de assistência técnica.

Empréstimo: Febraban alega queda na oferta de crédito consignado a segurados do INSS apesar de corte dos juros

Poucas regras no Brasil

No Brasil, nem o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), nem o Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelecem regras específicas sobre autonomia no reparo de produtos.

A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça e Segurança, explica, no entanto, que as empresas são obrigadas a assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não for interrompida a fabricação ou importação de um produto. Após a interrupção da venda ou importação, a oferta de peças deverá ser mantida durante o tempo de vida útil daquele produto.