Economia

Cerveja x cachaça: entenda a briga das indústrias de bebidas por causa do 'imposto do pecado'

Cervejeiras querem que o Imposto Seletivo tenha gradação por teor alcóolico enquanto a indústria da cachaça pleiteia tratamento igual. Especialistas alertam para risco de retrocessos

Agência O Globo - GLOBO 05/10/2023
Cerveja x cachaça: entenda a briga das indústrias de bebidas por causa do 'imposto do pecado'

Eles fazem parte do mesmo setor. Mas não se entendem quanto ao novo imposto que deve ser criado com o objetivo desestimular o consumo dos produtos que vendem. Dentro da indústria de álcool, os fabricantes de cerveja e de destilados divergem sobre o Imposto Seletivo, previsto na Reforma Tributária.

Reforma Tributária: IVA, imposto que vai incidir sobre consumo no Brasil, poderá ser um dos maiores do mundo, aponta estudo

De camarão a filé mignon: todos querem entrar na cesta básica nacional

O Imposto Seletivo aparece na PEC como um tributo de caráter extrafiscal, de competência da União, e voltado para "produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente". A alíquota e incidência serão definidas por meio de lei complementar.

Na indústria de álcool, fabricantes de cerveja e cachaça estão em lados opostos. De um lado, os destilados esperam que o imposto tenha a mesma alíquota para todo o tipo de bebida e alegam que "álcool é álcool". Do outro, cervejarias defendem que o "imposto do pecado" tenha uma gradação de alíquota que varie de acordo com o teor alcoólico do produto.

O setor do álcool, junto com o de tabaco, já é sobretaxado no sistema atual a partir de alíquotas maiores do IPI, de competência federal, e do ICMS, de atribuição estadual. Com a reforma, os tributos da União serão reunidos no CBS e, dos estados, no IBS.

Em relatório publicado em agosto, o Ministério da Fazenda, aponta que "em termos gerais" o IS incidirá sobre fumo e bebidas, "de forma a arrecadar montante equivalente à tributação atual (de ICMS, PIS/Cofins e IPI)".

Canais O GLOBO: Acompanhe mais notícias no nosso novo canal do WhatsApp

O tributo é comum em outros países que adotam o sistema de IVA, como propõe a reforma no Brasil. Lá fora, ele costuma ser chamado de "Sin Tax" ("Imposto do Pecado", em português) ou o de "Excise Tax" (algo como "Imposto Especial sob Consumo"). O formato, no entanto, muda de lugar para lugar.

Cerveja x cachaça: todo álcool é álcool?

Para a indústria de cerveja, o objetivo é garantir que o sistema siga a mesma lógica do tributo na Inglaterra, entre os maiores consumidores de cerveja no mundo. O imposto britânico tem gradações diferentes. Para bebidas com teor alcoólico inferior a 3,5%, incidem alíquotas menores. Produtos com teor maior que 8,5% são mais onerados.

— Nós produzimos a bebida alcoólica com menor teor alcoólico do país. O nosso IPI tem um racional que é parecido com esse (de gradação da alíquota). No imposto seletivo, você deveria fazer a tributação por conteúdo de álcool puro — defende Márcio Maciel, presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), que representa as duas maiores fabricantes do país.

'Moderação': Ambev diz que investiu milhões para você ‘beber menos’ álcool

Na tabela do IPI, cerveja, vinho, aguardente e vodca têm tratamentos diferentes. As alíquotas podem variar de 3,9%, caso da cerveja de malte, até 19,5% para a vodca, gim e rum.

Carlos Lima, diretor de Mercado e Estudos Econômicos do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), espera que a reforma tributária ponha fim a essa diferença. Ele defende também que a reforma não gere aumento de carga, sob o efeito de "aumentar o mercado ilegal":

— Não acredito que essa seja a melhor forma de desestimular consumo. Mas tendo Imposto Seletivo, a gente espera que não haja aumento de tributação para a cachaça, que já é extremamente taxada, e o tributo seja isonômico. A gente não pode perpetuar a distorção que existe hoje no mercado de bebidas.

Indústria de cigarro quer garantia de 'neutralidade'

Os fabricantes de tabaco afirmam que o objetivo do setor e a demanda que têm levado aos parlamentares, sobre o IS, é a garantia da neutralidade, ou seja, que a reforma não aumente a carga para a indústria. O principal argumento, além de alegarem que os impostos já são altos, é de que uma tributação maior terá como efeito negativo o aumento do contrabando de cigarros.

— O que a gente tem defendido é que realmente tenha essa neutralidade. Temos levado as autoridades dados sobre mercado ilegal que mostram que, quando se aumenta a tributação, gera-se um incentivo para o crescimento desse mercado. Estamos começando a fazer um trabalho de interlocução com o Senado — diz Giuseppe Lobo, gerente executivo da Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo).

Entre as preocupações do setor privado, está a abrangência do Imposto Seletivo e a possibilidade que ele seja usado como um instrumento arrecadatório e possa ser ampliado em momentos em que o governo precise de mais arrecadação. Outra questão é a incidência: se ele será monofásico (apenas em uma parte da cadeia) ou não.

O advogado e economista Eduardo Fleury, consultor do Banco Mundial, lembra que reduzir consumo não é o único objetivo do Imposto, mas incluir no preço do produto o custo social que ele gera - no sistema de saúde, por exemplo. Ele, em geral, é aplicado em um elo da cadeia, geralmente o distribuidor ou o fabricante.

— Nós, de certa forma, já temos esse imposto. A ideia é mesmo fazer com que aquele produto seja mais caro, levando em consideração o que o governo gasta com saúde e outros impactos. A lógica é essa — explica Fleury.

Quanto pode ser alíquota do IS

Organizações de saúde temem que o desenho do Seletivo acabe deixando brecha para que haja uma redução de tributos de determinadas indústrias em relação ao que é pago atualmente.

— Para o tabaco e álcool, a grande questão é evitar que a alíquota do imposto seletivo não baixe a carga tributária que hoje é aplicada, muito pelo contrário. Toda a experiência do tabaco provou que a medida mais custo efetiva para redução de consumo é a questão tributária — avalia Marília Sobral Albiero, Coordenadora de Inovação e Estratégia da ACT Promoção da Saúde.

A fatia do bolo: Reforma tributária pode redistribuir recursos entre cidades e penalizar capitais, diz Ipea

Empresas e representantes das indústrias do álcool e tabaco consultadas pelo GLOBO dizem que ainda não calcularam as alíquotas do IS que manteriam a neutralidade tributária - ou seja, sem aumento de carga - porque, antes, precisam saber qual será a alíquota padrão.

Durante audiência pública na Câmara dos Deputados, no mês passado, o advogado e professor da EPPG/FGV, mostrou alguns cálculos sobre o tema, com base nos dados de arrecadação e tributação atual e a projeção de um IVA dual de 27%.

O pesquisador indica que a alíquota do IS que manteria a carga atual do cigarro seria de 42,40%, a depender da incidência do imposto na cadeia, seja na produção ou no varejo. No caso do álcool, em um cenário que leva em consideração apenas a cerveja, o valor seria de ao menos 34,58% - para que nenhum estado perca a receita, a alíquota teria de ser 55%, segundo o pesquisador.