Economia

Petrobras 70 anos: o que pensam 6 ex-presidentes sobre o futuro da estatal além do petróleo

O GLOBO ouviu ex-dirigentes sobre o desafio de formular uma estratégia para se manter relevante na economia de baixo carbono

Agência O Globo - GLOBO 03/10/2023
Petrobras 70 anos: o que pensam 6 ex-presidentes sobre o futuro da estatal além do petróleo
Petrobras - Foto: Agência Petrobras

Fruto do nacionalismo e do impulso industrializador da Era Vargas, quando o petróleo se consolidava como um recurso estratégico no mundo, a Petrobras completa 70 anos hoje correndo contra o tempo para redesenhar sua estratégia e manter sua relevância na economia de baixo carbono.

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Em entrevista ao GLOBO, o presidente da estatal, Jean Paul Prates, revelou que a empresa está pronta para, até o fim do ano, apresentar um novo plano para responder ao desafio da transição energética.

Transformação imposta pelo clima

O combate aos gases do efeito estufa, como os gerados por combustíveis de origem fóssil, e o crescente mercado de carros elétricos apontam para um futuro com uma estrutura energética bem diferente da que predominou ao longo do século passado, quando a Petrobras se consolidou como a maior empresa do Brasil.

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Seu valor de mercado hoje ultrapassa R$ 470 bilhões. Mas a companhia, que se manteve estatal mesmo depois de abrir capital na Bolsa e perder o monopólio no país, chega a essa nova corrida com atraso, como admitem Prates e seis ex-presidentes da estatal ouvidos pelo GLOBO.

Gabrielli: diversificar para permanecer

Sergio Gabrielli, que presidiu a Petrobras de 2005 a 2012, diz que a estatal, apesar de ter um grande mercado de combustíveis no Brasil, precisa abrir frentes renováveis porque a regulação vai se tornar cada vez mais rígida em termos de emissões. Ele cita a necessidade de investimentos, sobretudo, em hidrogênio verde, além de eólica offshore (no mar) e biocombustíveis.

— Se a Petrobras não investir em renováveis, perde importância. É fundamental se reposicionar. Mas os projetos têm que ser sustentáveis do ponto de vista financeiro — diz um dos mais longevos líderes da estatal, ressaltado que, para isso, a Petrobras precisa elevar suas reservas de petróleo.

Ele continua:

— O pré-sal hoje é a salvação do Brasil, mas, no final dessa década, se inicia o declínio das reservas. Ou descobre novos reservatórios, ou aumenta o fator de recuperação. O petróleo não vai deixar de ser elemento geopolítico estratégico fundamental para a segurança energética.

Graça Foster: sinergias importam

Graça Foster, única mulher a liderar a companhia, entre 2012 e 2015, avalia que a empresa só continuará relevante se conseguir manter suas metas de produção de petróleo tendo como base a redução de suas emissões de carbono e o investimento em novas fontes.

Para ela, a eletrificação está inserida neste contexto a partir de eólicas offshore, por exemplo. Porém, Graça lembra que a venda de ativos como a BR Distribuidora traz desafio adicional:

— Ao vender a BR Distribuidora e ficar com parte do refino, a Petrobras mostrou movimentos conflitantes, com perda de sinergias. Eu era presidente da BR na implantação do biodiesel. Sem os esforços conjuntos com a BR, tenho dúvidas se teríamos cumprido as metas da colocação do B2 (biodiesel) em 8 mil postos em dois anos. Outros combustíveis renováveis, de alto índice de descarbonização estão por vir. Creio que a venda da BR não facilitará a colocação destes produtos no mercado. A sociedade quer a descarbonização, tem direito a ela e não há como ignorá-la ou mesmo postergá-la.

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Pedro Parente: empresa precisa de estabilidade

Para Pedro Parente, presidente entre 2016 e 2018, o equilíbrio entre os investimentos em petróleo e em energias limpas é afetado pelas mudanças frequentes na direção da Petrobras. Com investidores atentos às mudanças climáticas, as dificuldades da estatal para definir e fazer investimentos pode penalizar o seu valor de mercado no médio e longo prazos:

— A empresa sofre com essas mudanças frequentes de gestão. No meu tempo, colocamos o tema das renováveis no planejamento estratégico. E as gestões posteriores preferiram concentrar as ações na exploração de óleo e gás, o que é compreensível sob o ponto de vista dos resultados de curto prazo. Mas ela não pode deixar de atender a esse desafio.

Castello Branco: convicção na privatização

Roberto Castello Branco, que ficou à frente da estatal entre 2019 e 2021, tem uma visão distinta. Ele minimiza a necessidade de a Petrobras investir em projetos como a geração de energia eólica no mar, que, segundo ele, tem custo até três vezes maior que o dos empreendimentos do tipo em terra.

— São áreas que o setor privado está investindo. Existem alternativas como a captura de carbono. E a Petrobras tem feito isso. Se queimar dinheiro, não vai a lugar nenhum — diz o executivo, para quem a estatal deve continuar vendendo ativos e se manter concentrada em maximizar os ganhos com o petróleo enquanto ele ainda vale muito. — A decisão da Margem Equatorial (proibição do Ibama de atividades exploratórias na Foz do Amazonas) é catastrófica, pois impede a empresa de pesquisar uma nova área. A Petrobras pode ser muito produtiva e relevante caso seja privatizada. Se não, fica ao sabor das ondas do governante da época.

Silva e Luna: expansão cuidadosa

A busca por mais petróleo também é defendida por Joaquim Silva e Luna, general da reserva que comandou a estatal entre 2021 e 2022, mas sem ignorar a transição energética. Para ele, a Petrobras precisa “trocar o pneu do carro em movimento” investindo na redução de emissões, buscar fontes como o hidrogênio sem esquecer o petróleo:

— Eu imagino que a Petrobras veja a demanda por petróleo (forte no mundo) até 2050. Tanto que está essa guerra para se trabalhar na Margem Equatorial, que pode ser um novo pré-sal. Mas tem que haver muita sensibilidade na discussão com o Ministério de Meio Ambiente, e isso está sendo feito. Agora, deixar isso de fora, não. É ter cuidado, esse é o caminho da conversa.

Em comum, quase todos os ex-presidentes da Petrobras deixaram a companhia em meio a crises envolvendo o preço dos combustíveis. A empresa coleciona prejuízos bilionários em decorrência de reajustes represados para frear artificialmente a inflação, já que tem de importar parte dos combustíveis que vende.

Silva e Luna, que foi pressionado pelo governo de Jair Bolsonaro para impedir reajustes, defende a paridade com os preços internacionais:

— Recebi pressão ao dizer que havia ameaça de desabastecimento caso não houvesse reajuste. O governo precisa entender que petróleo e seus derivados são commodities. Tentar controlar isso é como controlar a lei da gravidade.

José Mauro: investimento racional

José Mauro Ferreira Coelho, que ficou na estatal somente entre abril e junho de 2022, alerta para o fato de a companhia vir sinalizando investimentos em diversas áreas, do refino à energia verde, sem uma definição estratégica clara. Para ele, que também foi secretário do Ministério de Minas e Energia, é preciso escolher projetos economicamente rentáveis:

— Uma companhia do tamanho da Petrobras pode ser indutora do crescimento, mas não deve investir em qualquer coisa. Os investimentos precisam dar o retorno correto. Ou vamos ter novamente uma empresa investindo em tudo e ficando endividada, como foi no passado.

Coelho lembra que, ao assumir a empresa, sentiu falta de um planejamento para além do petróleo

— Agora, esse caminho está mais claro. Mas a transição será lenta.