Economia
Para Nobel de Economia, juro seguirá mais alto do que antes nos EUA, mas controle da inflação foi 'sucesso surreal'
Paul Krugman minimiza o impacto da elevação da taxa americana sobre o Brasil e afirma que desaceleração do crescimento da China deverá ter pouco efeito na economia global
Apesar da desaceleração da inflação, nos EUA e em outros países, o economista americano Paul Krugman, vencedor do Prêmio Nobel em 2008, não vê sinais de que os juros voltarão aos níveis extraordinariamente baixos das duas primeiras décadas do século, mesmo que haja algum alívio no ano que vem. O professor emérito da Universidade de Princeton, nos EUA, alertou para os efeitos de taxas mais elevadas sobre o endividamento dos governos e sobre a inibição dos investimentos, mas classificou o sucesso no controle da inflação causada pela Covid-19 como "surreal".
– Suspeito que o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) vai, provavelmente, começar a cortar as taxas no próximo ano, mas ainda não – afirmou Krugman exclusivamente ao GLOBO, ao deixar a 38a. Conferência Hemisférica de Seguros, a Fides Rio 2023, onde deu uma palestra nesta terça-feira.
Por enquanto, o prêmio Nobel acha que o Fed apenas parou de subir os juros.
– Acho que o Fed terminou de subir (os juros). A economia dos EUA ainda está forte e é difícil pedir por quedas nos juros agora – declarou Krugman ao GLOBO.
Na apresentação durante o evento, o economista disse que a trajetória dos juros no Brasil não é muito diferente da seguida pelo Fed (Federal Reserve, o banco central americano) ou pelo Banco Central Europeu (BCE).
Ainda que o Banco Central (BC) tenha saído na frente ao começar os cortes de juros mais cedo por aqui, as autoridades monetárias dos países desenvolvidos deverão começar a seguir essa trilha, mas apenas quando houver sinais mais claros de desaceleração nas economias.
Krugman também minimizou os efeitos da alta de juros nos EUA sobre as economias emergentes e o Brasil, em particular.
– Acho que vocês não são realmente afetados. São muito menos do que eram no passado – disse ao GLOBO.
O economista comparou, na palestra, o cenário atual com o do início dos anos 1980, quando foi assessor especial da Presidência dos EUA, no governo Ronald Reagan.
De fins dos anos 1970 ao início dos anos 1980, o Fed promoveu uma alta de juros para conter a inflação provocada, principalmente, pelas chamadas “crises do petróleo”. A ação do Fed afetou a economia global, especialmente a América Latina, cujos países tiveram crises por causa de duas dívidas externas. México e, posteriormente, o Brasil, decretaram a moratória, ou seja, deram calote em suas dívidas.
Segundo Krugman, o combate à inflação dos anos 1970 veio com severos danos colaterais, provocando recessão e desemprego elevado. Não é o que tem ocorrido até agora no combate à inflação da Covid-19, observou o economista, lembrando que as previsões mais pessimistas de recessão nos EUA e na Europa ainda não se confirmaram.
Ao contrário disso, a desaceleração da inflação entre o ano passado e este foi praticamente indolor. Por outro lado, continuou Krugman, chama a atenção o fato de que as elevações de juros em vários países não tenham provocado efeitos mais fortes em termos de desaceleração da atividade econômica.
– É quase surreal o sucesso que tivemos ao trazer a inflação para baixo sem consequências severas para a economia – afirmou o prêmio Nobel.
E acrescentou:
– Conseguimos evitar sofrimento financeiro em massa durante o pior momento da pandemia. Agora, o crescimento da economia e o emprego em todo o mundo estão praticamente de volta aos patamares da pré-pandemia. Então, o que temos é uma coisa muito estranha. Na verdade, tivemos uma vitória tremenda para a nossa própria política. Vamos olhar para trás e pensar que é incrível como entre 2020 e 2023 o mundo foi capaz de resistir a esta tempestade econômica.
Para Krugman, a desaceleração da inflação sugere que a elevação generalizada dos preços nos anos de retomada após o fundo do poço da crise causada pela Covid-19 era mesmo transitória, ainda que um “longo transitório”. Daí, a queda da inflação estaria associada à “cura” da maior parte dos problemas causados pela pandemia.
Esse sucesso, em parte, explica por que Krugman não vê espaço para as taxas de juros voltarem para os níveis baixos de antes – as apostas de mercado nos juros futuros também vão nesse sentido, pontuou o economista. Afinal, se a elevação de juros não esfriou a atividade econômica em vários países, é um sinal de que talvez houvesse mesmo um sobreaquecimento da demanda.
Outra pista para explicar o “sucesso ao trazer a inflação para baixo”, dada por Krugman na palestra, são os investimentos públicos, diretos ou indiretos, em projetos associados à transição para uma economia de baixo carbono, principalmente nos EUA e na Europa.
Na contramão do aperto provocado pelos juros mais elevados, esses recursos impulsionam a demanda, via investimentos e consumo – por exemplo, com incentivos para a compra de veículos elétricos. O impulso à demanda, por sua vez, puxa a economia como um todo, dando a impressão que as altas de juros não estão produzindo efeitos.
Ao deixar o evento da CNSeg, Krugman afirmou ao GLOBO que é possível que esse efeito se espalhe também pelas economias emergentes, como o Brasil.
– Não sabemos ainda, mas espero que sim, já que muito da transição precisará vir dos mercados emergentes – afirmou o economista.
Desaceleração na China tem impacto limitado
Ao comentar o cenário da economia da China, Krugman minimizou os efeitos de uma desaceleração do crescimento do gigante asiático sobre o resto do mundo. Países exportadores de produtos primários, como o Brasil, poderão sair perdendo, mas não ao ponto de tirar tanto ímpeto do crescimento global. E parte da esperada perda de fôlego da economia mundial terá a ver com um retorno aos padrões de crescimento de antes da pandemia.
Ao GLOBO, o prêmio Nobel também minimizou os efeitos das rusgas geopolíticas entre os EUA e a China, que têm levado grandes fabricantes globais a tentar se tornar menos dependentes do fornecimento de insumos fabricados na Ásia.
– O comércio global não irá embora, mas será menos intenso do que foi antes – disse Krugman, ressaltando que o México é o “candidato óbvio” para se aproveitar dessas mudanças, e o Brasil tem a desvantagem de estar geograficamente distante dos países desenvolvidos do Hemisfério Norte.
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