Economia
Governo quer quitar R$ 95 bi em precatórios, mas com parte dessa despesa fora do teto de gastos. E eu com isso?
Economistas avaliam que solução resolveria um problema fiscal imediato, mas poderia elevar a dívida pública, trazendo inflação e menos investimento
O governo federal quer quitar R$ 95 bilhões em passivos de sua dívida com precatórios. Para fazer isso, porém, o Ministério da Fazenda pediu que o Supremo Tribunal Federal (STF) autorize uma mudança de classificação desse gasto do Tesouro.
A proposta da Fazenda divide esse total entre o principal da dívida, de R$ 60 bilhões, que ficaria dentro da conta primária, e os juros, que são os outros R$ 35 bilhões. Estes seriam classificados como despesa financeira, ficando de fora da meta fiscal definida para o resultado primário. Além disso, os R$ 95 bilhões seriam custeados por um crédito extraordinário, que são recursos usados para arcar com despesas urgentes ou imprevisíveis.
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A estimativa é que, em 2027, esse volume de pagamentos suba para R$ 200 bilhões, segundo estimativa do Tesouro Nacional, ou até meio trilhão de reais, como calcula a Instituição Fiscal Independente, como noticiou o colunista do GLOBO Lauro Jardim.
A quem a medida vai ajudar
Se aprovada, a mudança será positiva para todos aqueles que têm precatórios a receber, pois terão seus pagamentos realizados. Sobre o impacto mais amplo, porém, os economistas se dividem na avaliação da medida.
Pelo lado do governo, se o STF atender o pedido da Fazenda, o pagamento de precatórios este ano não estouraria as metas estabelecidas para as contas públicas pelo novo arcabouço fiscal nem sofreria penalidades previstas pela regra.
O que dizem os economistas
Os mais fiscalistas avaliam que a medida vai colaborar para um crescimento da dívida pública, o que, na ponta, resultaria em efeitos que podem frear investimento privado e geração de emprego. Além de elevar a inflação.
— O efeito mais imediato e que penaliza sobretudo os mais pobres é na inflação. É o que o povo vai sentir diretamente no bolso, processo inflacionário persistente e de efeito duradouro — alerta Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos.
A proposta da Fazenda, continua ele, traria expansão monetária, ou seja, o aumento do dinheiro em circulação acima do crescimento da produtividade da economia do país. Isso faz o câmbio subir, eleva preços.
— O aumento da dívida pública tem um efeito negativo para a economia, que pode acabar andando de lado. Ela obriga o governo a emitir títulos de dívida, o juro sobe, puxando menos investimento privado, menos contratações — pondera Margarida Gutierrez, do grupo de Conjuntura do Instituto de Economia da UFRJ.
Que ganhos viriam
Pedro Motta, sócio da Jive Investments, avalia que o mercado vê "com bons olhos" a solução proposta pelo governo:
— Do ponto de vista técnico, corrige o erro incorrido pela PEC dos Precatórios, resolvendo o problema de forma definitiva. Além disso, a solução ajuda a restaurar a credibilidade brasileira perante os mercados doméstico e internacional no que tange à capacidade de pagamento da dívida pública.
Já Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultoria Tendências, entende que a proposta não afetará o novo regime fiscal. E que não avalia que a mudança seja uma porta para aumento dos gastos, mas sim como um problema que está sendo solucionado.
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Tiago Sbardelotto, economista da XP, concorda que a solução trazida pelo governo vai resolver um problema, porque vai permitir pagar obrigações de agora e reduzir a pressão fiscal esperada para mais adiante. Mas a mudança na classificação das despesas, de outro lado, poderia criar um outro problema, considerando que os precatórios são despesas de natureza primária.
Margarida, da UFRJ, também entende que retirar os precatórios da conta primária, do ponto de vista das contas públicas, seria ruim:
— Tirar os precatórios do gasto primário é uma manobra contábil. Isso geraria um descasamento entre o gasto primário e a dívida pública. Isso vai obrigando o governo a se endividar mais. Precatórios não são despesa financeira — destaca ela.
Crítica à PEC dos Precatórios
Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, o economista Marcos Lisboa sublinha que a PEC dos Precatórios, que limitou o pagamento desses débitos até 2026, não devia ter acontecido. Para ele, o pagamento das dívidas é positivo, embora os truques que se buscam para fazer isso, como classificar parte dela como despesa financeira, são criticáveis.
— Precatório é despesa primária que, se não for paga, precisa ser corrigida com juros. O truque aí é tirar um pedaço da obrigação das despesas primárias para poder ter espaço para gastos no Orçamento — afirma.
Lisboa observa que o resultado primário é a maneira como se faz as contas para chegar à trajetória da dívida pública: se está crescendo, se tem trajetória decrescente e se é sustentável.
— O primário é a maneira simples de fazer essa conta. Mas de qualquer forma, mesmo com esse tipo de criatividade (transformar parte dos precatórios em despesa financeira), a dívida cresce. Esse tipo de contabilidade não é saudável. Sou crítico desses truques. A obrigação é pagar e fazer ajustes com mais arrecadação, corte de gastos.
O que são precatórios
Precatório é o nome dado aos pagamentos que o governo federal tem de fazer a pessoas e empresas que obtiveram vitória na Justiça contra a União. Neste caso, não há mais opção de recorrer da decisão e o governo fica obrigado a quitar os valores.
Em primeiro na fila de pagamento estão as Requisições de Pequeno Valor (RPV), condenações com valores de até 60 salários mínimos, que devem ser quitadas em 60 dias. Na sequência vêm os precatórios de natureza alimentar, relativos a questões salariais e previdenciárias, sempre com valores superiores a 60 salários mínimos. Credores com mais de 60 anos de idade ou que sejam portadores de doenças graves têm direito de ter o pagamento adiantado.
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Depois vêm os demais precatórios de natureza comum, que podem estar relacionados a restituições tributárias, por exemplo.
Outro efeito negativo listado por Sanchez, da Ativa, é que haveria um “esfacelamento da credibilidade fiscal” do país.
— Por essa triangulação proposta. O Executivo deixa de honrar um compromisso que não pode ser pago com crédito extraordinário. Ele acaba sendo judicializado e vira um precatório. A partir daí, o governo poderia usar o crédito extraordinário para fazer o pagamento. É um risco — alerta ele.
Por que o efeito bola de neve?
O gatilho para o aumento desse passivo veio com a chamada PEC dos Precatórios, puxando um efeito bola de neve nessa dívida. A proposta de emenda constitucional foi desenhada pelo ex-ministro da Economia Paulo Guedes, que dizia que os precatórios seriam um “meteoro” para as contas públicas.
A PEC foi aprovada pelo Congresso em 2021, abrindo caminho para que o ex-presidente Jair Bolsonaro ampliasse gastos em 2022, ano das eleições presidenciais. A manobra permitiu medidas como a elevação do Auxílio Brasil — agora rebatizado como Bolsa Família — para a partir de R$ 400.
A questão é que essa proposta estabeleceu um limite para o pagamento de precatórios, que ficou limitado ao total pago em 2016 (que foi de R$ 30,3 bilhões), corrigido pela inflação a acada ano. Com isso, todos com precatórios a receber entraram em uma fila para receber seus créditos, com pagamentos rolando para frente até 2027. (Colaborou Letycia Cardoso)
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