Economia
Há 50 anos, enchente nos EUA pôs o Brasil no mapa da soja
Além das inovações da Embrapa, crise impulsionou exportação brasileira
As pesquisas da Embrapa, que desenvolveu tecnologias de cultivo de soja na região central do Brasil, são o elemento mais conhecido da expansão da agricultura no Cerrado, que acabaria transformando o país no maior produtor mundial do grão. Mas a história de sucesso da soja brasileira teve outros propulsores —e um deles, hoje pouco lembrado, acaba de completar 50 anos: a cheia do Rio Mississippi, nos Estados Unidos, uma das mais destruidoras da história do país.
No topo: Brasil é, agora, oficialmente o novo 'rei do milho' e supera os EUA em exportações globais
The Economist: revista diz que , com força do agro, Centro-Oeste já se parece com o Texas
'Terra e Paixão': Como na novela, famílias do agro relatam os desafios na sucessão do negócio
A bacia hidrográfica do Mississipi cobre quase um terço do território dos EUA e responde por mais de 90% da produção agrícola americana. Como o rio é também vital para o escoamento dos grãos do país, um dos maiores produtores agrícolas do mundo, as cotações internacionais de produtos como soja, milho, algodão e trigo podem disparar ou desabar, a depender do fluxo das águas.
Japão vira cliente
Na primavera, de 1973, o Mississippi transbordou como poucas vezes se viu. Suas águas atingiram o nível mais alto em 150 anos e inundaram quase 7 milhões de hectares, uma área que equivale, hoje, a todas as lavouras de soja do Paraná, o estado que é o segundo maior produtor do grão no Brasil. A enchente matou 33 pessoas e causou prejuízos de US$ 1,7 bilhão (R$ 8,45 bilhões), em valores atualizados.
O GLOBO no seu celular: Clique aqui para seguir o novo canal Economia e Negócios no WhatsApp
A cheia do Mississippi agravou a escalada inflacionária nos EUA — e o quadro ficaria ainda mais problemático a partir de outubro daquele ano, com a crise do petróleo, quando os principais países produtores impuseram embargo às exportações. O risco de escassez e aumento de preços de alimentos foi o estopim de uma insuspeita sanha protecionista no país que é porta-estandarte da livre concorrência: em junho, os EUA decidiram restringir suas exportações.
No caso da soja, a medida irritou principalmente o Japão, que não só era o maior importador mundial do grão naquele momento como comprava dos americanos mais de 90% do que consumia. “Nós estamos realmente furiosos com Nixon-san”, disse Hiroshi Higashimorl, secretário-geral da Associação Japonesa de Processadoras de Óleos, segundo registro do jornal The New York Times. Ele se referia ao presidente dos EUA, Richard Nixon.
Em Sapucaia: Um 'refúgio' no Rio de Janeiro abriga a primeira granja leiteira de cabras do Brasil
No início dos anos 1970, o Brasil já era o segundo maior produtor de soja do hemisfério ocidental, mas o cultivo ainda era pouco desenvolvido no país — a Embrapa nasceu em abril de 1973, coincidentemente durante a cheia do Mississippi —, e suas exportações, inexpressivas.
Isso até a enchente do Mississippi e a canetada protecionista de “Nixon-san”. Menos de dois meses depois de os americanos limitarem as exportações de soja e outros produtos agrícolas, uma comitiva japonesa desembarcava no Brasil para negociar a compra de 2,5 milhões de toneladas para entrega no ano seguinte — a carga valia cerca de US$ 1 bilhão, em valores da época.
Pelo caminho: Rastro de grãos deixados por caminhões nas estradas alimentam animais de pequenas propriedades
De acordo com as estatísticas do Departamento de Agricultura dos EUA, o Brasil respondeu por mais de 11% das exportações globais de soja em 1973. Dois anos antes, a fatia brasileira havia sido de menos de 2%.
A inundação histórica não foi uma catapulta isolada da soja brasileira. Até então, o farelo de peixe era a principal matéria-prima para a produção das rações usadas na pecuária. A oferta global do insumo sofreu um baque em 1972, quando a pesca de anchovas no Peru foi excepcionalmente baixa. Na falta de pescado, o farelo de soja ganhou espaço — e o Brasil, uma nova oportunidade de mercado.
‘Rei da soja’
A expansão da cultura levou a Cargill, uma das maiores empresas americanas com operações no agronegócio brasileiro, a decidir instalar no Brasil, também em 1973, uma de suas primeiras fábricas de processamento de soja fora dos EUA. A unidade de Ponta Grossa (PR), que segue em atividade, recebeu neste ano investimento de R$ 35 milhões em melhorias.
'Terra e Paixão': Como na novela, famílias do agro relatam os desafios na sucessão do negócio
Grandes projetos nacionais também começaram a surgir naquele ano. O empresário Olacyr de Moraes, que tinha negócios na área de transportes, farejou a oportunidade na corrida internacional por novos fornecedores de soja e fundou, em Ponta Porã (na época um município de Mato Grosso e hoje parte do Mato Grosso do Sul), a Itamaraty Agropecuária.
À frente da empresa, ele reinou como o “rei da soja” nas duas décadas seguintes. Ele morreu, aos 84 anos, em 2015.
Mais lidas
-
1DEFESA NACIONAL
'Etapa mais crítica e estratégica': Marinha avança na construção do 1º submarino nuclear do Brasil
-
2ECONOMIA GLOBAL
Temor dos EUA: moeda do BRICS deverá ter diferencial frente ao dólar
-
3REALITY SHOW
'Ilhados com a Sogra 3': Fernanda Souza detalha novidades e desafios da nova temporada
-
4FUTEBOL INTERNACIONAL
Flamengo garante vaga na Copa do Mundo de Clubes 2029 como quinto classificado
-
5DIREITOS DOS APOSENTADOS
Avança proposta para evitar superendividamento de aposentados