Economia

Selic: Copom sinaliza que deve manter ritmo mais cauteloso de cortes de juros, avaliam economistas

Em decisão unânime, Comitê cortou em 0,5 ponto percentual a taxa básica de juros, para 12,75%. Para economistas, ainda não há espaço para acelerar redução da Selic na próxima reunião

Agência O Globo - GLOBO 20/09/2023

A redução em 0,5 ponto percentual da taxa básica de juros, como decidiu o Comitê de Política Monetária (Copom) nesta quarta-feira, já era amplamente esperada pelos analistas do mercado financeiro, que majoritariamente não viam espaço para cortes maiores. O grande ponto de atenção acabou voltado para o comunicado do Banco Central, com os sinais para a política monetária daqui para frente.

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Com a decisão de hoje, a Selic passa de 13,25% para 12,75%. Depois de três anos sem cortes de juros, o Banco Central deu início ao ciclo de desaperto monetário na reunião passada, em agosto. Até o fim do ano, a perspectiva do Boletim Focus, que reúne estimativas do mercado, é que os juros básicos cheguem a 11,75% ao ano - ou seja, com mais dois cortes de 0,5 pp nas próximas reuniões.

Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, chama atenção para o fato da decisão ser unânime para redução de meio ponto percentual. Ele diz que a convergência entre diretores do Copom fortalece a perspectiva de continuidade do ritmo de queda de juros em 0,50 pp para o próximo encontro.

— O mercado ainda tem dúvida sobre a pressão lá fora. O preço do petróleo voltou a subir, ainda vamos ver se o inverno rigoroso na Europa poderá pressionar os preços da energia. Essas são questões no radar — diz Cruz, que não descarta, no entanto, um corte de 0,75 pp em dezembro.

Horizonte deve segurar queda mais acelerada

Economistas consultados pelo GLOBO avaliam que o tema fiscal ainda pode ser um limitador para que o Banco Central brasileiro possa aumentar a velocidade da queda de juros este ano. Além disso, a alta do preço do petróleo, no exterior, acendeu a luz amarela sobre novas pressões sobre a inflação global, o que também freia a velocidade de baixa da Selic, embora ainda seja um "fator isolado no horizonte".

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Sobre os sinais para próximas cortes, o Copom indica que, mantendo o cenário projetado pelo BC, os membros do Comitê, "anteveem redução de mesma magnitude nas próximas reuniões" - ou seja, cortes de 0,5 pp. O texto acrescenta que os diretores, de forma unânime, "avaliam que esse é o ritmo apropriado para manter a política monetária contracionista".

No texto, o Copom sinaliza "a importância da execução das metas fiscais [...] para a ancoragem das expectativas de inflação" e "reforça a importância da firme persecução dessas metas". Para Sérgio Goldenstein, economista-chefe Warren Rena, trata-se de um recado para o governo sobre o peso do comprimento da meta fiscal no próximo ano:

— O recado está implícito de que a execução fiscal é importante e que, caso a meta não seja concretizada, pode haver uma desancoraragem ainda maior das expectativas. O Copom aumentou o tom quanto a dois riscos: ambiente externo e questões fiscais.

Apesar de incertezas que podem segurar a aceleração de queda de juros, a Warren Rena projeta A Selic aos 11,50% no final de 2023. Goldenstein diz o Copom, apesar da sinalização de hoje, pode aumentar o corte na última reunião do ano "caso o cenário evolua mais do que o esperado".

O economista e sócio da consultoria Tendências, Silvio Campos Neto, destaca que o BC não entrou na discussão se o governo vai cumprir a meta de 'déficit zero', como está prometendo, ou não. Mas mantém o fator fiscal no horizonte, de forma implícita em suas discussões, assim como o mercado financeiro.

— O risco fiscal está no horizonte do mercado e do BC. Mas acredito que o Copom não quer entrar nessa discussão e colocar alguma manifestação explícita sobre esse risco nos comunicados, já que o governo vem falando em zerar o déficit — diz Campos Neto.

Ambiente externo gera preocupação

No comunicado, o BC cita que o "ambiente externo mostra-se mais incerto", com bancos centrais das principais economias determinados em atingir a convergência das taxas de inflação para suas metas. O texto também nota outros fatores que exigem atenção de países emergentes: a elevação das taxas de juros de longo prazo dos Estados Unidos e a perspectiva de menor crescimento na China.

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Silvio Campos Neto diz que a alta do petróleo também preocupa. No comunicado, Copom cita "uma maior persistência das pressões inflacionárias globais". No Brasil, o economista lembra da mudança na política de preços da Petrobras, o que gera menos clareza sobre quando haverá repasses. Mas se o petróleo continuar em alta, "em algum momento haverá impacto nos preços", diz.

A Tendências é uma das casas que projeta que o ciclo de queda de juro irá se manter numa velocidade de 0,5 ponto percentual. A inflação que ainda não convergiu para o centro da meta, no médio e longo prazo, é um dos motivos. A atividade econômica também se mostrou mais forte no segundo trimestre e o mercado de trabalho está aquecido, o que não gera ociosidade na economia brasileira. A única "boa" notícia é que a inflação de serviços tem cedido, embora o jogo contra a alta dos preços não esteja ganho, diz o economista.

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A estimativa é que a Selic termine o ano em 11,75% e chegue ao final de 2024 em 9,25%, um patamar de juro ainda contracionista, como quer o BC. Depois, haveria uma pausa, com a taxa voltando a cair apenas em 2025 e chegando a 8,5%.

O economista Jason Viera, do site MoneYou e autor do ranking do juros reais, também vê preços de petróleo e riscos fiscais domésticos como travas à queda de juros. Ele lembra que o arcabouço fiscal foi uma solução, mas não a melhor encontrada para reverter a confiança do mercado na questão fiscal. Para ele, o "cenário inflacionário não é claro" e o Banco Central não pode falar em aceleração de queda de juros neste momento.

Nos EUA, porta aberta para nova alta

Nos Estados Unidos, o FED, banco central americano, manteve a taxa de juros inalterada no intervalo de 5,25% a 5,50% ao ano, o maior nível desde 2001. Em coletiva de imprensa após a reunião, o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, indicou que a taxa pode subir mais, se necessário. Os juros devem ficar em território contracionista até que o FED esteja "confiante de que a inflação está caindo sustentavelmente”, afirmou ele.

O economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, afirma que um início de cortes de juros nos EUA não deve acontecer tão cedo. A projeção dele é que o desaperto monetário possa ter início no segundo semestre de 2024 "se os dados permitirem". Um dos reflexos de curto prazo, lembra ele, é o fortalecimento do dólar.

— A política monetária alterando seu curso nos EUA tem um primeiro efeito imediato que é nas moedas, o que já estamos observando por aqui. No longo prazo, o FED mais howkish (de manutenção de juros elevados) tira um pouco de capacidade estimulativa do Brasil. Pode ter um efeito para o país e outras economias emergentes não conseguirem ceder tanto os juros.

Silvio Campos Neto não vê a chance de uma nova alta de juros pelo FED. Mas a possibilidade está no jogo, segundo ele, já que a economia americana ainda segue forte. Mesmo sem acreditar numa nova alta de juros, o economista avalia que o FED não vai baixar a guarda no combate à inflação, o que é "um alerta para o Brasil".