Economia
Impostos, drogas e... TikTok: a cruzada de um procurador dos EUA contra o app chinês
Montana é o primeiro estado americano a proibir o aplicativo. Austin Knudsen diz ter proposto a legislação porque a população local "não gosta que seus dados pessoais sejam coletados" sem autorição
Em maio, o estado americano de Montana aprovou uma lei para proibir o TikTok que foi elaborada pelo escritório do procurador-geral Austin Knudsen. A lei, a primeira desse tipo nos EUA, deve entrar em vigor em janeiro, colocando o estado muito à frente de Washington, onde autoridades de ambos os partidos têm ameaçado - mas não agido - para restringir o uso do aplicativo.
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Os legisladores federais, assim como Knudsen, têm se preocupado com a possibilidade de o TikTok expor dados privados de usuários a Pequim, pois o aplicativo é de propriedade da ByteDance, uma empresa chinesa.
A proibição levou a uma enxurrada de processos legais recentes, com o primeiro de muitos confrontos judiciais previsto para algumas semanas.
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Alguns questionamentos sempre são feitos a Knudsen: Por que ele, a principal autoridade policial de um dos estados mais escassamente povoados do país, colocou a si mesmo e a Montana no centro de uma luta entre superpotências geopolíticas? Segundo ele, a resposta era simples.
"O Congresso teve audiências; eles não estão fazendo nada", disse Knudsen, de 42 anos. "Os montaneses não gostam de ser espionados, não gostam que seus dados pessoais sejam coletados sem que eles autorizem, e isso, para mim, é o ponto crucial da questão."
Essa resposta fácil, no entanto, desmente a complexidade da situação. Knudsen e Montana agora enfrentam uma confusão jurídica contra algumas das maiores e mais poderosas empresas de tecnologia do mundo, bem como grupos de liberdade de expressão. Os moradores locais também questionaram a sensatez da proibição e a decisão do estado de enfrentar essa batalha.
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O TikTok, um dos aplicativos mais populares nos EUA, afirmou que não representa uma ameaça à segurança nacional e que suas práticas de coleta de dados estão alinhadas com o restante do setor.
Tanto a empresa quanto um grupo de criadores de conteúdo de Montana, que o TikTok reuniu, também argumentaram que a proibição viola seus direitos da Primeira Emenda e se intromete na autoridade do governo federal sobre assuntos estrangeiros e de segurança nacional.
No mês passado, a oposição à proibição foi elencada em processos judiciais de entidades como a American Civil Liberties Union e a Computer & Communications Industry Association, cujos membros incluem a Apple e o Google.
Embora os residentes não sejam penalizados por usar o aplicativo de acordo com a nova lei, o TikTok poderá sofrer multas se eles o usarem - assim como a Apple e o Google, se o TikTok estiver disponível em suas lojas de aplicativos no estado.
"A lei de Montana é inconstitucional", disse o porta-voz do TikTok, Alex Haurek. "Acreditamos que nossa contestação legal prevalecerá e esperamos ansiosamente pelo nosso dia no tribunal."
Knudsen disse que estava preparado para mais do que apenas um dia no tribunal. Em sua opinião, a proibição é o resultado de quase dois anos de análise do aplicativo por sua equipe, e não uma atitude impulsiva. E ele espera defendê-la por anos, prevendo até mesmo que o caso chegue à Suprema Corte dos EUA.
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"Não tenho a ilusão de que isso será rápido; isso seria incrivelmente ingênuo", disse Knudsen.
Questões mais importantes
Knudsen é da quinta-geração de uma família montanesa e pai de dois adolescentes e um menino de 12 anos - nenhum dos quais tem permissão para usar o TikTok - que cresceu em uma fazenda e um rancho de gado nos arredores de Culbertson, uma cidade com menos de 800 habitantes no canto nordeste do estado.
Seu perfil político cresceu na última década, transformando-o em um dos republicanos mais proeminentes do estado. Ele passou dois mandatos como presidente da Câmara estadual e foi eleito procurador-geral em 2020.
Embora a maior parte de sua atenção tenha se concentrado em questões estaduais, como impostos e uso de drogas, ele se descreve como um opositor de longa data da China. No início de 2022, depois de ouvir de alguns residentes que o TikTok coletava mais dados de usuários do que outros serviços semelhantes, ele começou a se tornar uma pedra no sapato da empresa.
Knudsen primeiro pediu ao departamento de tecnologia da informação do estado que estudasse a coleta de dados do TikTok. Ele disse que o departamento levantou suspeitas sobre as permissões que o aplicativo solicitava dos usuários, incluindo o acesso a informações biométricas.
Isso levou a uma investigação sobre se as práticas de coleta de dados do TikTok violavam a lei estadual. Knudsen exigiu que a ByteDance, a dona do app, apresentasse documentos e respondesse a 80 perguntas sobre o aplicativo, inclusive sobre seu algoritmo viciante e seu tratamento de usuários menores de 18 anos.
De acordo com Knudsen, o TikTok e a ByteDance compartilharam poucas respostas, e o que enviaram foi "muito superficial, muito sofisticado, muito desdenhoso".
Alex Haurek contestou a representação de Knudsen sobre a resposta da empresa. Ele disse que o TikTok "apresentou documentos, reuniu-se com seu escritório e forneceu informações em várias ocasiões."
Mas Knudsen já estava decidido e começou a pensar: "Bem, o que podemos fazer a respeito disso?" Sua resposta foi redigir o projeto de lei que proibiria o aplicativo.
Seu esforço logo recebeu um impulso quando o Pentágono disse que havia detectado um balão espião chinês sobre Montana em fevereiro. Para muitos legisladores estaduais, o balão deu novo peso às preocupações que Knudsen vinha levantando sobre o TikTok.
De acordo com Knudsen, o raciocínio foi o seguinte: Se as autoridades de Pequim estavam dispostas a enviar um balão para espionar o estado, seja para monitorar as instalações militares e nucleares e a base da Força Aérea de Montana ou para algum outro propósito, o que as impediria de examinar as fotos e os vídeos dos usuários americanos do TikTok com o mesmo objetivo?
O TikTok argumentou que essa conexão é absurda. "Não recebemos nenhuma solicitação desse tipo e não a atenderíamos se recebêssemos", disse Haurek. Mas, em abril, o projeto de lei foi aprovado pelo Legislativo estadual, controlado pelos republicanos. O governador Greg Gianforte, também republicano, sancionou a lei um mês depois.
As preocupações com a China não encontraram apoio generalizado entre os fãs do TikTok ou proprietários de pequenas empresas em Montana, especialmente em Helena, a capital.
A Headwaters Crafthouse, uma choperia local, promoveu sua inauguração no início de 2021 no TikTok. Seus proprietários, um casal chamado Michael e Joan More, disseram ver a proibição como uma distração de questões locais mais urgentes.
"É uma manchete que chama a atenção e busca atenção", disse Michael More, 42 anos. "Quem vai ganhar? Advogados, e advogados custam dinheiro, e o TikTok pode gastar milhões de dólares com advogados." Ele acrescentou: "Parem de desperdiçar nosso dinheiro de impostos. Concentrem-se em coisas que realmente precisam ser feitas."
Brianne Harrington, proprietária de um estúdio de cerâmica, The Painted Pot, riu ao ser perguntada sobre a proibição: "Nossos legisladores este ano estavam criando soluções para problemas que não existiam."
Proprietários de empresas e artesãos que ganham dinheiro com o TikTok saíram em defesa do aplicativo, inclusive em outdoors locais, mas até mesmo as empresas que não usam o TikTok estavam cautelosas com a proibição.
Savanna Barrett, coproprietária da Lasso the Moon Toys, disse que a loja queria que os jovens brincassem com brinquedos em vez de smartphones. Ela conta que geralmente anunciava no Facebook e no Instagram para alcançar pais e avós. Mas, por princípio, se opõe às restrições.
"Nosso atual governo não tem o direito de limitar a autoexpressão dos montaneses", disse ela. "Os direitos da Primeira Emenda se aplicam a todos os cidadãos americanos, independentemente do país que possui a plataforma que eles estão usando para se expressar."
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