Economia

Cerca de 30% das compras são feitas cartão de crédito de terceiros. Veja os riscos

Embora não seja ilegal, prática pode aumentar risco de fraudes e dívidas

Agência O Globo - EXTRA 03/09/2023
Cerca de 30% das compras são feitas cartão de crédito de terceiros. Veja os riscos

Pedir ou emprestar o cartão de crédito, especialmente a alguém da família, é uma prática comum no Brasil. Segundo especialistas, a utilização não é crime, mas é bastante arriscada. Um levantamento feito pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), em parceria com o Sebrae, mostrou que 32% dos consumidores fizeram compras com cheque, cartão de crédito, crediário, empréstimo ou financiamento utilizando o nome de outra pessoa nos últimos 12 meses anteriores à pesquisa, sendo que 24% utilizaram o cartão de crédito.

A advogada Lilian Ferreira, de 41 anos, tem o costume de emprestar o cartão.

— Meu critério é a confiança mesmo. Já emprestei para uma amiga uma vez, e não deu certo. Agora empresto só para parentes: mãe, pai, irmã, marido... Ainda não tive problemas. Geralmente, eles me pedem porque tenho um bom limite de crédito. Então, quando alguém precisa fazer uma compra com preço maior, normalmente é o meu cartão que é usado. Assim, sobra limite no deles — conta a advogada.

Outro levantamento feito pela Unico — empresa que desenvolveu uma tecnologia de validação e autenticação de titulares de cartões — mostra que 20% a 30% das compras são feitas hoje usando o cartão de outra pessoa. A empresa também fez uma estimativa — com base em dados de utilização de cartões produzidos pela Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) — mostrando que a dificuldade em comprovar a identificação dos compradores em transações on-line afeta mais de 150 milhões de brasileiros por ano, e pode deixar de gerar R$ 120 bilhões em vendas.

— O brasileiro tem essa cultura de emprestar o cartão. Dentro dos nossos dados, estimamos que a utilização por terceiros chega a até 20% transações — explica Gabriel Pirajá, CEO da Unico.

Embora não haja uma legislação específica sobre o tema, as instituições financeiras afirmam que o cartão de crédito é pessoal e intransferível e alertam sobre o número crescente de fraudes e prejuízos com compras não autorizadas. Para especialistas, mesmo as operações autorizadas podem gerar dor de cabeça aos consumidores, se parentes ou amigos não honrarem os pagamentos.

— Emprestar o cartão é um risco por conta da segurança, mas também porque pode gerar endividamento. Se a pessoa não pagar, a dívida está no nome do titular do cartão. E os juros dessa modalidade são extremamente altos (440% ao ano) — ressalta Ione Amorim, a coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

A Abecs recomenda que, em caso de dúvida, o usuário consulte o contrato e também entre em contato com a central de atendimento do cartão.

— O compartilhamento consentido do cartão de crédito é algo peculiar e se estruturou dentro da cultura de consumo brasileira. As instituições financeiras entendem esse compartilhamento, e os varejistas se adaptaram a isso para não perder vendas. As centenas de ferramentas e políticas de prevenção a fraude buscam distinguir o verdadeiro consumo para evitar os prejuízos causados pelo uso indevido dos cartões. Para isso, há o uso da tecnologia, como a biometria da face, e a nova tendência será o uso da biometria de voz e outros inúmeros fatores de autenticação para identificar os usuários em compras e uso de aplicativos, entre outros — Linconl Rocha, presidente da Associação de Meios de Pagamentos Eletrônicos.

Titular é o responsável

Apesar de não existir uma legislação proibindo o empréstimo do cartão, o advogado Cleiton Leal Dias Júnior, do escritório Franzese, reforça que o mesmo é de uso pessoal e intransferível.

— Não é que seja ilegal, mas os contratos firmados pelos bancos e pelas operadoras não permitem — diz.

O advogado explica que a Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) prevê que as instituições financeiras respondam objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito das operações bancárias. Segundo ele, por isso, os bancos e as administradoras de cartões alertam para os riscos de utilização por outro consumidor que não seja o titular:

— Se a pessoa autoriza um filho ou um parente a usar, a responsabilidade passa a ser dele, e não pode não ser transferida para o banco. Algumas empresas criam filtros e só autorizam a compra do João feita pelo João. Por outro lado, isso restringe as transações, e o comércio pode perder vendas.

Bancos criam soluções

Os bancos orientam que os titulares não emprestem seus cartões a terceiros, mesmo para membros da família. A principal justificativa é a segurança da operação. Algumas instituições têm facilitado a inclusão de filhos e outros parentes como dependentes dos cartões principais.

A Caixa, por exemplo, explica que o cliente poderá solicitar gratuitamente até cinco cartões adicionais no aplicativo, inclusive, estabelecendo limites de gastos individuais para cada adicional.

Segundo Eduardo Cotta, superintendente de Produtos do Inter, o banco oferece também um cartão adicional que permite que o cliente tenha controle sobre os gastos de terceiros.

A maior parte do varejo aceita operações com cartões que não estão em nome do titular da compra. Mas o aumento dos casos de fraude acendeu um alerta tanto para o comércio, especialmente o eletrônico, quanto para os meios de pagamento. Um dos critérios usados para identificar e recusar o que consideram uso indevido de um cartão de crédito tem sido o endereço informado no ato da aquisição, além do perfil de compra do usuário.

Varejo cruza dados dos compradores

— Em certos casos, durante o processo de compra, algumas lojas virtuais solicitam as informações de cadastro e verificam se o endereço de destino é o mesmo cadastrado para a fatura do cartão, além de outros cruzamentos de segurança ligados ao perfil de utilização do portador do cartão — explica Rodrigo Bandeira, vice-presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm).

Ainda de acordo com a ABComm, não há uma recomendação expressa aos varejistas sobre aceitar todos os meios de pagamento. No caso dos cartões virtuais, os setores com menor adesão são Alimentação e Supermercados.

— A decisão é única e exclusiva de cada empresa — destaca Bandeira.

Para Matheus Rodrigues, analista do Sebrae Rio, uma das razões para alguns negócios não aceitarem cartões virtuais é o custo para a implementação da tecnologia.

— O cartão virtual reduz os riscos de fraude. Mas alguns negócios acabam não aceitando por custo para adesão ou limitação da empresa que presta serviço de pagamento.

Outros bancos, por questões de segurança, com o objetivo de evitar fraudes, têm estimulado os clientes a aderirem aos cartões virtuais, sejam eles temporários — aqueles usados em apenas uma transação ou que ficam ativos por muito pouco tempo — ou virtuais permanentes. Segundo especialistas, essa seria mais uma forma de proteção:

— Ao usar o cartão físico, o consumidor deixa o registro dos dados em lojas na internet e pode ser vítima de fraude, se houver vazamento de dados — diz Ione Amorim.