Canaã do Bálsamo

03/11/2025
Canaã do Bálsamo
Barragem do Bálsamo - Foto: Reprodução

Há lutas que não deveriam existir.
A que hoje se trava em Palmeira dos Índios — essa disputa silenciosa entre indígenas e pequenos agricultores — é uma delas. Não é luta de rico contra pobre, nem de poderoso contra oprimido. É, tristemente, a luta de pobre contra pobre. De gente que carrega nas mãos o mesmo calo, o mesmo suor, e no peito a mesma vontade de viver com dignidade.

E é por isso que dói tanto.
Porque, no fundo, quem se olha de frente nessa contenda se reconhece. Vê o mesmo rosto castigado pelo sol, a mesma enxada gasta, a mesma fé entranhada no peito. São filhos da mesma terra — apenas com histórias diferentes, feridas diferentes, sonhos que se cruzam na poeira da mesma estrada.

A Igreja pode ser a ponte serena de que tanto precisamos.
Com sua tradição de acolher e aproximar, ela tem a capacidade de reunir à mesma mesa quem hoje se encontra em margens diferentes. Que seus pastores e líderes, movidos pela fé e pela compaixão, ajudem a semear o diálogo, a compreensão e o perdão. Que a luz do Evangelho inspire gestos de conciliação, porque esta terra precisa de paz — e poucas vozes têm tanta força para promovê-la quanto a da Igreja quando decide unir, ouvir e amparar.

Palmeira precisa de paz.
Paz verdadeira, que nasce do diálogo, da empatia e da justiça.
Não há conciliação possível sem reparação. E se há nesta terra um pingo de justiça — e eu quero crer que há —, ela haverá de ser feita: indenizando, com dignidade e equidade, aqueles que precisarão sair das ocupações onde ergueram suas vidas. Ninguém deve ser tratado como intruso num chão que lhe deu abrigo. A reparação deve ser justa, e o recomeço, humano.

É difícil confiar no governo — todos sabemos.
A política virou moeda gasta, promessa quebrada, palavra sem crédito. Mas é o que nos resta: confiar que, dessa vez, a caneta não será instrumento de injustiça, e que o Estado cumprirá o papel que lhe cabe — o de fazer o justo florescer onde hoje há medo e incerteza.

A região do Bálsamo ressurge, então, como um símbolo.
Rica em água, fértil, abençoada.
Ali, entre o murmúrio do vento e o espelho d’água da barragem, há uma promessa de recomeço. O Bálsamo é, guardadas as proporções, a Canaã palmeirense — terra onde o homem pode plantar o próprio futuro, sem medo de perdê-lo outra vez.

Enquanto o país debate de longe a demarcação indígena, Palmeira dos Índios pode dar um passo à frente. Mostrar que há um caminho de humanidade possível: o do assentamento justo, o da reparação sem rancor, o da convivência entre povos que se reconhecem irmãos na mesma dor e no mesmo direito.

Que o Bálsamo seja, mais que um lugar, um símbolo.
Símbolo de reconciliação, de justiça e de fé.
Porque onde há água, há vida.
E onde há vida, ainda pode brotar a esperança —
mesmo quando o solo, cansado de tanto conflito, parece já não acreditar em milagres.

Vladimir Barros

Vladimir Barros

É advogado militante, formado pela Universidade Federal de Alagoas e pós-graduado em Direito Processual e Docência Superior. Jornalista filiado ao Sindjornal/FENAJ, é membro efetivo da Associação Alagoana de Imprensa (AAI) e da Associação Brasileira de Imprensa; Editor do Jornal Tribuna do Sertão. É também membro da Academia Palmeirense de Letras (Palmeira dos Índios) e fundador da Rádio Cacique FM.