O banco que fechou as portas e as histórias
Há portas que se fecham devagar, como se tivessem vergonha de encerrar um tempo. Foi assim com o Itaú de Palmeira dos Índios. Nenhum alarde, nenhuma fita cortada ao contrário, nenhuma despedida — só o ranger da última chave e nem sequer o aviso discreto na vidraça: “Encerramos nossas atividades nesta agência.”
Quem passa pela Praça, distraído, talvez nem perceba. Mas para quem conhece o ritmo da cidade, o fechamento de um banco é mais do que o fim de um endereço comercial. É o sinal silencioso de que a cidade, aos poucos, vai se encolhendo para dentro de si mesma.
O Itaú foi inaugurado em meados de 2016, quando ainda se acreditava que os bancos eram templos do progresso. O prédio novo, ar-condicionado firme, letreiro reluzente — tudo cheirava a promessa. Era o tempo em que abrir conta era quase um rito de passagem: o jovem que recebia o primeiro salário, o comerciante que buscava crédito, o aposentado que aprendia a usar o caixa eletrônico. O banco, afinal, era a ágora moderna: ali se trocava dinheiro, mas também conversa, conselhos, e até pequenas gentilezas.
O gerente conhecia os fregueses pelo nome, o segurança abria a porta com o mesmo gesto automático de quem cumprimenta a cidade. E, lá dentro, o ar frio parecia proteger o sertanejo do calor e das incertezas.
Mas os tempos mudaram. O progresso, que um dia se mediu em agências e fachadas de vidro, agora mora num aplicativo. O dinheiro perdeu o cheiro, a conversa virou senha e o gerente virou bot. A modernidade chegou sem pedir licença, e foi varrendo tudo o que parecia sólido: o balcão, o papel, o carimbo, o cafezinho.
No fim, o banco não foi embora por falta de lucro, mas por falta de gente.
E talvez por excesso de nuvem.
Os clientes migraram para o celular, o caixa virou código de barras, e o gerente, cansado de ver o salão vazio, passou a atender do outro lado da tela. A cidade, que sempre se orgulhou de ser o centro do Agreste, foi empurrada para o modo digital — como quem é levado para uma festa que não entende.
A cena se repete em toda parte: o comércio fecha, o movimento se rarefaz, e a paisagem das cidades médias vai ganhando um silêncio urbano que parece domingo eterno. As calçadas estão mais limpas, mas também mais tristes. Os bancos de praça substituem os bancos financeiros, e o dinheiro, que antes circulava em notas e sorrisos, agora escorre invisível pelos fios de fibra ótica.
É curioso: dizem que a economia de Palmeira dos Índios cresceu, que o consumo aumentou, que os serviços se modernizaram. Mas o que cresce mesmo é o número de portas cerradas, de letreiros desbotados, de lembranças recentes.
O fechamento do Itaú não é apenas o fim de um serviço — é a metáfora de um tempo que se despede. É o retrato do interior sendo engolido pela virtualidade: o mesmo interior que sempre alimentou o país com trabalho, cultura e dignidade, agora é deixado à margem do próprio sistema que ajudou a erguer.
Os mais velhos ainda olham para o prédio e se perguntam: “E agora, pra resolver um problema, vou aonde?”
Os mais jovens, esses, já vivem em outro mundo — um onde o banco cabe no bolso, mas a cidade não cabe mais no coração.
Talvez um dia, quando alguém atravessar aquela esquina, já nem se lembre que ali funcionou um banco. Vão achar que foi uma loja qualquer, um comércio como outro. Mas os que ainda guardam memória saberão: ali, por uns anos, bateu o coração econômico de Palmeira.
E agora, fechado o cofre e apagadas as luzes, ficam as histórias — de quem um dia confiou seu dinheiro, seu tempo e até um pouco de esperança naquele prédio.
O Itaú foi embora, mas o vazio que deixou não será compensado com pix.
Porque há coisas que não se digitalizam: o aperto de mão do gerente, o bom dia do segurança, o silêncio fresco do ar-condicionado num dia de calor sertanejo.
O banco fechou as portas.
E, com ele, fechou-se mais um capítulo da vida de uma cidade que, aos poucos, vai aprendendo que o futuro chega — mas nem sempre avisa quando leva o passado junto.
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