
A gentileza que sumiu das calçadas

As calçadas já foram território de encontros. Era nelas que os vizinhos se cumprimentavam, que as cadeiras de balanço saíam das salas para o sereno, que as crianças jogavam bola de gude e os velhos contavam histórias repetidas — aquelas que, mesmo sabidas de cor, a gente ouvia com respeito. Hoje, passo pelas mesmas ruas e percebo que as calçadas estão vazias. Não só de gente, mas de gentileza.
Ninguém mais olha nos olhos. Cumprimentar virou ato suspeito, dar bom-dia é quase um susto. As pessoas caminham com os fones nos ouvidos, os olhos no celular e a pressa nos passos. A vida urbana — mesmo nas cidades pequenas — virou uma maratona silenciosa, em que cada um corre sozinho tentando chegar a lugar nenhum. O espaço público, antes convivência, virou apenas passagem.
A gentileza, essa virtude doméstica e invisível, parece ter sido atropelada pela pressa, pela indiferença e pelo medo. Sumiu das calçadas, dos atendimentos, das filas e até das conversas familiares. Tornou-se quase um luxo — ou uma lembrança. O “por favor” deu lugar ao “resolve logo”, o “obrigado” ao “era obrigação”, o “com licença” ao empurrão disfarçado de descuido.
Talvez o problema não esteja só nas calçadas, mas dentro das casas. Perdemos a noção de que a boa convivência é também uma forma de política, talvez a mais nobre delas. O respeito pelo outro, o cuidado com o espaço coletivo, o simples ato de ouvir — tudo isso é o cimento da vida em sociedade. Quando esses gestos se desmancham, as ruas se tornam duras, como o concreto que as cobre.
Há um tipo de solidão nova pairando sobre as cidades. Não é a falta de companhia, mas a ausência de humanidade. A empatia desapareceu na mesma proporção em que aumentaram os muros, as câmeras e as desconfianças. É como se tivéssemos desaprendido a ser vizinhos, reduzidos a ilhas conectadas por Wi-Fi, mas separadas por medo e egoísmo.
Voltar a ser gentil talvez pareça pouco diante dos problemas do mundo — fome, violência, política suja. Mas é justamente o contrário. É a gentileza, aquela que mora nos gestos simples, que restaura a confiança e abre espaço para a esperança. Um sorriso no portão, uma ajuda no degrau, um “bom-dia” sincero: são pequenos reparos que fazem o asfalto da vida menos áspero.
Quem sabe um dia as calçadas voltem a ser o que eram — o chão compartilhado onde a vida acontece. E quem sabe, quando a gentileza reaparecer por ali, a cidade também reaprenda a respirar. Porque o coração de uma comunidade não bate nos prédios nem nos carros, mas nos passos lentos e atentos de quem ainda sabe enxergar o outro.
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