
O preço do favor

No Brasil, tudo começa com um favor. E quase tudo termina nele também. É o favor que abre a porta do hospital, que antecipa a vaga na escola, que garante o emprego do sobrinho, que “desenrola” o documento parado na repartição. O favor é o jeitinho vestido de boa intenção, o parente disfarçado de solução. O problema é que, de tanto pedir e conceder favores, a gente acabou transformando o favor em sistema — e o sistema em corrupção.
As grandes corrupções, aquelas que escandalizam o noticiário, não nasceram em gabinetes refrigerados nem em contas secretas no exterior. Elas começaram aqui, no calor das relações miúdas, quando alguém aceitou passar à frente do outro na fila, quando o vizinho pediu “só uma ajuda” para conseguir o benefício, quando o político prometeu resolver “rapidinho” o problema de quem votasse nele. O país das propinas milionárias é o mesmo país das pequenas concessões diárias — e talvez seja esse o verdadeiro drama moral que nos condena.
O favor é traiçoeiro porque vem travestido de gentileza. Quem o concede sente-se generoso; quem o recebe, grato. Mas o que parece solidariedade, muitas vezes é a semente da desigualdade. Enquanto uns precisam implorar, outros só precisam conhecer alguém. E, aos poucos, a justiça vai se tornando um luxo, o direito vira privilégio, e o Estado passa a funcionar como uma extensão dos interesses de poucos.
No interior, o favor tem sobrenome e endereço. “Fulano é meu amigo, resolve.” E resolve mesmo. O eleitor aprende que precisa pedir, o político aprende que precisa conceder — e o círculo se fecha. É assim que se perpetuam os mandatos, os cabides e as trocas invisíveis. O que parecia apenas uma “ajudinha” vira uma dívida moral, um contrato não escrito, uma compra de silêncio.
Não há corrupção grande sem uma base de pequenas corrupções sustentando por baixo. O prefeito que superfatura a obra nasceu do cidadão que aceitou um saco de cimento em troca do voto. O deputado que embolsa verba de gabinete é irmão gêmeo do servidor que falta ao trabalho porque “ninguém fiscaliza mesmo”. O empresário que frauda licitação é parente do contribuinte que pede para “não colocar CPF” na nota. É tudo a mesma engrenagem, só muda o tamanho da peça.
O preço do favor é alto, mas raramente aparece no extrato. Ele se cobra na forma de um posto de saúde sem médico, de uma escola sem merenda, de uma rua sem calçamento. E quando alguém reclama, o poder responde com a velha fórmula: “Vamos ver o que dá pra fazer”. O favor continua a ser a moeda corrente — e o Brasil, um grande balcão de trocas informais.
Talvez o dia em que a gente aprender a dizer “não precisa me fazer favor, só faça o certo”, seja o dia em que o país começará, de fato, a mudar. Porque enquanto o favor valer mais do que o direito, o cidadão será sempre um pedinte — e o corrupto, apenas um fornecedor eficiente.
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